quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Revisitando: Miyori no Mori (2007) – O Desenvolver de uma garota

Bonita história de uma criança que está reaprendendo a olhar para os lados.
Miyori (Yuu Aoi) é uma garota de 11 anos que após a separação de seus pais, é mandada para morar com seus avós paternos numa cidade rural interiorana, daquelas bem típicas do Japão, onde ao invés de cidade, faria mais justiça se chamássemos de aldeia. Miyori é uma personagem fascinante. Egoísta, teimosa, orgulhosa, ela diz o que lhe vem à mente e não se mostra simpatizavel com ninguém. De curtas e duras palavras, Miyori carrega em seu coração as palavras “Eu estou bem estando sozinha. Eu não preciso de ninguém”. Ela repetiu isso por tanto tempo, que depois de muitos anos, ela realmente começou a acreditar nisto. Ela precisa acreditar nessas palavras para se manter firme. Seu rancor, contra tudo e todos, era o seu combustível.

Contudo, esta não era a primeira vez de Miyori naquela aldeia rodeada por uma floresta verdejante a perder de vista. Quando bebê, ela estivera ali com seus pais, e durante um piquenique, ela se perde. Às vezes se perder significa se encontrar. Então, antes mesmo que ela pudesse se dar conta anos mais tarde, a verdade já estava ali no seu subconsciente. Ainda bebê, Miyori tem um encontro inesperado com diversas criaturas que habitavam aquela floresta. Ao contrário da cena que vemos dela, longe dos olhos dos pais (distantes e lado a lado um do outros, mas dissonantes, conflitantes; ele despreocupado; ela mal humorada), brincando com um cachorro durante um piquenique em uma atmosfera de desarmonia, no interior da floresta as criaturas sobrenaturais a cercam numa cena que aflora um calor humano que provavelmente ela pouco deve ter sentido em seus poucos meses de vida.
Enquanto morava em Tokyo, com seus pais, Miyori nunca fora feliz. Crescendo num lar desestabilizado por discussões frequentes, onde sua mãe se mostrava extremamente insatisfeita com o casamento. Não apenas com o casamento, mas com o papel diminuto que exercia nele. Tendo que largar a profissão promissora ainda jovem para se dedicar à gravidez e ao recém-casamento, a mãe de Miyori é amargurada e se sente prisioneira em um lar onde o marido chega sempre tarde e não lhe dar o carinho que pensa merecer. Por consequência, Miyori é quem acaba sofrendo com suas frustrações e o abandono afetivo do pai. De fato, ela é muito parecida com sua mãe, em tudo eu diria. Principalmente no gênio amargo. De personalidade difícil, Miyori nunca fez um amigo sequer: espantava todos com sua carranca e criava frequentemente desafetos com seu ar superior. Talvez, até mesmo inconscientemente, ela impedia que se aproximassem, se mantendo distante.

Ah, a arrogância. Uma arma do infeliz. Mas mais do que uma arma, a arrogância é um escudo de autodefesa. Antes que te ataquem, você ataca primeiro. Ao atacar, você se defende. Durantes muitos anos, Miyori se manteve autossuficiente, e quando ela finalmente retorna ao interior, o que vemos é um conflito carregado de sutilezas. Miyori cai em abstinência e se debate em lamentos internos. Ela quer voltar. Sente falta da cidade grande, da Coca-Cola, do movimento, das lojas de variedades. Ela olha para o celular sem sinal, mas, quanta tolice, menina. Nós sabemos que não você não tem para quem ligar. Ao abrir o celular, a única coisa que ela faz é olhar pela ultima vez as fotos tiradas à distância de seus pais no seio familiar que um dia existiu. A distância sim, como se fosse um voyeur, como se não fizesse parte daquilo. Então, simbolicamente, ela fecha o celular e o deixa cair no rio, para que a correnteza o levasse de volta, numa sequência simbólica que fala por si mesma.
Aquela vida já era. Ficou para trás. Mas que vida? O que ela sente falta é das distrações que Tokyo lhe oferecia. Aquilo era a sua fuga diária, onde ela podia negar a sua realidade, fugir e maquiar falsas verdades. Enquanto no interior, não havia para onde fugir. Sem alternativas, ela só podia encarar seus pensamentos, olhar para dentro de si mesma. Refletir. Quantas vezes, na nossa vida cotidiana pós-moderna cercados de tecnologia e distrações, nos permitimos dialogar com nosso interior? Estamos sempre distraídos com algo. Uma música, uma rede social, um vídeo, etc. Mesmo ouvindo musica, raramente estamos de fato prestando atenção em todas as nuances daquela canção. Apenas nos levamos pelo ritmo. Assistir um filme então!, uma tarefa penosa para se executar sem pausas esporádicas. Longo demais. Temos que dar algumas ou diversas pausas para conferir seu perfil virtual. Não há uma imersão absoluta. Logo, quando tudo isto é tirado de Miyori, ela não tem alternativa. Ela precisa olhar para si mesma e para as pessoas que estão em volta de si.

É ai que Miyori começa a entrar em conflitos com estes sentimentos. Negação e isolamento; ela se nega a manter os hábitos interioranos de seus avós em prol dos mesmos hábitos que compartilha com sua mãe (novamente: elas são muito parecidas), talvez uma tentativa de manter um vínculo a qualquer custo. Raiva; surge a revolta por ter sido abandonada, o ressentimento e inconformismo. Cada vez mais intensa Miyori entra em choque com aquela realidade, fato que podemos vislumbrar por sua reação paradoxal ao ser recepcionada com as boas vindas, sendo pega de surpresa por todos os alunos da sua classe em seu primeiro dia de aula. Ela se sente sem jeito e também irritada por tanto afeto e bajulação. Ela que nunca recebera tanto carinho em sua vida, de modo que tanto não sabe lidar com eles, como também se recusa a integrar a essa nova realidade: novamente, uma desesperada tentativa de manter o vinculo antigo. Sua válvula de escape está no garoto Daisuke (Yusuke Numata), que ao contrário de todos, lhe recebe com hostilidade ao sentir que esta estava menosprezando a eles, meros caipiras, e aquela aldeia, que não estava a sua altura.

É por causa da hostilidade de Daisuke, que Miyori consegue finalmente estravar toda a sua frustração. Entrando em um duelo físico com ele, mais do que colocar para fora a frustração que sentia, finalmente conseguia respirar, sendo ela mesma: de atos grosseiros e mal humorada, enfim ela não precisava mais manter nenhum sorriso plástico na face. Aquela era ela e cabia a todos agora, a aceitar ou não. Certamente Miyori pensou que a partir de então, ela seria repudiada, mas ao contrário disso, ela foi acolhida. Aos poucos, com a interação entre os seres da floresta e seus colegas, algo em Miyori começa a mudar.
A aldeia corre risco de ser submergida por uma represa que pretendem construir no lugar, e junto dela, a destruição de toda a floresta. Em meio a isto, a mãe de Miyori retorna, tentando leva-la de volta para que possam morar juntas em Tokyo. Esse é um dos momentos que mais me fascinaram em Miyori no Mori. Com mãe e filha frente a frente, e sendo ambas tão parecidas, podemos notar o quanto Miyori evoluiu emocionalmente naquele curto espaço de tempo. Ela ainda tenta barganhar (este que é o terceiro estágio dos 5 Estágios da aceitação), quer abraçar tanto o vinculo familiar (ela diz para mãe que só retorna para Tokyo, se ela e seu pai voltarem a morar juntos, como uma família), quanto o novo vinculo criado (no ato de tentar achar uma maneira de salvar a floresta dos humanos gananciosos).

Nisto, se nota que Miyori ainda tem um longo caminho pela frente no que diz respeito a amadurecer emocionalmente. Ela sempre se culpou pela desestruturação de sua família e por não ter sido capaz de mantê-los unidos. Enquanto seu pai a levava para o interior, ela lhe dizia que havia falhado como filha, afinal, não conseguira nem ao menos mantê-los unidos. Parte disse se deve à sua idade, e parte aos valores culturais japoneses com relação à família – tanto que para Miyori, naquelas circunstâncias, não importa a felicidade e bem estar da sua mãe, mas o da entidade familiar (Dica: A Relação Entre Pais & Filhos nos Animes). Sua independência? Para Miyori é sinônimo de solidão e fracasso. Seu lugar é ao lado do pai, exercendo o papel de uma mãe dona de casa, não importando se ambos estão felizes com aquela situação, incluindo ali a própria Miyori: pelo que fica subtendido, o tempo em que seus pais moraram juntos foram infernais para ela, com tantas agressões verbais e abandono afetivo. Mas ela ainda coloca a entidade familiar acima disto tudo.

E sabermos que Miyori no Mori é uma obra extremamente tradicional e voltada para o publico infanto-juvenil, é importantíssimo para compreendermos melhor a estrutura do longa-metragem especial para tv. Mas o melhor é constatarmos no rápido, porém bastante revelador encontro entre mãe e filha, é que para a mãe, sua individualidade é mais importante que aquela estrutura arcaica, ainda que ela seja punida com a “solidão”, por essa independência (dica: Otona Joshi noAnime: Hora do Drama das Mulheres Adultas). Também por esse reencontro, podemos ver que apesar do amadurecimento de Miyori, ao contrastar com sua mãe, ela ainda tem muito que amadurecer. Aliás, ao se refletirem, os problemas que ambas enfrentam se tornam nítidos. E essa dualidade entre as duas é fabuloso, porque por um lado, podemos ver em Miyori, que esta encontrou um vinculo que a mãe ainda esta a procura. Essa questão fica em aberto, mesmo que deem a entender que para ficar com a filha a mãe possa repensar a questão do divorcio, o que faz este drama crescer em complexidade.
A primeira vez há uns bons anos, quando assisti Miyori no Mori, me surpreendeu a maturidade de uma menina de apenas 11 anos, mas ao acompanharmos durante a projeção todos os seus conflitos internos, é fácil compreender a sua personalidade forte e o fato de ser muito madura. Oras! Ela certamente há de ter vivido muito mais coisas do que muitas pessoas de 20 e tantos anos. Porém, sua maturidade no modo de se portar refletia intensamente sua instabilidade e ingenuidade emocional. Num dos grandes momentos do filme, numa climática discussão com Daisuke, ela desfere nele palavras duras, dizendo que odeia covardes que ficam julgando as pessoas e fugindo dos problemas, quando então este lhe diz que a própria Miyori estava se descrevendo naquelas palavras. É exatamente a partir deste momento que ela se dá conta do grande equivoco que vinha cometendo e começa a demonstrar mudanças em suas ações e modo de pensar.

Ela é tão orgulhosa e decidida que não se deu tempo para lamentar, mas procurar refletir e mudar suas atitudes. Por isso sua força e maturidade são genuínas e não apenas afetações de uma garotinha. Ela foi capaz de perceber o quão imatura estava sendo, e isto só é perceptível com certa maturidade. Miyori é fantástica!

Miyori no Mori é um especial bancado pela Fuji TV e animado pelo estúdio Nippon Animation, para ser exibido durante férias escolares. A história, adaptada do mangá homônimo de Hideji Oda de 3 volumes já completos, traz o velho mantra da necessidade dos vínculos com a natureza para que possa se reencontrar. Você já deve ter visto isto em muitos filmes japoneses, muito destes, do Ghibli (dica: aqui mesmo comentei sobre um desses, A Letter to Momo). O Homem, descontente e frustrado na cidade de pedra, retorna ao bucólico para reencontrar suas raízes e redescobri a felicidade. É uma premissa demasiadamente simplista, e este filme ainda agrega outro velho tema: homem contra natureza. O diferencial é como cada autor passa essa mensagem, e em Miyori no Mori, essa premissa é trabalhada sem maiores particularidades. Se não fosse a forma genérica e plana como o roteiro de Satoko Okudera – que fez já escreveu ótimos roteiros para filmes como Summer Wars, Wolf Children (dica: já resenhado aqui, em Ookami Kodomo no Ame to Yuki) e Toki wo Kakeru Shoujo (Dica: também comentado aqui, em A Garota que Conquistou o Tempo) – desenvolve o desfecho final em torno da mensagem ambientalista, poderíamos estar diante de um clássico.
Motivo este pelo qual centrei na figura de Miyori, neste texto. Ao rever, fiquei pensando o que teria me feito gostar tanto deste filme. E enquanto assistia me sentia cada vez mais tão hipnotizada, que ao fim, me fiz novamente a pergunta. Descobri que o fascínio vem da Miyori e suas interações, fosse com as pessoas humanas, fosse com os habitantes da floresta. Essa interação possibilitou que ela crescesse exponencialmente. Já perto do fim, o longa volta suas lentas para o conflito envolvendo natureza + seres humanos= necessidade de preservação, e isto se desenvolve com tanta ingenuidade, que se o enredo se sustentasse nisto durante a maior parte da projeção, certamente não seria tão bom. Porém, alinhado à trama de crescimento e amadurecimento de Miyori, particularmente penso que essa ingenuidade se torna uma brisa fresca na face. No caso, o vinculo afetivo com a natureza revelou camadas tão complexas que permite olhar isto como um olhar para dentro de si mesmo. E tudo isto pode ser percebido através da subjetividade: diálogos simples, mas pontuais, e ações que revelam mais que qualquer diálogo. Nisso, o a direção de Nizo Yamamoto (conhecido por suas colaborações em trabalhos do Ghibli) e Satoko Okudera acerta em cheio, se tornando menor e apenas na necessidade de entregar um desfecho que tornasse a mensagem clara para as crianças (problemática em que o Ghibli consegue se sair muito melhor que grande parte de todos que tentam trilhar o mesmo caminho).

Trivia:

Nunca saiu em DVD/BD no Brasil, mas chegou a ser exibido dublado em português pela tv cultura, com o título de Miyori e a Floresta Mágica. Pena, o visual é lindo, como podem notar, ainda que a animação não seja excelente em fluidez. 

Nota: 07/10
Direção: Nizo Yamamoto
Roteiro: Satoko Okudera
Estúdio: Nippon Animation
Tipo: Especial
Duração: 107 min.




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