sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Sekai Seifuku: Conquistando o Mundo e Fazendo-o do Meu Jeito

Vou dividir minhas primeiras impressões com vocês, apesar de talvez se revelar cedo demais para tecer teorias, tendo em vista que muita coisa pode acontecer ainda.
Meus pensamentos a respeito de Sekai Seifuku estão mais embaralhados e elípticos (mas também não faz sentido chegar a uma conclusão definitiva tão cedo) que o próprio enredo de Meteo Hoshizora (funcionário da Type-Moon e principal argumentista e roteirista da série) e Tensai Okamura (diretor – e assim sendo, também parte da concepção criativa – e roteirista da série) em Sekai Seifuku ~ Boryaku no Zvezda. 

E não poderia ser diferente, afinal, a narrativa em elipse – ou seja, escondendo fatos do publico, com diversos elementos fundamentais para a completa compreensão ainda estarem sendo omitidos – é proposital e, dizem, ser uma característica de Meteo, enquanto roteirista. O que me levou a escrever este post, mesmo ainda sabendo tão pouco sobre o que se trata o anime, foi o fato do episódio 4 me remeter à obra prima do cineasta mexicano Guilhermo Del Toro; O Labirinto do Fauno. Importante frisar que o episódio não é uma referência ao filme, mas a formula narrativa empregada são similares, com toda aquela questão de mundo onírico e realidade se misturarem a tal ponto que se torna difícil delimitar onde e um termina e quando o outro começa.

Na verdade, nem sempre precisa ser difícil (como é o caso aqui), mas pressupõe-se que isto gera uma dupla interpretação no espectador/leitor (novamente, como é o caso aqui). É por isso que no universo de O Labirinto do Fauno não há delimitação sobre o que é ou não fantasia, a interpretação é deixada para o espectador. Embora a obra não se detenha em apontar as direções que tornam o enredo logico e completamente plausível com a realidade, quem decide se quer acreditar nas fadas ou não, é você.

Este também é o caso de Sekai Seifuku.

O filme apresenta uma alegoria, em que, a protagonista precisa abraçar a inocência fantasiosa para conseguir sobreviver emocionalmente num mundo cruel, onde vive adultos insensíveis à candura de uma criança. Ameaçador, opressivo, de gigantes (adultos) que lhe ditam desde como se deve comportar até no que você deve pensar/imaginar, lhe proibindo de sonhar (no ato de coibir as leituras fantasiosas e a crença nos contos de fadas que a protagonista possui).

Pensando bem, há muito mais em comum aqui entre Sekai Seifuku e O Labirinto do Fauno. A começar pela dicotomia conflitante entre se crer ou não em contos de fadas e como os adultos acabam por ter um papel incisivo nessa equação.
Porém, do clássico trágico O Diário de Anne Frank (que possui adaptação para anime), passando pela fabula de guerra A Menina que Rouba Livros (que recentemente ganhou uma versão para as telas grandes), até o belo e também clássico Anne Green Gables (que também foi adaptado para anime, pelo mestre Isao Takahata, que conseguiu transmitir com maestria a magia estoicista do livro), podemos perceber que qualquer obra que utiliza essa formula sempre compartilharão elementos em comuns. O principal deles, sem dúvidas, é a garotinha (em raros casos, garotos) e sua necessidade de se refugiar no reino escapista das fantasias para encontrar um alívio para o cotidiano exasperante (no caso da Anne Frank, ela encontra numa amiga imaginária, a única pessoa no mundo em que conseguiu se mostrar completamente desnuda, e para ela, a única capaz de lhe entender plenamente e suprir seu desejo de ter com quem conversar; é comovente a ternura com que ela se dirige à Kite, sua amiga imaginária).

Pow, até mesmo o fétido (mas visualmente deslumbrante) Sucker Punch, que também usa a mesma formula, daria uma bela analogia com o anime da Venera-sama.

É ai que eu começo a me questionar sobre o que se trata Sekai Seifuku. Com quatro episódios já exibidos, é perceptível que se trata mais de uma narrativa sobre personagens e menos sobre o PLOT de dominação mundial.

Para isso, vou tomar como base os episódios 4 e 3 (e talvez o primeiro).

No 4º, vemos que Natasha se desinteressa por tudo o que não é cientifico, e ainda pré-pubere, se revela fascinada por mechas e, suponho, tudo o que seja ficção cientifica, externando sua objetividade matemática; algo raro em crianças, que tendem a ser muito mais subjetivas que adultos. Crianças por ainda não estarem moldadas com uma visão logica das coisas nem terem desenvolvido plenamente sua consciência, aceitam com mais facilidade tudo que foge à razão (dica: Mão Esquerda deDeus, Mão Direita do Diabo - Kazuo Umezu e Milk Closet - A Cosmogonia de Tomizawa Hitoshi). O que torna Natasha um corpo estranho no ninho, uma vez que contos de fadas costumam fascinar as crianças muito mais do que obras Sci-Fi (estas, em particular, conta com a predileção dos adolescentes, que possuem um senso logico recém-adquirido e estão numa fase mais questionadora), então é compreensível o isolamento dela dos círculos sociais.
Mas é instigante que uma garota objetiva e que não crê em nada sobrenatural, se negando a acreditar em contos de fadas, tenha adotado um visual de garota mágica (Sim, bruxinhas também são Magical Girls e o próprio gênero surgiu deste preceito, dica: Sugar Sugar Rune - Eu vou pegar, o seu coração!) quando cresceu. Justamente na idade da negativa.
Só que, como fica subtendido, não é que Natasha tenha passado a acreditar na existência de fadas. O ato de usar estas roupas quando entra em modo de combate é mais um apego às circunstâncias do passado, embora eu duvide que ela ainda se mantenha irredutível quanto ao sobrenatural, uma vez que a própria existência de Kate e suas habilidades magicas se devam ao sobrenatural.

Do momento em que os pais de Natasha resolvem se posicionar quanto à anti-socialização da filha, tomando medidas para que ela creia na existência das fadas, até o ato de arrastá-la pelas mãos a uma obscura caverna e ali abandoná-la, percebemos que se trata de uma narrativa em elipse. Por exemplo, não sabemos quais as circunstâncias que levaram ela a ficar sozinha e abandonada naquela caverna. Mais: até o momento em que ela é encontrada pela Kate, Natasha não é uma narradora confiável.

A mente humana é melindrosa, tendemos a acreditar em acontecimentos que na verdade não aconteceram [mas que na verdade não passam de criação da mente, maquiando o que de fato aconteceu] e também a distorcer fatos. Não é por mal, dizem os cientistas, mas um sintoma que vareia da autoproteção à necessidade da mente de fazer esquecer. Para crianças, memórias falsas são algo ainda mais usual, e falo por experiências próprias (tem coisas que aconteceram comigo que sinceramente eu não consigo distinguir se aconteceu de verdade ou se é fantasia da minha mente. Talvez seja melhor não descobrir a verdade).
Será que Natasha não maquiou inconscientemente a verdade? Seu pai a puxando pelas mãos é uma memória desagradável, e este argumento ganha mais força quando no percurso suas memórias se misturam com a fumaça igualmente desagradável do cigarro.

Também se torna obvio que estas memórias lhe perturbam e remontam a algo que ela não quer se lembrar (ou que justamente por ainda se lembrar, lhe causam tanto tormento, fazendo com que seja algo que ela queira fugir) quando ela é pressionada psicologicamente.
O que há de lógico em pais zelosos (eles aparentam ser amorosos) andando quilômetros à pé, atravessando cidades,  da zona urbana à rural, para abandonar a filha numa caverna? Me parece mais sensato que Natasha andou tanto, percorreu tantos lugares diferentes e no fim, se perdeu numa caverna. Seja como for, as memórias que ela tem e o que de fato acontecem não estão em harmonia.
O ato de ser pressionada tanto está presente no seu isolamento quanto no fato de ser obrigada por seus pais a encarar algo que lhe é indesejável (ao ato de estar sendo puxada com força e obstinação por seu pai). Percebem-se os efeitos devastadores que isto causa em seu psicológico numa sequência posterior, quando ela se vê, pequena, impotente e abandonada por seus pais [e por todos], cercada por monstros – que não são fadas, mas criaturas criadas cientificamente com peças mecânicas – e pelos próprios pais, que dessa vez, não mostram mais o rosto ou corpo (geralmente, em desenhos animados usa-se muito o recurso de mostrar ou não os pais, ou censura-lhes a face como um modo de denotar presença ou ausência afetiva; e até mesmo importância), mas suas mãos, que parecem querer empurrar a filha contra a parede ao mesmo tempo em que tentam lhe alcançar [enquanto ela se recua, temendo-os].
Perceba que na imagem, Natasha está com um livro de fantasias em mãos.

Por que quem a oprime são as pessoas e as coisas que ela mais gosta, e o que ela abraça calorosamente contra o seio é justamente aquilo que menos lhe desperta apego? Será que a mente da Natasha apenas reproduziu como verdade seus instintos reprimidos? Ou seja, na verdade os pais não eram tão bons como sua mente pinta [como autodefesa às lembranças dolorosas], e como cientistas, obrigaram sua filha a abandonar a fantasia para abraçar os estudos científicos, como um claro sinal de domesticação para que no futuro, ela seguisse a mesma profissão que eles: cientistas. Ou, simplesmente representa a negativa de um filho em acatar aquilo que um pai acha que é melhor para ele.

Francamente, eu não sei, talvez seja apenas delírio da minha mente ou talvez realmente tenha acontecido algo semelhante a esta linha de raciocínio.

O que eu acredito, é:

-Muito provavelmente, esta trama não será retomada, afinal, faz parte da magia deixar em aberto para interpretações.
-Há algo oculto na narrativa, que é o que de fato aconteceu.
-Natasha não é uma narradora confiável.
-Natasha criou uma vinculo forte demais com a Ciência (se literal ou apenas na mente, eu não sei dizer), muito provavelmente para satisfazer seus pais. Este argumento ganha força nessa imagem, quando os mechas que tanto pensou amar, se tornam a personificação do seu medo e abandono familiar.
-Sekai Seifuku é uma metáfora sobre a recusa de adolescentes em crescer. Ou seja, mais uma obra sobre amadurecimento e rito de passagem, só que com muitas camadas de fantasia.
-Sekai Seifuku é uma série com elementos de fantasia e ciências, e que há uma tênue linha separando imaginário e realidade.

Eu creio piamente que, o processo de acompanhar Sekai Seifuku não deve ser encarado com literalidade. Ao menos, grande parte dos eventos. É mais sob o ângulo das metáforas narrativas. A série apresentou uma seita, a Zvezda liderada por Kate, que até então têm acolhido pessoas que fogem de uma realidade. Por exemplo, Yasu fugiu de casa e é acolhido por Kate. O mesmo acontece com Natasha – neste aspecto, se ela foi abandonada ou fugiu, não importa o contexto, mas a ação: o ato de se sentir só e negar as imposições do mundo adulto.
Ainda não se sabe com aprofundamento sobre os outros, mas há o suficiente para se ter uma ideia de que ambos foram acolhidos numa situação critica – talvez com a exceção do velho Shikabane, que quem sabe, apenas aderiu à ideologia de Kate.

Enfim, o essencial é lançar um olhar para Sekai Seifuku pelo ponto de vista de crianças que não querem crescer e encarar o mundo adulto/real. A fuga de casa é sintomático para esta conclusão.
Aprendi com Kill la Kill que Seifuku possui a mesma pronuncia Sailor Uniform (征服) e para Conquista (征服). Sekai Seifuku então quer dizer Dominação Mundial, a ideologia de Kate e seus seguidores. Para fugir da realidade, eles precisam criar um mundo só seu ou dominar o mundo existente e torna-lo à sua vontade. E por isso que o anime é tão envolto em metáforas, porque como vemos no episódio 3, que faz uma bela analogia entre a proibição do cigarro e regimes totalitários, se trata de uma guerra perdida. Muitos encararam o episódio como um ato literal contra o tabagismo, quando na verdade ele apenas alude a uma ideia (que não vai dá pra aprofundar aqui). No lugar de cigarros, poderia ser qualquer outra coisa. No lugar de fumantes, qualquer outra classe oprimida por estes regimes fascistas. O diretor não está empreendendo uma luta contra fumantes (o episódio foi escrito e dirigido por ele, tanto que até se não intimida em se autoparodiar - imagem acima), mas passando uma mensagem bem mais empreendedora para o enredo.
Como visto no final do episódio 3, os planos de conquista mundial é pura utopia por parte de Kate. Seja na História ou diversas obras de entretenimento, conquistar o mundo e tecê-lo à sua maneira (alouuu Kill la Kill) é um feito desejável por todos os tiranos, mas são poucos que realmente apresentam um plano plausível para tal. Kate, vulgo Venera-sama, poderia samba na cara do Hittler se percebesse que não é possível dominar o mundo em sua totalidade, mas apenas uma ínfima fração do que sobrar dele (mas estamos falando de uma obra sátira que não tem compromisso com qualquer plausividade e imprevisível, então o desfecho tanto pode ser de aceitação, escapista e até mesmo um meio termo onde ela conquista o mundo, mas tendo que lidar com as consequêbcias).

Como tal planejam os antagonistas do Comitê dos 300, da série ponto e vírgula (Steins;Gate). Não me lembro exatamente a proporção, mas creio ser algo como exterminar 80% da população da terra e dominar a restante, construindo um império despotista governado por uma única empresa/entidade. E não se assuste ao descobrir que esta premissa apenas se baseou em uma organização real que também tinha este plano. Desse modo, o epilogo no inicio do primeiro episódio de Sekai Seifuku em que o mundo está completamente devastado e vazio, vai de encontro a visão do final do episódio 3, em que ele não pode ser conquistado – não pelas vias clássicas de querer dominá-lo como um todo através da opressão popular. Para qualquer tipo de opressão, sempre haverá resistência.

Enfim, também no episódio 3 podemos perceber que o cigarro se materializa como um tradicional rito de passagem que distingue, teoricamente, os adultos das crianças. Sekai Seifuku é cheio dessas relatividades (como mechas que eram uma fusão de robôs com bichinhos de pelúcia que apenas Natasha podia ver – fruto de suas memórias traumáticas – enquanto os outros viam apenas uma bomba de fumaça prestes a absorvê-la). Neste episódio 4, por exemplo, há uma dualidade entre Ciência e Fantasia (como o cenário deste episódio ser uma dungeons de RPG com brinquedos mecânicos), e os dois elementos interligados tão intrinsecamente que não dá pra distingui-los sem cair em contradição. Para onde a série está indo? Na direção dos personagens e de uma ideia, eu acho. 


Leitura Complementar

Temas Relacionados
-5 Características Distópicas em Psycho-Pass

***
Curta o Elfen Lied Brasil no Facebook e nos Siga no Twitter