Vou dividir minhas primeiras impressões com vocês, apesar de talvez se revelar cedo demais para tecer teorias, tendo em vista que muita coisa pode acontecer ainda.
E não poderia ser diferente, afinal, a narrativa em elipse –
ou seja, escondendo fatos do publico, com diversos elementos fundamentais para
a completa compreensão ainda estarem sendo omitidos – é proposital e, dizem,
ser uma característica de Meteo, enquanto roteirista. O que me levou a escrever
este post, mesmo ainda sabendo tão pouco sobre o que se trata o anime, foi o
fato do episódio 4 me remeter à obra prima do cineasta mexicano Guilhermo Del
Toro; O Labirinto do Fauno. Importante frisar que o episódio não é uma
referência ao filme, mas a formula narrativa empregada são similares, com toda
aquela questão de mundo onírico e realidade se misturarem a tal ponto que se
torna difícil delimitar onde e um termina e quando o outro começa.
Na verdade, nem sempre precisa ser difícil (como é o caso aqui), mas pressupõe-se
que isto gera uma dupla interpretação no espectador/leitor (novamente, como é o caso aqui). É por isso que no universo de O
Labirinto do Fauno não há delimitação sobre o que é ou não fantasia, a
interpretação é deixada para o espectador. Embora a obra não se detenha em
apontar as direções que tornam o enredo logico e completamente plausível com a
realidade, quem decide se quer acreditar nas fadas ou não, é você.
Este também é o caso de Sekai Seifuku.
O filme apresenta uma alegoria, em que, a protagonista precisa
abraçar a inocência fantasiosa para conseguir sobreviver emocionalmente num
mundo cruel, onde vive adultos insensíveis à candura de uma criança. Ameaçador,
opressivo, de gigantes (adultos) que
lhe ditam desde como se deve comportar até no que você deve pensar/imaginar,
lhe proibindo de sonhar (no ato de coibir
as leituras fantasiosas e a crença nos contos de fadas que a protagonista
possui).
Pensando bem, há muito mais em comum aqui entre Sekai
Seifuku e O Labirinto do Fauno. A começar pela dicotomia conflitante entre se
crer ou não em contos de fadas e como os adultos acabam por ter um papel incisivo
nessa equação.
Porém, do clássico trágico O Diário de Anne Frank (que possui adaptação para anime),
passando pela fabula de guerra A Menina que Rouba Livros (que recentemente ganhou uma versão para as telas grandes), até o
belo e também clássico Anne Green Gables (que
também foi adaptado para anime, pelo mestre Isao Takahata, que conseguiu
transmitir com maestria a magia estoicista do livro), podemos perceber que
qualquer obra que utiliza essa formula sempre compartilharão elementos em comuns.
O principal deles, sem dúvidas, é a garotinha (em raros casos, garotos) e sua necessidade de se refugiar no reino
escapista das fantasias para encontrar um alívio para o cotidiano exasperante (no caso da Anne Frank, ela encontra numa amiga
imaginária, a única pessoa no mundo em que conseguiu se mostrar completamente
desnuda, e para ela, a única capaz de lhe entender plenamente e suprir seu
desejo de ter com quem conversar; é comovente a ternura com que ela se dirige à
Kite, sua amiga imaginária).
Pow, até mesmo o fétido (mas
visualmente deslumbrante) Sucker Punch, que também usa a mesma formula, daria
uma bela analogia com o anime da Venera-sama.
É ai que eu começo a me questionar sobre o que se trata
Sekai Seifuku. Com quatro episódios já exibidos, é perceptível que se trata
mais de uma narrativa sobre personagens e menos sobre o PLOT de dominação
mundial.
Para isso, vou tomar como base os episódios 4 e 3 (e talvez o primeiro).
No 4º, vemos que Natasha se desinteressa por tudo o que não
é cientifico, e ainda pré-pubere, se revela fascinada por mechas e, suponho,
tudo o que seja ficção cientifica, externando sua objetividade matemática; algo
raro em crianças, que tendem a ser muito mais subjetivas que adultos. Crianças
por ainda não estarem moldadas com uma visão logica das coisas nem terem
desenvolvido plenamente sua consciência, aceitam com mais facilidade tudo que
foge à razão (dica: Mão Esquerda deDeus, Mão Direita do Diabo - Kazuo Umezu e Milk Closet - A Cosmogonia de Tomizawa Hitoshi). O que torna Natasha um corpo estranho no
ninho, uma vez que contos de fadas costumam fascinar as crianças muito mais do
que obras Sci-Fi (estas, em particular,
conta com a predileção dos adolescentes, que possuem um senso logico recém-adquirido
e estão numa fase mais questionadora), então é compreensível o isolamento
dela dos círculos sociais.
Mas é instigante que uma garota objetiva e que não crê em
nada sobrenatural, se negando a acreditar em contos de fadas, tenha adotado um
visual de garota mágica (Sim, bruxinhas
também são Magical Girls e o próprio gênero surgiu deste preceito, dica: Sugar Sugar Rune - Eu vou pegar, o seu coração!) quando cresceu. Justamente na
idade da negativa.
Só que, como fica subtendido, não é que Natasha tenha
passado a acreditar na existência de fadas. O ato de usar estas roupas quando entra em modo de combate é mais um apego às circunstâncias do
passado, embora eu duvide que ela ainda se mantenha irredutível quanto ao
sobrenatural, uma vez que a própria existência de Kate e suas habilidades
magicas se devam ao sobrenatural.
Do momento em que os pais de Natasha resolvem se posicionar quanto
à anti-socialização da filha, tomando medidas para que ela creia na existência das
fadas, até o ato de arrastá-la pelas mãos a uma obscura caverna e ali
abandoná-la, percebemos que se trata de uma narrativa em elipse. Por exemplo,
não sabemos quais as circunstâncias que levaram ela a ficar sozinha e
abandonada naquela caverna. Mais: até o momento em que ela é encontrada pela
Kate, Natasha não é uma narradora confiável.
A mente humana é melindrosa, tendemos a acreditar em
acontecimentos que na verdade não aconteceram [mas que na verdade não passam de
criação da mente, maquiando o que de fato aconteceu] e também a distorcer fatos.
Não é por mal, dizem os cientistas, mas um sintoma que vareia da autoproteção à
necessidade da mente de fazer esquecer. Para crianças, memórias falsas são algo
ainda mais usual, e falo por experiências próprias (tem coisas que aconteceram comigo que sinceramente eu não consigo
distinguir se aconteceu de verdade ou se é fantasia da minha mente. Talvez seja
melhor não descobrir a verdade).
Será que Natasha não maquiou inconscientemente a verdade?
Seu pai a puxando pelas mãos é uma memória desagradável, e este argumento ganha
mais força quando no percurso suas memórias se misturam com a fumaça igualmente
desagradável do cigarro.
Também se torna obvio que estas memórias lhe perturbam e
remontam a algo que ela não quer se lembrar (ou que justamente por ainda se lembrar, lhe causam tanto tormento,
fazendo com que seja algo que ela queira fugir) quando ela é pressionada
psicologicamente.
O ato de ser pressionada tanto está presente no seu isolamento
quanto no fato de ser obrigada por seus pais a encarar algo que lhe é indesejável
(ao ato de estar sendo puxada com força
e obstinação por seu pai). Percebem-se os efeitos devastadores que isto
causa em seu psicológico numa sequência posterior, quando ela se vê, pequena,
impotente e abandonada por seus pais [e por todos], cercada por monstros – que não
são fadas, mas criaturas criadas cientificamente com peças mecânicas – e pelos
próprios pais, que dessa vez, não mostram mais o rosto ou corpo (geralmente, em desenhos animados usa-se
muito o recurso de mostrar ou não os pais, ou censura-lhes a face como um modo
de denotar presença ou ausência afetiva; e até mesmo importância), mas suas
mãos, que parecem querer empurrar a filha contra a parede ao mesmo tempo em que
tentam lhe alcançar [enquanto ela se recua, temendo-os].
Perceba que na imagem, Natasha está com um livro de
fantasias em mãos.
Por que quem a oprime são as pessoas e as coisas que ela
mais gosta, e o que ela abraça calorosamente contra o seio é justamente aquilo
que menos lhe desperta apego? Será que a mente da Natasha apenas reproduziu
como verdade seus instintos reprimidos? Ou seja, na verdade os pais não eram
tão bons como sua mente pinta [como autodefesa às lembranças dolorosas], e como
cientistas, obrigaram sua filha a abandonar a fantasia para abraçar os estudos científicos,
como um claro sinal de domesticação para que no futuro, ela seguisse a mesma
profissão que eles: cientistas. Ou, simplesmente representa a negativa de um filho em acatar aquilo que um pai acha que é melhor para ele.
Francamente, eu não sei, talvez seja apenas delírio da minha
mente ou talvez realmente tenha acontecido algo semelhante a esta linha de raciocínio.
O que eu acredito, é:
-Muito provavelmente, esta trama não será retomada, afinal,
faz parte da magia deixar em aberto para interpretações.
-Há algo oculto na narrativa, que é o que de fato aconteceu.
-Natasha não é uma narradora confiável.
-Natasha criou uma vinculo forte demais com a Ciência (se literal ou apenas na mente, eu não sei
dizer), muito provavelmente para satisfazer seus pais. Este argumento ganha
força nessa imagem, quando os mechas que tanto pensou amar, se tornam a personificação
do seu medo e abandono familiar.
-Sekai Seifuku é uma metáfora sobre a recusa de adolescentes
em crescer. Ou seja, mais uma obra sobre amadurecimento e rito de passagem, só
que com muitas camadas de fantasia.
-Sekai Seifuku é uma série com elementos de fantasia e
ciências, e que há uma tênue linha separando imaginário e realidade.
Eu creio piamente que, o processo de acompanhar Sekai
Seifuku não deve ser encarado com literalidade. Ao menos, grande parte dos
eventos. É mais sob o ângulo das metáforas narrativas. A série apresentou uma
seita, a Zvezda liderada por Kate, que até então têm acolhido pessoas que fogem
de uma realidade. Por exemplo, Yasu fugiu de casa e é acolhido por Kate. O
mesmo acontece com Natasha – neste aspecto, se ela foi abandonada ou fugiu, não
importa o contexto, mas a ação: o ato de se sentir só e negar as imposições do
mundo adulto.
Ainda não se sabe com aprofundamento sobre os outros, mas há
o suficiente para se ter uma ideia de que ambos foram acolhidos numa situação
critica – talvez com a exceção do velho Shikabane, que quem sabe, apenas aderiu
à ideologia de Kate.
Enfim, o essencial é lançar um olhar para Sekai Seifuku pelo
ponto de vista de crianças que não querem crescer e encarar o mundo
adulto/real. A fuga de casa é sintomático para esta conclusão.
Aprendi com Kill la Kill que Seifuku possui a mesma
pronuncia Sailor Uniform (征服) e para Conquista (征服).
Sekai Seifuku então quer dizer Dominação Mundial, a ideologia de Kate e seus
seguidores. Para fugir da realidade, eles precisam criar um mundo só seu ou
dominar o mundo existente e torna-lo à sua vontade. E por isso que o anime é
tão envolto em metáforas, porque como vemos no episódio 3, que faz uma bela
analogia entre a proibição do cigarro e regimes totalitários, se trata de uma
guerra perdida. Muitos encararam o episódio como um ato literal contra o
tabagismo, quando na verdade ele apenas alude a uma ideia (que não vai dá pra aprofundar aqui). No lugar de cigarros, poderia
ser qualquer outra coisa. No lugar de fumantes, qualquer outra classe oprimida
por estes regimes fascistas. O diretor não está empreendendo uma luta contra
fumantes (o episódio foi escrito e
dirigido por ele, tanto que até se não intimida em se autoparodiar - imagem acima), mas
passando uma mensagem bem mais empreendedora para o enredo.
Como visto no final do episódio 3, os planos de conquista
mundial é pura utopia por parte de Kate. Seja na História ou diversas obras de
entretenimento, conquistar o mundo e tecê-lo à sua maneira (alouuu Kill la Kill) é um feito desejável
por todos os tiranos, mas são poucos que realmente apresentam um plano plausível
para tal. Kate, vulgo Venera-sama, poderia samba na cara do Hittler se
percebesse que não é possível dominar o mundo em sua totalidade, mas apenas uma
ínfima fração do que sobrar dele (mas
estamos falando de uma obra sátira que não tem compromisso com qualquer plausividade
e imprevisível, então o desfecho tanto pode ser de aceitação, escapista e até
mesmo um meio termo onde ela conquista o mundo, mas tendo que lidar com as
consequêbcias).
Como tal planejam os antagonistas do Comitê dos 300, da
série ponto e vírgula (Steins;Gate). Não me lembro exatamente a proporção, mas creio ser algo como
exterminar 80% da população da terra e dominar a restante, construindo um império
despotista governado por uma única empresa/entidade. E não se assuste ao descobrir
que esta premissa apenas se baseou em uma organização real que também tinha
este plano. Desse modo, o epilogo no inicio do primeiro episódio de Sekai
Seifuku em que o mundo está completamente devastado e vazio, vai de encontro a
visão do final do episódio 3, em que ele não pode ser conquistado – não pelas
vias clássicas de querer dominá-lo como um todo através da opressão popular. Para
qualquer tipo de opressão, sempre haverá resistência.
Enfim, também no episódio 3 podemos perceber que o cigarro
se materializa como um tradicional rito de passagem que distingue,
teoricamente, os adultos das crianças. Sekai Seifuku é cheio dessas
relatividades (como mechas que eram uma
fusão de robôs com bichinhos de pelúcia que apenas Natasha podia ver – fruto de
suas memórias traumáticas – enquanto os outros viam apenas uma bomba de fumaça
prestes a absorvê-la). Neste episódio 4, por exemplo, há uma dualidade
entre Ciência e Fantasia (como o cenário
deste episódio ser uma dungeons de RPG com brinquedos mecânicos), e os dois
elementos interligados tão intrinsecamente que não dá pra distingui-los sem
cair em contradição. Para onde a série está indo? Na direção dos personagens e
de uma ideia, eu acho.
Leitura Complementar
-Sekai Seifuku 4 - Quando o pistilo e o estame se encontram (blog IntoxiAni)
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