Ex-Presidente do MADHOUSE fala sobre Satoshi Kon, The Dream Machine, origem da indústria de animes e a possível adaptação de Pluto, de Naoki Urasawa.
Masao Maruyama é um produtor e ex-presidente e co-fundador
do estúdio MADHOUSE, ao lado de Osamu Dezaki , Rintaro e Yoshiaki Kawajiri,
ex-animadores do Mushi Production. Com as altas dividas, foi inevitável que as
ações da empresa caíssem em mãos de terceiros, assim como seu controle
majoritário, com Maruyama fundando em 2011 o estúdio MAPPA (anacrônico de Maruyama
Animation Produce Project Association). E com ele, muito dos profissionais
vinculados ao MADHOUSE, partiram para o MAPPA. Por isso que este parece mais
uma extensão do outro, com o diferencial de que com o fato de ser menor, há
muito mais controle administrativo e de produção.
Enfim, essa entrevista é muito bacana, assim como a maioria
das concedidas por Maruyama, que é um velhinho muito simpático e aberto. É sempre um prazer ler o que ele tem a dizer. Nessa
entrevista ele volta a falar de MADHOUSE (ele
ainda faz parte do estúdio), Satoshi Kon e o seu filme póstumo The Dream
Machine, além do desejo de adaptar Pluto, de Naoki Urasawa para anime. Sempre
acho muito legal ele comentando sobre Kon, que menciona o produtor em sua carta
de despedida, quando já estava ciente de que iria morrer. Maruyama também
comenta sobre as origens do anime. Sempre bom saber da versão pela boca de quem
viveu o momento. Para auxiliar, vou acrescentar algumas “notas” no decorrer do
texto, com palavras minhas sobre algum detalhe ou outro.
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Fonte original: Deculture
Olhando para trás,
como evoluiu o conceito de anime no Japão?
No momento em que eu comecei nisto, eu e o resto da minha
geração, não estávamos habituados com a palavra que usamos hoje como anime.
Osamu Tezuka deu forma a este conceito através da criação do estúdio Mushi
Production, onde eu comecei a trabalhar e onde se deu forma a palavra anime.
Eu comecei a trabalhar muito jovem, sem saber realmente o
que tinha que fazer. Tezuka queria criar um anime para seu mangá Astro Boy, e
conseguiu na época encontrar as ferramentas que precisava para isso, dando
inicio à tradição do anime. Já que ele gostava de todo mundo, era algo que
funcionava e, portanto, era algo que se podia seguir trabalhando.
Astroboy foi o inicio do anime, fazendo com que mais pessoas
começassem a trabalhar na indústria.
E então veio os anos 70. O anime se estabeleceu no Japão e
cruzou fronteiras para os Estados Unidos e Europa. Poderíamos falar sobre anime
como algo próprio, exclusivo do Japão. O que se fazia no Japão era anime, e
fora dele, simplesmente animação.
Até hoje.
Quando comecei a trabalhar em Astroboy eu nunca imaginei que
chegaríamos à situação atual, em que todo o mundo gosta de anime e fala sobre
isso. Na verdade, em Astroboy se buscava um público infantil, até 10-12 anos, e
quando ele começou a falar de anime, como tal, já estávamos a caminho de séries
que se dirigiam para um público mais adolescente, mais adulto.
Agora podemos encontrar um meio termo, como o caso de Hayao Miyazaki, cujos filmes podem ser vistas tanto por uma criança como por um adulto.
Chegamos a um ponto em que todo mundo vê anime e se comunica através disto.
Acho que o mundo do anime tornou-se menos fácil para as
crianças, com séries que fazem pensar, cada vez mais complexas. Mas talvez seja
por isso que tem aumentado o número de produções e nos permitiu chegar ao dia
de hoje.
A falência do
lendário Mushi Production de Osamu Tezuka levou ao nascimento de vários
estúdios, entre eles MADHOUSE. Como foi a experiência de fundar o estúdio ao
lado de nomes como Rintaro e Osamu Dezaki? Passaram por muitas dificuldades?
Não foi tão complicado. Mushi Production estava em uma
situação ruim e não se podia continuar a produzir lá. É muito difícil de
realizar projetos que precisam de muitos financiamentos para seguir adiante, e
sem dinheiro, estávamos apenas começando.
Após a crise da Mushi Production, os criadores do estúdio
estavam desempregados, portanto, um grupo teria que pensar em algo novo, tentar
de novo, e por isso decidimos fundar MADHOUSE.
MAPPA foi criado com
o objetivo principal de terminar The Dream Machine, o filme póstumo de Satoshi
Kon, isso significa que a MADHOUSE não está interessada em terminá-lo?
MADHOUSE é uma empresa sim, mas mais do que isso foi
concebida a mais de 30 anos, como um grupo de criadores. Naquela época, eu mesmo
levei a cabo projetos como os filmes de Satoshi Kon, com séries como Sakura
Card Captors ou Death Note.
No entanto, ficamos com parte da empresa, MADHOUSE tem uma
quantidade tão grande de projetos para realizar, que não é algo que se possa
fazer facilmente. A demanda de projetos que chegou a MADHOUSE fez que o estúdio,
como um grupo de criadores, já não pudesse funcionar.
Nós precisávamos de outro modelo com dinheiro e que pudesse
se sustentar para que Dream Machine tivesse êxito. E assim há três anos e meio
fundei MAPPA, com o proposito de retornar a este grupo de criadores. Eu não
quero fazer nada, apenas o que realmente me interessa.
Por exemplo, a primeira série que fizemos no MAPPA foi Sakamichino Apollon junto a Shinichiro Watanabe, precisamente porque este trabalho MADHOUSE
não podia fazê-lo. E agora, na verdade, estamos trabalhando juntos novamente em
Zankyou no Terror, para lança-lo neste verão.
Como está a produção
de The Dream Machine?
Quando Satoshi Kon morreu, o filme não foi terminado, por
isso vai levar tempo. Não é algo fácil de fazer, sei que há expectativa, mas
precisamos ter calma. Em todo caso, não importa quanto tempo leve, eu vou
terminar.
Por que você acha que
Kon decidiu fazer um filme estrelado exclusivamente por robôs? Precisamente,
uma pessoa que é capaz de extrair todos os tipos de emoções humanas através de
suas obras.
Comecei a trabalhar com Satoshi Kon em Perfect Blue,
fazendo um filme de terror. Funcionou, gostei e decidimos continuar a trabalhar
juntos. Todos os profissionais ao nosso redor estavam encantados com o
resultado, e sugeriram seguir essa linha.
Mas nós gostávamos de surpreender as pessoas. O que quero
dizer com isso é que não buscávamos fazer uma produção que era algo que as
pessoas estavam esperando. Queríamos inovar, surpreender, que as pessoas vissem
algo completamente distinto do que a expectativa por [um nome como] Satoshi Kon
podia gerar.
Então decidimos fazer algo diferente. E pensamos em fazer
uma comédia, Paprika. Um filme muito difícil tecnicamente, que exigiu muito
dinheiro, Agora no MAPPA, seria muito complicado de fazê-lo (risos).
(NOTA: questionado em
entrevistas, Kon nunca quis revelar o valor exato que custou Paprika.
Especula-se que saiu um pouco mais caro que Tokyo Godfathers, que teve um
orçamento de 2,4 milhões de dólares)
Com Dream Machine queríamos fazer algo mais simples, que era
rentável e, ao mesmo tempo, pudesse agradar a todo mundo e fosse atemporal. A
partir daí, com os três simples robôs que protagonizam o filme, de cores
vermelha; roxo e verde, eu já sabia que Satoshi Kon seria capaz de transmitir
toda a sua filosofia.
Lamentavelmente, quando o filme se encontrava em produção,
Satoshi Kon faleceu.
Dream Machine é um filme que só ele poderia fazer. Mas vamos
terminar, apesar de que com sua morte, se transformou num projeto muito mais
complicado.
O que significa para
você ser responsável por este trabalho?
Antes de Satoshi Kon morrer, ele me deu muitíssimas
informações para que eu pudesse utilizar no filme, e é todo um desafio para mim
porque é algo que tenho que fazer com as pessoas adequadas, capaz de captar a
filosofia de Satoshi Kon. Naturalmente, precisamos de dinheiro. Já se passou
mais de três anos e, no entanto, não conseguimos leva-lo adiante, e isto faz
com que eu me pergunte quantos mais vão se passar para que possamos fazê-lo.
Satoshi Kon colocou todo o seu coração neste filme, e
precisamente para cumprir sua vontade queremos levar todo o tempo necessário
para poder fazer uma produção de qualidade. Até que tenhamos todo o necessário não
podemos fazê-lo.
Nos últimos anos,
pessoas como você, Mamoru Hosoda com o Studio Chizu, e muitos outros,
decidiram deixar a “comodidade” do estúdio em que estavam (NOTA: Hosoda
trabalhou no estúdio MADHOUSE entre 2005 e 2011, quando se desligou para
trabalhar em Wolf Children, no seu estúdio recém-fundado) para fundar o seu
próprio, em muitos casos provavelmente para buscar uma liberdade e independência
criativa que não encontravam onde estavam.
MADHOUSE tinha uma dívida significativa. MAPPA, por sua vez,
começou do zero. Quero dizer que nós não temos o capital da MADHOUSE, mas em
contrapartida não temos sua divida. Essa foi uma das razões pelas quais apostei
começar com Shinichiro Watanabe. Agora nos podemos levar adiante os projetos
pendentes. Começamos do zero e não tivemos dificuldades. Por isso mesmo pensei
também em terminar The Dream Machine no MAPPA.
MAPPA é um estúdio que é projetado para aqueles autores que
querem fazer o que realmente querem, possam fazê-lo.
E é rentável?
Eu não sei (risos). Se é lucrativo ou não-lucrativo, agora
mesmo eu não sei.
Há muita gente que para produzir um anime pensa principalmente
no dinheiro. A primeira coisa que eu penso é que quero produzir algo bom. Não
quero endividar o meu estúdio, não quero que se volte a repetir o que ocorreu
com a MADHOUSE, mas o dinheiro não é tudo. Se ganharmos bem, se não, bem... (risos).
Pode um estúdio de
animação japonesa viver unicamente a base de projetos originais sem trabalhar
por encomenda? Acho que o único que conseguiu até agora foi o Ghibli.
Studio Ghibli é similar a qualquer outro estúdio, embora
com diferenças quanto à forma de fazer as coisas e o dinheiro.
Hayao Miyazaki tem seu próprio mundo, e tudo tem que se
ajustar a este mundo. Eu gosto desta filosofia, mas necessito de mais
liberdade, como poder trabalhar agora com Watanabe e não precisar me ajustar a
algo. Cada estúdio tem a sua própria personalidade, a própria Ghibli, Toei e
nós mesmos. Cada um é diferente e isto forma parte da indústria de anime.
Falando um pouco
sobre os projetos que você está trabalhando no MAPPA, o que você pode nos dizer
sobre o anime de Garo?
Garo é uma franquia muito famosa com muitos adeptos no
Japão. Por isso, quando surgiu a oportunidade de adaptá-la a um novo roteiro
original, foi muito especial para mim. Teremos uma nova história com
ambientação europeia acompanhada dos habituais elementos de tokusatsu.
Como vai a adaptação
cinematográfica de Kono Sekai no Katasumi ni (NOTA: mangá premiado de Fumiyo
Kouno, já adaptado também para live action)?
O filme está em processo [de produção] e o lançaremos no
verão de 2015. Agora mesmo eu só confio nos melhores diretores, e Katabuchi (NOTA: Sunao Katabuchi; diretor de Princess
Arete e Black Lagoon, ex-membro do MADHOUSE e atual Studio 4°C, pupilo de
gente como Isao Takahata, o co-fundador do Ghibli) é um dos melhores, só
ver o trabalho que ele fez em Black Lagoon. Estou seguro de que fará um
excelente trabalho.
Você nos disse que
estava voltando aos velhos hábitos com Shinichiro Watanabe, neste mesmo verão.
Shinichiro Watanabe tem muitas facetas, e desta vez está
criando um anime muito sério. Quer alcançar os jovens que fazem perguntas e
trazer a série para o mundo atual. As pessoas vão encontrar um Watanabe
totalmente novo, que não se parece em nada com o que ele tem feito até agora. É
um projeto muito interessante e cremos que ele possa ter uma aceitação muito
boa. Estamos muito animados com ele.
Teekyuu é um projeto
pelo menos curioso. Como MAPPA acabou produzindo algo assim?
Teekyuu é um anime de tênis com episódios curtos, algo que
fizemos meio que de brincadeira, buscando algo casual e despreocupado. Em
japonês, quando se refere ao “koukyuu” você está falando de algo de classe
alta, enquanto “teikyuu” se refere à classe baixa. Além disso, o kanji de “kyuu”
corresponde à “bola”, que é usado em muitos esportes como o beisebol.
Então, a brincadeira está na semelhança entre o tênis em
japonês e a palavra “teikyuu”, em japonês. Misture as duas e você tem uma série
de tênis de baixo orçamento que só faço por diversão (risos).
Será que haverá mais
temporadas, como pedem seus personagens, e o próprio Shin Itagaki (NOTA:
diretor da série) em um dos episódios da terceira temporada?
Não, como dizia, é algo que fiz como um capricho e já não
tenho nenhum desejo mais.
Você trabalhou em
várias ocasiões com Naoki Urasawa, e temos alguns anos sem nenhuma adaptação
animada de alguma obra do mangaká. Existe a possibilidade de levar Pluto, sua
última série completa, para anime?
Pluto é importante para mim, porque Naoki Urasawa baseou seu
trabalho em Astroboy, e eu me sinto como se fosse filho de Osamu Tezuka. Além
do mais, Urasawa é muito meu amigo e sim, nós queremos fazer o anime.
Propusemos o projeto e exigirá 800 milhões de ienes (NOTA: R$ 18 milhões), para uma duração que estimamos em 8 horas (NOTA: 480 minutos. Daria uma série de 20
episódios com média de 24 minutos de duração) para toda a série.
É um projeto que tenho que fazer antes de morrer, e para
isso devo buscar o dinheiro necessário e as pessoas mais idôneas para
realiza-lo. É o mesmo caso de The Dream Machine.
FONTE: Deculture
FONTE: Deculture
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