O
primeiro filme de Rurouni Kenshin funcionou muito bem. Mantendo a essência
perfeita de seus personagens bem como a aparência física (esse último item
bastante modificado nessas adaptações) e investindo nos pontos fortes que
tornaram o mangá um sucesso, era fácil agradar fãs e leigos. Embora, como dito
em meu texto passado “Funciona, sim. Porém, peca pela longevidade e excesso de
material”, sua continuação tem o exato mesmo problema. De qualquer modo, suas
virtudes se destacam mais que as do anterior e o universo parece realmente
expandido.
A
trama inicia apresentando o vilão da vez, Makoto Shishio, uma espécie de
Battousai ainda na ativa que, traído pelo governo na guerra, visa derrubá-lo
nos tempos de paz. Com os esforços da polícia em impedi-lo sendo completamente
em vão, o Ministro não vê escolha senão pedir ajuda ao Battousai aposentado,
Kenshin, que agora vive pacificamente sem matar ninguém há mais de uma década.
Prevalecendo-se
de uma trama muito mais interessante e consistente que a do anterior, o filme
não perde tempo em colocar as peças em movimento. E ainda que na maior parte do
tempo estabeleça um ritmo de urgência inexistente no filme passado,
constantemente tropeça no excesso de conteúdo travando uma narrativa que poderia
ser ainda mais veloz. Ainda assim, é bacana notar a direção segura de Keishi
Ohtomo em construir um filme que é o “meio” de uma trilogia, mas narrativamente
competente com introdução, meio e final. E é interessante momentos de contraste
como aqueles apresentando Shishio repleto de chamas e escuridão, intercalando
com a cena seguinte em que revela os velhos personagens em um ambiente alegre
em cores serenas.
Estabelecendo
o crescimento de laços entre todos, Ohtomo concentra os primeiros minutos a
mostrar como seguiu a vida de nossos heróis, com economia e eficiência.
Presenciamos Kaoru voltando a dar aulas no dojo, bem como os alunos
interessados em serem treinados por Kenshin, Sanosuke tentando se oferecer no
lugar, e Megumi convivendo pacificamente após o transtorno com o ópio. E é
fácil notar como os atores estão extremamente à vontade em seus papéis. Takeru
Sato como o protagonista continua com sorriso e olhos serenos que transmitem
uma imensa segurança e tranquilidade, por trás de um homem que já viu de tudo
no passado. E seus momentos em batalha com os olhos cerrados e voz rosnada,
refletem no espectador quão grave é a situação. Já Munetaka Aoki parece ter
caído como uma luva em Sanosuke, divertidíssimo como o adorável canalha que aprendemos
a gostar. E a maneira sutil e desleixada com que gesticula com a mão, de
costas, desafiando Aoshi diz tudo sobre seu personagem. Já Kaoru (Emi Takei) e
Yahiko desempenham bem a dinâmica de quase irmãos em suas divertidas
discussões.
Contando
com uma direção de arte ainda mais ambiciosa que o anterior, os cenários estão
ainda melhores. Desde a ponte sobre um mar de chamas em que Saito e Shishio
conversam, passando pelos eficientes vilarejos destruídos. Culminando em uma
Kyoto imponente digna da expectativa que provoca, servindo de palco para uma
batalha que se torna ainda mais grandiosa devido ao ótimo cenário. A trilha
sonora, aliás, se mantém igualmente mais excepcional que no filme anterior,
ajudando a construir o clima da história, sem a necessidade de comentar
passagens engraçadinhas e chamar atenção por si própria.
Porém, o filme mantém sua parcela de fan
service que prejudica em muito as boas decisões. Assim, Aoshi praticamente cai
do céu no pior momento possível, logo após uma cena contemplativa de Kaoru
expressando saudades. E a luta entre ele e Sano deixa muito a desejar e termina
sem resolução alguma, servindo apenas para agitar um pouco a narrativa. E
bastaria esperar poucos minutos para vermos a divertida perseguição entre
Kenshin e Misao, interpretada com energia pela Tao Tsuchiya. E o flashback em
que vemos as “origens” de Shishio é surreal de tantas espadas enfiadas em seu
corpo, somado com as queimaduras, e tendo conseguido sobreviver (e,
teoricamente, ainda sendo mais forte). E momentos de extremas coincidências
como Kaoru encontrando Kenshin facilmente em Kyoto; e Kenshin quase que por
acaso se envolvendo na luta em que o bebê está sendo feito de refém. Este
confronto, aliás, que apesar ter sido coreografado com eficiência, a sensação é
de que a situação foi prolongada mais do que deveria.
Outros equívocos tremendos são nos momentos
após o Ministro pedir para Kenshin pensar se quer ajudá-lo contra Shishio, pois
as cenas seguintes beiram o melodrama. Imediatamente vemos mulheres e crianças
vítimas do vilão chorando em câmera lenta (totalmente over) e o herói as observando pensativo; aí o Ministro é
assassinado e chamam o herói para contar; mais tarde, Kenshin chega a encontrar
no meio da estrada uma vítima caída do céu e logo em seguida adentra em sua
vila destruída. Não poderia ser mais formulaico e óbvio. É importante, sim,
vermos porque o inimigo precisa ser abatido, mas não de maneira tão brusca e
forçada. Aliás, seria muito melhor a estratégia vista no filme anterior, em que
realmente víamos o vilão Udo Jin executando sua carnificina pessoalmente.
Tentando resgatar personagens do agrado dos fãs, às vezes com sucesso e outras não. Aoshi (Yusuke Iseya), por exemplo, jamais ganha peso ou profundidade, revelando-se quase um androide cujo único objetivo é lutar. Consequentemente, fica impossível sentir o amor de Misao por ele. Já Yosuke Egushi como Saito ganha muito mais espaço neste filme, e merece todos os créditos por torná-lo um homem multifacetado e uma figura de peso imponente ao lado do próprio Kenshin. Já o Soujiro de Ryunosuke Kamiki trás com eficiência seu sorriso enigmático e torna-se um dos poucos personagens que realmente tememos. A luta dele, aliás, é a melhor de todas e supera em muito a do clímax do filme passado. E chegamos ao Shishio de Tatsuya Fujiwara (mais conhecido pelos papéis de protagonista em Death Note e Battle Royale) que faz uma boa voz carregada e ar sempre intenso, embora seu tempo em tela seja sacrificado em prol dos demais e provavelmente só teremos um vislumbre melhor de sua performance no filme seguinte.
(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
Tentando resgatar personagens do agrado dos fãs, às vezes com sucesso e outras não. Aoshi (Yusuke Iseya), por exemplo, jamais ganha peso ou profundidade, revelando-se quase um androide cujo único objetivo é lutar. Consequentemente, fica impossível sentir o amor de Misao por ele. Já Yosuke Egushi como Saito ganha muito mais espaço neste filme, e merece todos os créditos por torná-lo um homem multifacetado e uma figura de peso imponente ao lado do próprio Kenshin. Já o Soujiro de Ryunosuke Kamiki trás com eficiência seu sorriso enigmático e torna-se um dos poucos personagens que realmente tememos. A luta dele, aliás, é a melhor de todas e supera em muito a do clímax do filme passado. E chegamos ao Shishio de Tatsuya Fujiwara (mais conhecido pelos papéis de protagonista em Death Note e Battle Royale) que faz uma boa voz carregada e ar sempre intenso, embora seu tempo em tela seja sacrificado em prol dos demais e provavelmente só teremos um vislumbre melhor de sua performance no filme seguinte.
Trazendo
inúmeras referências diretas da obra original que deixarão os fãs extremamente
satisfeitos. Desde as poses características de Saito até àquelas entre Soujiro
e Kenshin, passando pelo mantra dos vilões de “O forte sobreviverá e o fraco irá sofrer”; até às mais sutis como
os golpes triviais de Kenshin contra o loiro do grupo Juppongatana, iguaizinhos
aos do original; até as histórias de Saito de quando era do Shinsengumi, impedindo
um grupo de incendiar Kyoto na batalha da hospedaria Ikeda.
Chegando
a um clímax absolutamente empolgante em uma guerra no centro de Kyoto,
envolvendo o exército de Shishio, os policiais de Saito, o grupo de ninjas
Oniwabanshu, e claro, o grupo de Kenshin e seus amigos. Ganhando ainda mais
peso por usarem inúmeros figurantes reais ao invés de multidões com efeitos
especiais. E o diretor Ohtomo é hábil o bastante para mostrar as ações de todos
esses grupos e personagens individuais, de forma clara com golpes
compreensíveis para o espectador, sem nunca se tornar confuso, o que é uma
proeza digna. Trazendo alguns equívocos como Kaoru e Yahiko derrubarem tantos
capangas com golpes bastante duvidosos, bem como todo o aborrecido sequestro
final de Kaoru e a batalha no navio. Servindo como um artifício barato para
fazer Kenshin e Shishio se encontrarem (mesmo que nada aconteça, realmente) e
resgatando essa situação desagradável que tanto ocorreu no primeiro de “mocinho-salvando-a-mocinha”.
Embora esses pecados sejam compensados por acréscimos inteligentes que não
aconteciam no original, como um grupo de fantasiados de Shishios garantindo a
passagem segura do original.
Assim,
Rurouni Kenshin: Kyoto Inferno, apesar de mais longo do que deveria, é uma obra
extremamente forte para a galeria de live actions adaptados de mangás. Obviamente
não chega à perfeição de equilíbrio de um Speed Racer, mas certamente estamos
muito próximos disso. E agora espero ansioso que encontrem o ritmo perfeito
para o desfecho da trilogia. Os dois primeiros não deram motivo algum para
decepção real e só podemos esperar que se mantenha assim. Certamente esses
personagens divertidos repletos de acrobacias deixarão saudades.
@PedroSEkman
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