terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O Autor de Túmulo dos Vaga-lumes Morreu. Conhece a História Verdadeira?

Mas calma. É o autor original, não o diretor do filme. 
Quem é nunca assistiu ou ouviu falar do quão triste é o emblemático “Túmulo/Cemitério dos vagalumes”, o filme de animação mais triste já feito? Oh, sim, Hotaru no Haka (também conhecido internacionalmente como Grave of the Fireflies) é um daqueles títulos famosos nas recomendações “boca a boca”. Me lembro bem, há uns 5 anos, uma conhecida minha, mexicana, numa conversa sobre animes tristes e depressivos, me perguntou já meio que intimando se eu já tinha visto Cemitério dos Vagalumes, numa daquelas perguntas inquisitivas bem naquele tom “VOCÊ JÁ VIU, NÉ!? NEEEEE? É UM CLÁSSICO, NÃO ME DIGA QUE NUNCA VIU”.

Eu não tinha visto, mas não só já conhecia a fama como já era fã do mestre Isao Takahata. Só não tinha assistido ainda. Finalmente assisti em 2012, dois anos depois. E foi uma experiência tão arrebatadora e dolorosa, que ainda não tenho forças para rever. Não sei um dia terei. Mas a profunda tristeza, lamento e cansaço emocional que senti naquele dia, ainda permanecem impregnados em mim. 

É uma obra que se leva pra vida. 

Bom, a ficção é sempre mais romântica e, consequentemente, idealizada. E seu autor original, que contou a história da sua vida durante aqueles momentos sufocantes da Segunda Guerra Mundial de uma forma mais romanceada, ilustra uma realidade muito mais dura e desconfortável, talvez não tão brilhante e bonita. 
“A morte da minha irmã foi exatamente como acontece no livro”, disse Akiyuki Nosaka em 1987, enquanto seu livro Túmulo dos Vagalumes estava sendo transformado em um filme de anime por Isao Takahata, no estúdio Ghibli. “Era uma semana após o fim da guerra. No campo de Fukui onde eu estava, era o dia onde removeram as restrições à iluminação... Era noite, e eu estava recolhendo os ossos da minha irmã. Eu estava voltando para casa em transe quando eu vi a vila iluminada. Nada se compara à minha surpresa naquela noite. Minha irmã morreu do meu lado do mundo e a luz estava voltando no outro.”

Nosaka teve uma vida longa e viveu o suficiente para ver o septuagésimo aniversário do fim da guerra. No entanto, ele é mais conhecido, tanto dentro como fora do Japão, por Túmulo dos Vagalumes, um relato de Nosaka de suas experiências de guerra como um adolescente, e da trágica morte de sua irmã adotiva por desnutrição logo após a derrota do Japão. A maioria das pessoas conhece a versão anime de sua história, no qual um adolescente e sua irmãzinha de quatro anos de idade perdem a sua mãe em um ataque aéreo americano na cidade de Kobe. Eles tentam viver à margem da sociedade, formando um lar em um abrigo antiaéreo abandonado, mas a sua comida se esgota e eles perecem de desnutrição e doença.
Além do fato de Nosaka sobreviver, ao contrário do que ocorre na versão ficcional, os acontecimentos reais difere das do seu livro por serem, considerados por ele próprio, muito doloroso. Em 1987, Nosaka confessou que, “Honestamente falando, senti alívio que [minha irmã] tenha morrido e o meu fardo ido embora. Ninguém me  acordava no meio da noite reclamando por ela estar chorando, e eu não teria que andar com uma criança nas minhas costas mais. Sinto muito dizer isso sobre a minha irmã, mas eu tinha esses sentimentos também. É por isso que eu não voltei a ler meu livro [Túmulo dos Vagalumes], já que eu odeio essas memórias. Provavelmente é absolutamente verdadeiro que Seita (o protagonista fictício do livro) tenha pensado em sua irmã como um fardo demasiadamente pesado. Ele deve ter pensado que poderia ter tido uma alternativa melhor se não fosse por ela”

E, no entanto, apesar do que possa parecer a irmã de Nosaka significava tudo para ele. “Meu único suporte emocional foi a minha irmã de dois anos. Se eu estava roubando, podia sentir que era justificado se era para minha irmã... Meus sentimentos sobre não querer crescer, ou a culpa que eu sentia por estar fazendo coisas ruins naquela idade, todos foram compensados pela existência da minha irmã”

Nosaka nasceu na cidade de Kamakura em 1930. Sua mãe biológica morreu logo depois, e ele foi adotado por sua tia materna, Aiko, e seu marido. Em 1944 a família também adotou uma menina, Keiko. Eles estavam vivendo na cidade de Kobe, que foi bombardeada pelo ataque aéreo, no final da Segunda Guerra Mundial. A casa da família foi destruída no bombardeio. Durante décadas, Nosaka alegaria que sua mãe adotiva morreu no ataque (como a mãe de Seita morre em Túmulo dos Vagalumes). Na verdade, Aiko não só sobreviveu, mas ela também resgatou Keiko, levando-a para fora da cidade em chamas, apesar de seu corpo contar com queimaduras terríveis (em Túmulo dos Vagalumes, é Seita quem salva sua irmã)
Nosaka e Keiko foram enviados para ficar com uma parente já viúva, de Aiko, mas a comida era pouca e restrita. Keiko, que era jovem demais para engolir qualquer espécie de alimentos, sofreu muito e passou por momentos difíceis. Os irmãos então se mudaram no verão, aparentemente por causa de tensões com a viúva e seus parentes, e ficaram um mês em um abrigo de bomba ao lado de uma lagoa, como representado no livro e no filme. Ao contrário das crianças na história ficcional, eles foram então removidos para outra casa, mas Keiko continuou definhando, devido às condições precárias pelo qual passou. Ela morreu em 21 de agosto, dias após o fim da guerra.

Para Nosaka, no entanto, a morte não veio em sue auxilio, a vida continuava e havia mais dificuldades para experienciar. Dois anos mais tarde, ele foi pego roubando e foi enviado para um centro de detenção em Tóquio, onde as condições eram inimaginavelmente horríveis, segundo ele – que presenciou a morte de vários colegas enquanto esteve preso lá. Ele acabou sendo libertado graças à intervenção de seu pai biológico, um político, que pegou a sua guarda. Vinte anos depois, com as feridas da Segunda Guerra Mundial tendo cicatrizado no Japão, Nosaka começou a retratar suas experiências na ficção, incluindo Túmulo dos Vagalumes, que foi publicado em 1967.

Mas mesmo antes da consagração, o autor já experimentava exercitar a criatividade. Túmulo dos Vagalumes não foi a única obra de Nosaka a ganhar adaptação em anime, embora seja o mais famoso, conciliando a imagem dele como um autor de histórias de guerra, como diversos outros contemporâneos. My Air Raid Shelter, em que um menino em tempos de guerra no Japão começa a acreditar que espírito de seu pai assombra o edifício onde mora, foi lançado no 60º aniversário do fim da guerra. Kiku and the Wolf (foto), em que um refugiado japonês na Manchúria ganha um aliado improvável, foi transformado em uma animação no 63º aniversário da Guerra. No mesmo ano de 2008, também saiu um especial animado para TV de The Sea Turtle and the Boy, em que a vida selvagem da costa do Japão também sofre as privações das condições de guerra.

Nosaka foi mesmo um homem de muitas faces, que viveu nos dois lados da vida e saiu de lá para constituir enfim uma família que não se desfizesse precocemente por intervenções exteriores. Ele deixa uma esposa e duas filhas (que eram integrantes da famosa trupe Takarazuka, grupo teatral constituído só de mulheres). Akiyuki Nosaka morre aos 85 anos. O corpo foi descoberto por sua esposa em 09 de Dezembro por volta de 10:30 da manhã, por sua esposa, mas já não respirava.

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