segunda-feira, 7 de março de 2016

Uma Sociedade Separatista entre Homens e Mulheres no Piloto de Urbance

Fui assistir ao episódio piloto da série de animação Urbance, e fiquei apaixonada. Vidrada. Fui tomada de assalto. 
Adoro cenários futurísticos e distúrbios político-sociais. E Urbance se mostrou uma alternativa promissora para fãs de narrativas distopicas e tramas policiais. 

Com roteiro e direção de Joel Dos Reis Viegas e Sébastien Larroudé, em uma coprodução entre França e Canadá, Urbance é um projeto de animação que está em pré-produção desde 2010 e alcançou o seu auge em 2014, através do Kickstarter, arrecadando $175,000 dólares. Com obvia influência da animação japonesa (muitos irão se lembrar de Psycho-Pass e suas dominators), a série animada que contou com participação do estudio franco-japonés Yapiko Animation e do animador Hiroshi Shimizu como produtor, também remete a filmes como The Warriors e o jogo Jet Set Radio.

O enredo se desenha em um cenário futurista distópico onde as pessoas foram proibidas de manterem relações sexuais. Com isso se instaurou um separatismo imposto entre homens e mulheres, acirrando a animosidade na formação natural de gangues antagônicas. Em meio a este cenário caótico Kenzell e Lesya vivem uma tórrida e incerta paixão proibida, no maior estilo Number Six (No.6), só que versão hetéro. 

Uma sociedade distópica dominada por gays e lésbicas opressores? Calma que não é bem assim.
“Eu não tinha nascido quando o surto se tornou mortal. O E1 só era ativo entre manos e minas. Assim que o ato estivesse feito, o vírus te derrubava em menos de um minuto. Nos disseram que a maior parte do mundo foi dizimada. As cobras do CO-EVO criaram quarentenas. Os caras foram separados das gurias. Fazer sexo hétero era motivo de prisão, se é que você já não tava morto. Quando o E1 sofreu mutações, passou a valer pra sexo hétero E homo, daí o CO-EVO baniu tudo. Sexo, contato, tudo o que nos torna humanos. Nós nos apegamos à música, é o que nos mantém sãos. Eles nos chamam de última geração. Todos nós temos o vírus.”

O episódio piloto é ágil em traçar o panorama do enredo geral, onde mesmo sem ler a sinopse ou qualquer outra guia, é relativamente fácil compreender o cenário ao fundo. Tanto que o roteiro é econômico na medida exata, se limitando a diálogos interativos, a introdução em off não compromete o ritmo da narrativa ao ser situado como uma espécie de prólogo, que se esmiúça no momento em que o enquadramento passa de um plano geral aberto para um plano médio, momento em que os personagem tomam conta da narrativa visual e se agigantam em cena. 

O que eu achei mais interessante, é que estamos tão acostumados com animações de personagens majoritariamente caucasianos [e amarelos], que assistir Urbance me passou uma sensação cômoda de familiaridade, como se fosse algo muito mais próximo de mim, do que aquilo que eu assisto normalmente.  

Neste primeiro episódio, a ação ocorre num clube clandestino, onde duas mulheres fazem a revista na entrada, confiscando armas e borrifando com spray uma pulseira eletrônica de monitoramento do governo, em algo que parece uma tentativa de burlar a monitoração, desativando-o. Afinal, o clube é clandestino. Ao inspecionar o pacote de um participante, Becca (não confundam, não sou eu!!!) safadamente lamenta o desperdício. 

Como uma diva desfilando em meio à multidão como se abrisse o mar vermelho, Lesya cheia de moral entra sem mesmo ser revistada, causando revolta nos homens. Ela estaria sendo machista? Parcial? 

No interior o DJ Kenzell mergulha a plateia ávida por escapismo num transe orientado por batidas de hip-hop e uma constelação de neons faiscantes. É quando os dois se conhecem pela primeira vez e Ethan, amigo de infância de Kenzell, lhe passa o alerta de que Lesya é tampa de caixão e para o seu próprio bem é melhor manter distância “dessas” Deadly Eves (nome da gangue feminina do qual ela é integrante). 

Em meio a flertes e jogos de interesses, Lesya é beijada por Sam, a sua garota favorita, enquanto Ethan manda o amigo se acalmar oferecendo Ndorfin, uma bebida afrodisíaca com efeitos entorpecentes que o faz “viajar”, provocando uma sensação similar ao orgasmo. A bebida funciona como uma forma alternativa de simular o prazer gerado pelo sexo, agora proibido em decorrência do vírus. 

Em paralelo, Becca protagoniza a ação que também deflagra o conflito do episódio piloto ao arrastar o boy que estava na fila para o banheiro e lhe aplicar um cadeado de buceta. Quem pode julgá-la? A ‘seca’ afeta até a pessoa mais lógica. Becca, que não sou eu, está confiante que irá burlar o sistema através de duas pílulas laranjas, mas ao praticar o ato, a pulseira reage em alerta ao VIRUS E1, entregando a localização do clube para detetives andrógenos, chamados Mediators. O cenário se torna caótico, os núcleos enfim se encontram no alvoroço e o enredo avança. 
Urbance é um projeto ambicioso, visando festivais; mercados publicitários e a famigerada exibição na tv, consequentemente. Embora parte de um projeto transmídia que envolve até a promessa de uma série em quadrinhos, a sonhada série de tv com seus pretendidos 20 episódios orientados a um publico maior de 16 anos, vai na contramão de tudo que é do interesse financeiro do mercado. O cenário não é promissor, e mesmo Korra que era uma curva fora da estrada e exceção à regra, se tornou um peso morto para a Nick. A alternativa viável seria algo na linha adulta, como no slot do Adult Swim, em horários de fim de noite. Mas despertaria interesse de investidores? A questão fica, enquanto Urbance utiliza seu primeiro tiro alcançado através do Kickstarter, em seu episódio piloto.

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