quinta-feira, 30 de junho de 2016

Koutetsujou no Kabaneri

Saudações do Crítico Nippon!


Shingeki no Kyojin foi um anime razoável para uma obra medíocre. Seus méritos são todos do estúdio que o adaptou, não de seu autor. Animação, cores, trilha sonora. Já o roteiro, desenvolvimento e o traço do mangá original são absolutamente abomináveis. E foi na sombra deste sucesso estrondoso que o Wit Studio, responsável pelos titãs, deu vida a este Koutetsujou no Kabaneri, ou Kabaneri of the Iron Fortress. E quem leu meus dois textos sobre SnK (aqui e aqui), deve estar se perguntando como eu sequer dei uma chance para essa nova proposta (eu me pergunto até hoje). Só posso respirar aliviado por ter dado e me surpreendido positivamente com todos os aspectos da obra. Tudo que não funcionava em Shingeki, funciona em Kabaneri. E nem adianta reclamar de comparações: mesmo estúdio, mesma equipe técnica (diretor, compositor), mesma premissa, personagens com papéis totalmente equivalentes da Tropa de Exploração. Em suma, impossível analisar um quase remake sem comentar aspectos do seu original.



Sabemos que há 20 anos existem os kabane, espécie de zumbis que obrigam a humanidade se esconder em muralhas (Resident Evil Apocalypse?). Acompanhamos aqueles na ilha Hinomoto, e os esforços do jovem Ikoma para desenvolver armas e estudos sobre como neutralizar a infecção que se espalha. Eles também contam com trens que saem das muralhas e vão até outras bases de humanos, protegendo-os de ataques pelo caminho. Um detalhe precioso que já coloca os personagens sempre em meio ao perigo, mesmo que parcialmente protegidos pela locomotiva.

A proposta inicial é semelhante aos titãs, mas consegue a proeza de ser incrivelmente mais crível e obscura. Em primeiro lugar, o mundo em questão é extremamente bem desenvolvimento. Desde a rotina dos tripulantes que precisam proteger o trem durante o seu percurso; passando pelas construções metálicas deslumbrantes da ilha em que vivem (e fora dela); a rotina de lavarem o trem para conter qualquer infecção; as engenharias e testes do jovem Ikoma; as famílias mais importantes que influenciam a organização de todos.




Aliás, é sensacional que o anime consiga tornar “meros” zumbis tão mais ameaçadores que os gigantescos titãs da produção anterior. Em primeiro lugar, eles são aquele tipo de mortos-vivos que correm, saltam e brigam, como em Madrugada dos Mortos e Guerra Mundial Z (e no capítulo 5, por exemplo, há hordas deles escalando construções que remetem muito essa última obra). Em segundo lugar, eles tem o fator “infecção” da mordida. E com o passar do tempo, os zumbis se aprimoram e aprendem a lutar com espadas e se proteger de inúmeras formas, tornando a ameaça sempre exponencial e evolutiva. As batalhas contra eles se tornam mais pessoais e coerentes, sem depender daqueles DMTs que faziam os personagens voarem infinitamente desviando ao seu bel prazer. Em KnK, as lutas são corpo a corpo, envolvendo o espectador com facilidade, sendo possível se colocar no lugar deles. E mesmo quando surgem personagens como a Mumei (a Mikasa da história), que consegue dominar uma multidão de zumbis, ainda assim há momentos de pura exaustão dela em que precisa de socorro. Isso torna todos mais humanos e, de novo, o projeto repleto de tensão (o que era aquele Levy-máquina-de-matar?).





Aliás, se tem algo que o anime lembra muito são as histórias de zumbi. Construindo com eficiência o questionamento de “quem é mais monstro, os humanos ou os monstros em si?” (que SnK fez uma série de desastres tentando). Em diversos momentos somos levados à tensão em função dos impulsos irracionais da nossa espécie tomada pelo desespero ou arrogância. O anime não aposta no clássico protagonista heroico e cheio de si, mas no grande grupo e nos esforços de cada um à ameaça que enfrentam, igualzinho um grande grupo num apocalipse já retratado dezenas de vezes. A causa da infecção zumbi é outra coisa que nunca interessou nesse tipo de história. O grande grupo em constante deslocamento, procurando um local mais seguro. Grávidas com bebês infectados. Um humano louco querendo tomar conta. Em suma, dá pra fazer um “drink game” só com os itens de filmes de zumbi que Kabaneri acertadamente aproveita.




Contribuindo para a ameaça deles o soberbo design de cores, a quantidade de imagens genuinamente assustadoras no anime é abundante. Multidões inteiras andando pelas colinas e por cidades em chamas, escalando o trem com fúria, sempre banhado de sangue. Aliás, colocar um brilho escarlate no peito das criaturas é um detalhe precioso, tornando-as quase infernal. Deste modo, a animação mantém um elevado padrão, com cores que proporcionam um tom sombrio constante à narrativa. Assim, em diversos momentos me vi congelando a hipnotizante imagem das lindas personagens à luz do luar, e pela fluidez de seus movimentos graciosos.


Também auxilia para a realidade do universo, detalhes valiosos do gênero steampunk, como as constantes fumaças de pressão que vazam dos mais diversos equipamentos, dando um toque industrial e mecânico em todos os cenários e objetos possíveis. E o figurino é um entretenimento a parte, e traz personalidade e individualidade a cada um. Desde os trajes mais engomados de Ayame e Kurusu; passando pelo belíssimo e funcional traje da Mumei; as variações de estilo e diferentes usos para mesma roupa, nas figuras de Ikoma, Takumi, Kajika e Sukari; e os trajes coloridos, com cortes diferenciados, de Biba e seus seguidores.


Já começo a bocejar só de olhar

Aliás, a animação soberba combinada com a direção espetacular de Tetsuro Akari (nome por trás de Death Note!), dá origem a episódios fabulosos, como o sexto. Começa extremamente devagar, com Mumei enterrada nas pedras e alguns flashbacks moderados, aos poucos ganha fôlego e, quando nos damos conta, estamos envolvidos em uma fuga alucinante na locomotiva, com um adversário extremamente poderoso e uma chuva de zumbis. A câmera circula o cenário inteiro, acompanhando as ações de todos os personagens que conhecemos até então, que desempenham pequenos, mas importantes papéis para o sucesso da escapada. A trilha é empolgante sem ser estourada, combinada com uma animação horripilante dos inimigos e uma direção segura. É um exemplo raro de combinação dos mais diversos elementos para formar um capítulo praticamente perfeito.




 

Aproveitando ao máximo os 12 episódios que dispõe, Koutetsujou no Kabaneri consegue extrair todo o possível em seus 20 minutos semanais. Assim, cada capítulo não gira em torno de uma única ideia, mas de várias. No primeiro, somos apresentados à vastidão daquele universo e ao longo ataque que destruirá a muralha, e aos esforços de Ikoma para se salvar da prisão e dos zumbis. No segundo, temos a apresentação de Mumei e outra longa sequência de ação; a fuga das pessoas até o trem, toda preparação dos soldados na locomotiva envolvendo diversos personagens que acompanharemos; para então começarem a brigar entre si devido a infecção do protagonista; atiram ele do trem, que logo em seguida passa a protegê-los do lado de fora, nos trilhos; para então aceitá-lo novamente na locomotiva e Mumei defendê-lo. Sim, isso tudo ocorreu só no episódio 2! E esse ritmo de acontecimentos se mantém até o final. Diferente de uns e outros com titãs que víamos os personagens varrendo o chão, roubando batatas, diálogos extremamente aborrecidos com autoridades que nunca veríamos de novo, enfim. Metade de uma temporada pra enfiar um tampão numa Muralha quebrada, céus, dói só de lembrar.






Com personagens interessantes e arcos dramáticos tocantes, temos Ikoma que demonstra força e inteligência na medida certa (nada de “vou exterminar todos os titãs, digo, zumbis do mundo!!”) e sua relação com o companheiro Takumi; passando por Mumei e seus conflitos internos, seus sonhos com plantação de arroz, cambiante entre força descomunal e fraqueza; Ayame   e Kurusu desenvolvem um ao outro (e eu sempre tive sérios problemas com personagens como ele, mas não dessa vez. Consigo lembrar de equivalentes detestáveis em Soul Eater, Code Geass e D. Gray-man); Kajika traz doçura e firmeza como uma substituta evoluída da Sasha Batata; e Biba cumpre bem seu papel de vilão com mantra do Shishio, sendo manipulador e extremamente ameaçador.



 


Pecando por um final extremamente covarde em diversas decisões – sem querer revelar muito -, KnK não é uma história que necessitava de um final feliz. Aliás, sequer dava sinais de que estava caminhando para isso. Muito pelo contrário, tomava diversas decisões extremamente corajosas e de tirar o fôlego nos antepenúltimo e penúltimo episódio. Além de ter deixado perguntas no ar que até podemos interpretar de acordo com algumas pistas que foram dadas, mas acumulam demais e torna-se impossível prever todas. Por exemplo: o que foi aquele “vírus” que Biba usou para dar falsa impressão de que as pessoas eram kabanes? Como o monstro do último episódio caiu? Como exatamente funcionam essas transformações de Mumei e da loirinha? E aquela do Ikoma? E como diabos Biba não viu aquela pessoa se aproximando dele no último episódio?! COMO?!






De qualquer modo, é um anime extremamente empolgante, dinâmico e com diversas decisões corajosas, uma atrás da outra. Sugando ao máximo dos conceitos que cria e utilizando-os até o limite do aceitável, Koutetsujou no Kabaneri deixará saudades pela ousadia, pelos bons personagens e pelo clima assustador que paira sobre todos os seus episódios.

Twitter: @PedroSEkman
(para mais dos meus textos, é só ir no menu Crítico Nippon lá em cima) 

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