Saudações
do Crítico Nippon!
Shingeki
no Kyojin foi um anime razoável para uma obra medíocre. Seus méritos são todos do estúdio que o adaptou, não de seu autor. Animação, cores, trilha sonora. Já o roteiro, desenvolvimento e o
traço do mangá original são absolutamente abomináveis. E foi na sombra deste
sucesso estrondoso que o Wit Studio, responsável pelos titãs, deu vida a este
Koutetsujou no Kabaneri, ou Kabaneri of the Iron Fortress. E quem leu meus dois
textos sobre SnK (aqui e aqui), deve estar se perguntando como eu sequer dei
uma chance para essa nova proposta (eu me pergunto até hoje). Só posso respirar
aliviado por ter dado e me surpreendido positivamente com todos os aspectos da
obra. Tudo que não funcionava em Shingeki, funciona em Kabaneri. E nem adianta
reclamar de comparações: mesmo estúdio, mesma equipe técnica (diretor,
compositor), mesma premissa, personagens com papéis totalmente equivalentes da
Tropa de Exploração. Em suma, impossível analisar um quase remake sem comentar
aspectos do seu original.
Sabemos
que há 20 anos existem os kabane, espécie de zumbis que obrigam a humanidade se
esconder em muralhas (Resident Evil Apocalypse?). Acompanhamos aqueles na ilha
Hinomoto, e os esforços do jovem Ikoma para desenvolver armas e estudos sobre
como neutralizar a infecção que se espalha. Eles também contam com trens que
saem das muralhas e vão até outras bases de humanos, protegendo-os de ataques
pelo caminho. Um detalhe precioso que já coloca os personagens sempre em meio
ao perigo, mesmo que parcialmente protegidos pela locomotiva.
A
proposta inicial é semelhante aos titãs, mas consegue a proeza de ser
incrivelmente mais crível e obscura. Em primeiro lugar, o mundo em questão é extremamente
bem desenvolvimento. Desde a rotina dos tripulantes que precisam proteger o
trem durante o seu percurso; passando pelas construções metálicas deslumbrantes
da ilha em que vivem (e fora dela); a rotina de lavarem o trem para conter
qualquer infecção; as engenharias e testes do jovem Ikoma; as famílias mais
importantes que influenciam a organização de todos.
Aliás,
é sensacional que o anime consiga tornar “meros” zumbis tão mais ameaçadores
que os gigantescos titãs da produção anterior. Em primeiro lugar, eles são
aquele tipo de mortos-vivos que correm, saltam e brigam, como em Madrugada dos
Mortos e Guerra Mundial Z (e no capítulo 5, por exemplo, há hordas deles escalando
construções que remetem muito essa última obra). Em segundo lugar, eles tem o
fator “infecção” da mordida. E com o passar do tempo, os zumbis se aprimoram e
aprendem a lutar com espadas e se proteger de inúmeras formas, tornando a
ameaça sempre exponencial e evolutiva. As batalhas contra eles se tornam mais
pessoais e coerentes, sem depender daqueles DMTs que faziam os personagens
voarem infinitamente desviando ao seu bel prazer. Em KnK, as lutas são corpo a
corpo, envolvendo o espectador com facilidade, sendo possível se colocar no
lugar deles. E mesmo quando surgem personagens como a Mumei (a Mikasa da
história), que consegue dominar uma multidão de zumbis, ainda assim há momentos
de pura exaustão dela em que precisa de socorro. Isso torna todos mais humanos
e, de novo, o projeto repleto de tensão (o que era aquele
Levy-máquina-de-matar?).
Aliás,
se tem algo que o anime lembra muito são as histórias de zumbi. Construindo com
eficiência o questionamento de “quem é mais monstro, os humanos ou os monstros
em si?” (que SnK fez uma série de desastres tentando). Em diversos momentos
somos levados à tensão em função dos impulsos irracionais da nossa espécie
tomada pelo desespero ou arrogância. O anime não aposta no clássico
protagonista heroico e cheio de si, mas no grande grupo e nos esforços de cada
um à ameaça que enfrentam, igualzinho um grande grupo num apocalipse já
retratado dezenas de vezes. A causa da infecção zumbi é outra coisa que nunca
interessou nesse tipo de história. O grande grupo em constante deslocamento,
procurando um local mais seguro. Grávidas com bebês infectados. Um humano louco
querendo tomar conta. Em suma, dá pra fazer um “drink game” só com os itens de
filmes de zumbi que Kabaneri acertadamente aproveita.
Contribuindo
para a ameaça deles o soberbo design de cores, a quantidade de imagens
genuinamente assustadoras no anime é abundante. Multidões inteiras andando
pelas colinas e por cidades em chamas, escalando o trem com fúria, sempre
banhado de sangue. Aliás, colocar um brilho escarlate no peito das criaturas é
um detalhe precioso, tornando-as quase infernal. Deste modo, a animação mantém
um elevado padrão, com cores que proporcionam um tom sombrio constante à
narrativa. Assim, em diversos momentos me vi congelando a hipnotizante imagem
das lindas personagens à luz do luar, e pela fluidez de seus movimentos
graciosos.
Também
auxilia para a realidade do universo, detalhes valiosos do gênero steampunk,
como as constantes fumaças de pressão que vazam dos mais diversos equipamentos,
dando um toque industrial e mecânico em todos os cenários e objetos possíveis.
E o figurino é um entretenimento a parte, e traz personalidade e
individualidade a cada um. Desde os trajes mais engomados de Ayame e Kurusu;
passando pelo belíssimo e funcional traje da Mumei; as variações de estilo e diferentes
usos para mesma roupa, nas figuras de Ikoma, Takumi, Kajika e Sukari; e os
trajes coloridos, com cortes diferenciados, de Biba e seus seguidores.
Já começo a bocejar só de olhar |
Aliás,
a animação soberba combinada com a direção espetacular de Tetsuro Akari (nome
por trás de Death Note!), dá origem a episódios fabulosos, como o sexto. Começa
extremamente devagar, com Mumei enterrada nas pedras e alguns flashbacks
moderados, aos poucos ganha fôlego e, quando nos damos conta, estamos envolvidos
em uma fuga alucinante na locomotiva, com um adversário extremamente poderoso e
uma chuva de zumbis. A câmera circula o cenário inteiro, acompanhando as ações
de todos os personagens que conhecemos até então, que desempenham pequenos, mas
importantes papéis para o sucesso da escapada. A trilha é empolgante sem ser
estourada, combinada com uma animação horripilante dos inimigos e uma direção
segura. É um exemplo raro de combinação dos mais diversos elementos para formar
um capítulo praticamente perfeito.
Aproveitando
ao máximo os 12 episódios que dispõe, Koutetsujou no Kabaneri consegue extrair
todo o possível em seus 20 minutos semanais. Assim, cada capítulo não gira em
torno de uma única ideia, mas de várias. No primeiro, somos apresentados à
vastidão daquele universo e ao longo ataque que destruirá a muralha, e aos
esforços de Ikoma para se salvar da prisão e dos zumbis. No segundo, temos a
apresentação de Mumei e outra longa sequência de ação; a fuga das pessoas até o
trem, toda preparação dos soldados na locomotiva envolvendo diversos
personagens que acompanharemos; para então começarem a brigar entre si devido a
infecção do protagonista; atiram ele do trem, que logo em seguida passa a
protegê-los do lado de fora, nos trilhos; para então aceitá-lo novamente na
locomotiva e Mumei defendê-lo. Sim, isso tudo ocorreu só no episódio 2! E esse
ritmo de acontecimentos se mantém até o final. Diferente de uns e outros com
titãs que víamos os personagens varrendo o chão, roubando batatas, diálogos extremamente
aborrecidos com autoridades que nunca veríamos de novo, enfim. Metade de uma
temporada pra enfiar um tampão numa Muralha quebrada, céus, dói só de lembrar.
Com
personagens interessantes e arcos dramáticos tocantes, temos Ikoma que
demonstra força e inteligência na medida certa (nada de “vou exterminar todos
os titãs, digo, zumbis do mundo!!”) e sua relação com o companheiro Takumi;
passando por Mumei e seus conflitos internos, seus sonhos
com plantação de arroz, cambiante entre força descomunal e fraqueza; Ayame e Kurusu desenvolvem um ao outro (e eu
sempre tive sérios problemas com personagens como ele, mas não dessa vez.
Consigo lembrar de equivalentes detestáveis em Soul Eater, Code Geass e D.
Gray-man); Kajika traz doçura e firmeza como uma substituta evoluída da Sasha
Batata; e Biba cumpre bem seu papel de vilão com mantra do Shishio, sendo manipulador
e extremamente ameaçador.
Pecando
por um final extremamente covarde em diversas decisões – sem querer revelar
muito -, KnK não é uma história que necessitava de um final feliz. Aliás,
sequer dava sinais de que estava caminhando para isso. Muito pelo contrário, tomava
diversas decisões extremamente corajosas e de tirar o fôlego nos antepenúltimo
e penúltimo episódio. Além de ter deixado perguntas no ar que até podemos interpretar
de acordo com algumas pistas que foram dadas, mas acumulam demais e torna-se
impossível prever todas. Por exemplo: o que foi aquele “vírus” que Biba usou
para dar falsa impressão de que as pessoas eram kabanes? Como o monstro do
último episódio caiu? Como exatamente funcionam essas transformações de Mumei e
da loirinha? E aquela do Ikoma? E como diabos Biba não viu aquela pessoa se
aproximando dele no último episódio?! COMO?!
De
qualquer modo, é um anime extremamente empolgante, dinâmico e com diversas
decisões corajosas, uma atrás da outra. Sugando ao máximo dos conceitos que
cria e utilizando-os até o limite do aceitável, Koutetsujou no Kabaneri deixará
saudades pela ousadia, pelos bons personagens e pelo clima assustador que paira
sobre todos os seus episódios.
Twitter: @PedroSEkman
(para mais dos meus textos, é só ir no menu Crítico Nippon lá em cima)
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