Você conhece o grande rei do terror? Você certamente já se deparou com ele várias vezes!
Eu estava lendo o mangá NieA Under Seven, no qual detalhes sobre a história e desenvolvimento não vou comentar neste texto, mas sim de um capitulo que me chamou atenção, quando as personagens principais NieA e Mayuko após passarem por uma desastrosa decepção e terminarem o capitulo com tudo dando absolutamente errado para Mayuko, o desfecho culmina com ela soltando um grito desesperado – é tragicômico, claro, no melhor estilo Professor Desespero, de Sayonara Zetsubou-sensei.
Mas o que me chamou atenção foi este quadro, com uma personagem fazendo referência ao Grande Rei do Terror. Eu já tinha visto essas referências em outras obras japonesas, no entanto, quando paro pra pensar a respeito, Nana é a obra que mais se destaca para mim neste aspecto, além de ter sido a primeira que vi fazendo uma referência tão direta ao Grande Rei do Terror.
Ok, mas quem esse tal Grande Rei do Terror?
Refere-se à famosa teoria de Nostradamus, de que o mundo acabaria no sétimo mês de 1999. Era uma época que borbulhavam profecias acerca do fim do mundo, acho que uma das mais famosas ao lado desta Nostradamus, é aquela de que o mundo acabaria no primeiro dia de 2000 (Y2K), realmente houve uma comoção no ocidente. Em 1999 eu tinha apenas 6 aninhos, mas me lembro que minha família se encontrava eufórica e fomos passar a virada do último dia do ano num templo religioso e a atmosfera era de apreensão. Obviamente, é algo que só fui compreender bem anos mais tarde, mas de todas as profecias messiânicas sobre o fim do mundo, esta foi sem dúvidas a que mais me marcou, porque eu a vivi na pele em toda minha inocência infantil – mesmo sem entender exatamente o que tava rolando.
NieA Under Seven é um mangá publicado a partir de 2000, por isso a personagem diz “O que? O Grande Rei do Terror chegou tarde?”. Um alusão ao fato de que ele está atrasado. Já Nana, é um mangá que embora tenha ganho seu primeiro encadernado em Maio de 2000, os capítulos já vinham sendo publicados numa revista desde 1999. O ano da profecia de Nostradamus, que foi publicada no Japão por Ben Goshima no livro “A Grande Profecia de Nostradamus” e se tornou rapidamente um best-seller nacional.
Nana |
Seu conteúdo é permeado por supostas profecias, anedotas, e informações biográficas de Michael Nostredame, mais conhecido como Nostradamus, um médico francês, astrólogo e poeta da era renascentista (dos séculos 14 ao 17). O livro detalha a profecia de Nostradamus para o fim da humanidade no sétimo mês do ano de 1999. “No ano 1999, sétimo mês / Do céu virá o grande rei do terror”.
Isto ressoou bem forte no Japão, porque o boom da economia japonesa da década de 1970 fez com que muitos jovens da década de 1990 temessem os efeitos da poluição e o estouro da bolha econômica com a subsequente recessão impregnou o país com uma apreensão e incerteza em relação ao futuro – os jovens já não conseguiam superar ou mesmo seguir os passos de seus pais e o clima de insegurança afundou o país num caos. Artistas japoneses famosos que viveram aquele período o retratam como um grande terror. O diretor de animes Kunihiko Ikuhara (Mawaru Penguindrum – 2011, Shoujo Kakumei Utena 1997) já disse algumas vezes em entrevistas diversas que achava que não conseguiria sobreviver àquele período, que havia muitas pessoas morrendo e a juventude atolada num pântano desesperador. Outro diretor de animes, Hideaki Anno (Neon Genesis Evangelion – 1995), refere-se àquele momento como apocalipse, ou pelo menos era a forma como eles o viam.
Os cultos messiânicos no Japão haviam aumentado exponencialmente (ver mais em:[+18] Believers: Hikikomori, Aum Shinrikyo, e o Culto), as pessoas buscavam desesperadamente uma luz, uma salvação e paz interior, um messias para lhes guiar. E com isso, a receita para o desastre estava pronta (outra obra que aborda esse período de forma alegórica é Mawaru Penguindrum). Então, era compreensível que para muitos jovens o mundo acabaria antes que envelhecessem – e para muitos, isso realmente se tornou uma realidade.
A década de 1990 e a crise econômica e social influenciaram muitas obras seminais da animação japonesa, tais como Evangelion e Utena, mas se nota isso ainda mais paulatinamente em mangás. O próprio aclamado Death Note, é um mangá que indiretamente abrange os resquícios deste período e seus cultos messiânicos, através de um messias que acredita ser o único capaz de limpar e salvar a sociedade. Porém, das obras que já li, que absorveram este período da história japonesa, nenhuma foi tão incisiva quanto Believers, de Naoki Yamamoto.
Violet, uma personagem do seriado American Horror History, lendo Nana |
Em Nana, a personagem título Nana K. ainda estava no ensino médio em 1999 e ela desenvolve o habito de culpar tudo que lhe acontece de ruim ao Grande Rei do Terror, que viria do céu para destruir o mundo. Nana o chama de Lorde Demônio e graças à sua paranoia constante, tudo em tom de tragicomédia, os seus amigos também começam a atribuir tudo que acontece de ruim em suas vidas ao Grande Rei do Terror, que tem a missão de tornar a vida das pessoas um pesadelo.
Aliás, o nome NANA significa o número sete no Japão – o mês de 1999, em que o Grande Rei do Terror pretendia atacar. Ao que parece, a autora Ai Yazawa realmente curte umas superstições (sim, ela curte! Me lembro de ter visto algo relacionado a isso em um de seus freetalks), nem que seja para brincar em cima. Enfim, sempre que verem uma referência assim em alguma obra japonesa, isso se deve ao forte impacto cultural que a profecia teve no Japão. Ao ponto de soar como uma piada que todos entenderiam.
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