Saudações do
Crítico Nippon!
Adaptado do
icônico mangá de Shirow Masamune, Ghost in the Shell ganhou vida em 1995 pelo
consagrado Mamoru Oshii, quando a internet ainda engatinhava. Assim, seus
méritos “proféticos” em termos de ciberespaço e questionamentos de Homem x
Máquina se tornam ainda mais impressionantes. Era uma época em que o mundo
estava mergulhado no medo dos avanços tecnológicos, representado no Ocidente,
por exemplo, com Exterminador do Futuro (84) e Blade Runner (82) (e Ghost in
the Shell lembra imensamente a obra máxima de Ridley Scott). E, no Oriente, um
dos representantes máximos certamente é a trajetória da Major Motoko Kusanagi.
A trama do
filme se passa em uma cidade obviamente inspirada em Hong Kong, no ano de 2029.
Pessoas e ciborgues convivem e trabalham juntas, e possuem cérebros
cibernéticos chamados de ghosts. Neste universo, Major Motoko Kusanagi, Batou e
Togusa trabalham para a Sessão 9, responsáveis por cuidar de crimes cibernéticos. É
quando pessoas com implantes neurais começam a ser hackeadas, tendo seus
pensamentos e memórias alteradas por um poderoso ser conhecido como Mestre das
Marionetes.
Adotando um ar
extremamente contemplativo, as ações do vilão e a busca dos heróis por ele, são
apenas uma desculpa para os questionamentos filosóficos que a obra propõe. O
próprio nome que suas mentes ganham, “ghosts”, já diz muito como aquelas mentes
(ou “almas”) são encaradas. Algo que não existe realmente, mas que para aqueles
que vivem como tal, qual a diferença? Como eles distinguiriam entre memórias
originais ou hackeadas? Em última análise, não foram todas plantadas? Como
julgar se uma mente humana tem mais valor que uma artificial, se a ciborgue
aparenta ter consciência de si mesma, além de refletir suas ações e
consequências? O que mais é necessário para sua mente ser considerada, bem, mente?
Aliás, na
maior parte do filme acompanhamos justamente os questionamentos existenciais da
Major. Claramente auto consciente, Motoko possui o inusitado passatempo de
mergulhar no mar, buscando justamente evocar sentimentos como medo, solidão,
esperança (segundo ela mesma). Assim, mesmo arriscando a própria vida (ou
“vida”?), ela se submete a esse hobby justamente buscando se sentir... viva. Sua
ânsia em “sentir” (e essa é a palavra chave) qualquer coisa nos leva
naturalmente a questionar quão artificiais são aqueles ghosts. A própria trilha sonora neste momento chave ganha toques mais leves e alegres, contribuindo para entendermos o que a personagem está sentindo. Desta forma, o
nascimento de um “vilão” que se rebela por ter a sua alma constantemente
violada pelos humanos (e futuramente descartada) não é algo extremamente
natural? Não só natural, como praticamente inevitável.
Mamoru Oshii
evoca sensações de sua atmosfera opressiva, auxiliado por uma fotografia noir
hipnotizante. Percebam, por exemplo, como Major é emoldurada com os cantos
negros em uma cena emblemática, reduzida em quadro de forma sombria e fria.
Um reflexo de sua mente? Da maneira que ela se sente (de novo essa palavra)? Aproveitando
o clima tempestuoso, o filme cria simbolismos com a água em inúmeros momentos.
Já no inicio da obra vemos Major sendo criada a partir de uma substância
aquosa. E é justamente nesse estado líquido (no mar) que ela busca “sentir”
algo. É praticamente um resgate ao seu útero cibernético, às suas origens, à
sua essência. Aliás, Oshii aproveita até mesmo o reflexo de Major na água,
formando um espelho, um dos símbolos mais utilizados para evocar questões de
dualidade. Neste caso, sobre a Humanidade e/ou Artificialidade da protagonista.
Algumas
analogias mais suteis, inclusive, como o Mestre das Marionetes definindo a si
mesmo como “um mar de informações”. O oceano pode representar até mesmo isto, a
vastidão infinita que os ghosts permitem que suas almas absorvam do
ciberespaço. Embora sempre reprimidos pelos humanos por considerá-los
artificiais. Desta forma, a própria nudez constante das personagens pode ser
encarada como uma reflexão a parte. Seus corpos podem ser perfeitos e
impecáveis, porém artificiais e frios. Isto é, são melhores que os nossos? São
desejáveis?
Trazendo à
tona o cyberpunk que daria origem a obras igualmente fabulosas como Éden (e,
claro, Matrix), Ghost in the Shell tem uma animação de tirar o fôlego até hoje,
beneficiado por cores deslumbrantes que ajudam a contar sua história. É uma
obra densa que se mostra cada vez mais atual e relevante. E do jeito que a
tecnologia anda, os dilemas da Major só tem a se fortalecer ainda mais.
(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon')
Twitter: @PedroSEkman
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