Saudações
do Crítico Nippon!
Facilmente
um dos melhores animes do ano, The Promised Neverland é de tirar o fôlego de
minuto a minuto.
(contém
alguns spoilers básicos, mas o mínimo possível)
No
ano de 2045, somos apresentados a um orfanato que abriga crianças com no máximo
12 anos. Conhecemos a Mamãe, encarregada de todas elas, acompanhamos suas
atividades, suas esperanças de serem adotadas, e as provas que as crianças
fazem para medir o que seria uma espécie de QI. As crianças jamais saíram para
o lado de fora, confinadas em uma área com campos e florestas e zonas proibidas
que sempre foram respeitadas por todos. Contudo, logo descobrimos a terrível
verdade junto com os pequenos heróis: o orfanato serve apenas como uma fazenda
para criar alimentos – vulgo, as crianças - para os demônios que governam o
mundo lá fora. Cedo ou tarde, chegará a vez de todos terem uma morte dolorosa
para alimentar estes seres misteriosos.
Dirigido
por Mamoru Kanbe (o mesmo de Elfen Lied \=^_^=/) com uma maestria de dar inveja
a inúmeros animes. Não perdendo um segundo sequer para enrolações, os
protagonistas Emma, Norman e Ray imediatamente começam a elaborar uma série de
planos para fugirem daquele orfanato. O que inicialmente é hilário devido ao
tamanho e a idade do trio (11 anos), proferindo frases complexas como “Com base na tecnologia humana, eles
provavelmente usam ondas de rádio”. Porém, logo nos acostumamos e
mergulhamos de cabeça nas estratégias dos pequenos que deixariam Light Yagami e
Lelouch Lamperouge extremamente orgulhosos.
Justamente
por fazer seus pequenos heróis tão metódicos e perfeccionistas, os obstáculos
vão surgindo um atrás do outro para pôr a prova esta capacidade toda. Primeiro
com o muro além da floresta, a bússola rastreadora, a Irmã assistente,
traidores no grupo, e assim sucessivamente, sem dar qualquer descanso aos
protagonistas. Exigindo o raciocínio rápido de absolutamente todos os
envolvidos, o anime adota um ar sombrio desde o início. Aliás, o primeiro plano
do orfanato, quando sequer sabíamos de nada ainda, o enquadra esmagado por arbustos
em cima e embaixo. Ao invés de nos permitir observar aquela paisagem bonita,
temos uma visão à espreita, como se alguém observasse de longe. Isso gera um
desconforto, mesmo que não saibamos dizer a princípio por quê.
Aliás,
a direção de arte é absolutamente brilhante. Colocando as crianças sempre
iluminadas por lampiões e luzes marcantes, que salientam as sombras ao redor,
ocultando possíveis perigos. E seus corpos diminutos nos corredores sombrios do
orfanato constantemente deixam o espectador grudado na cadeira. Aliás, há um
momento em que a Irmã assistente sai do quarto da Mamãe após uma conversa
dolorosa e ela é enquadrada da mesma forma oprimida que as crianças, seguindo a
lógica maravilhosamente bem. Há
também um dos momentos de maior sofrimento aos heróis, que enquadra Emma absurdamente
espremida entre o vão das escadas, refletindo seu sufoco. A residência, aliás, facilmente adota um aspecto
de cores mal assombrada, seja na noite ou em dias nublados. E mesmo quando
estão conversando de dia, no bosque, a câmera parece se esconder entre os
arbustos, tornando o clima sempre apreensivo. Os sons diegeticos também são
destaque, e há uma longa conversa em um quarto escuro acompanhada por trovões
bem baixinhos (não aqueles óbvios relâmpagos na janela, nada disso) a cena
inteira, salientando o suspense.
Inteligente
ao salientar as diferentes personalidades entre o trio principal, e como um
afeta o outro, Emma, Norman e Ray são complexos e constantemente precisam se
adaptar uns aos outros. Destaque para o confronto entre Ray e Norman no quarto,
intercalando a posição de quem está na frente naquela corrida de interesses.
Ray é repleto de gestos espalhafatosos com as mãos, sugerindo uma instabilidade
emocional que condiz com sua traição; enquanto Norman parece concentrado o
tempo inteiro e praticamente não se move, mas sabemos que suas ideias estão
funcionando a todo vapor. Enquanto Emma surge como a bússola moral do grupo,
querendo salvar todas as crianças pequenas, mesmo que isso dificulte muito mais
as estratégias de fuga do grupo. E ainda consegue fugir do estereótipo de
simplesmente ser a “menina boazinha” do grupo, e é capaz de agir em vários
momentos com coragem e atitudes surpreendentes. Especialmente ao final quando exibe uma liderança formidável.
Repleto
de batalhas intelectuais, reviravoltas e estratégias dentro de estratégias (a
informação falsa sobre a corda escondida para encontrar o traidor, por
exemplo), nunca nada sai exatamente como o planejado. Isso torna The Promised
Neverland deliciosamente imprevisível, em que dá medo de perder alguma
informação crucial só de piscar os olhos. Essa é a maior força deste anime. Conseguindo
colocar até mesmo uma batalha velada entre as adultas que estão do mesmo lado,
contribuindo para as estratégias entre os grupos aflorarem. Chegando nos
episódios finais com revelações absolutamente devastadoras, mostrando o quanto
havíamos sido ludibriados em alguns aspectos (no melhor sentido possível,
claro).
Os
demônios e o mundo lá de fora não importam realmente, são apenas uma desculpa
para apreciarmos os jogos de gato e rato em um local tão limitado. Contudo, no momento em que o anime
resolveu revelar uma espécie de reunião-conselho entre os demônios ao redor de
uma mesa, discutindo como se fossem homens de negócios, foi a imagem mais
ridícula do mundo. E não faz muito sentido se passar em 2045 se usam lampiões à
querosene, utilizam código morse e escrevem com pena (?!?).
The
Promised Neverland encerra com a maestria, inteligência e a tensão que o
acompanhou em todo o percurso. Beneficiado por vilãs e vilões aterrorizantes e
praticamente impossíveis de serem vencidos, a série ainda conseguiu humanizar a
vilã principal de forma surpreendentemente tocante. Incontáveis foram os
momentos em que eu não conseguia respirar. É o Prison Break dos animes e desde
já um dos meus favoritos de todos os tempos.
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