sexta-feira, 14 de junho de 2019

The Great Passage (2016)


Saudações do Crítico Nippon!

Após um dos melhores animes que eu já assisti na vida, precisava conferir o que mais a autora Shion Miura havia feito. E acontece que o anime anterior – este aqui - baseado em seu livro foi igualmente aclamado. E com razão. Conta uma história deliciosamente simples e inusitada: o desenvolvimento de um dicionário. E no processo, nos encantamos pelos seus personagens e pelo desenvolvimento todo desta construção.





“Um dicionário é um navio que navega num oceano de palavras”, alguém define durante o anime. E isso irá ecoar ao longo de toda história. Especialmente com seu protagonista Majime Mitsuya, já surgindo com uma postura curvada, e um apartamento praticamente transbordando livros empilhados. Ele é recrutado pelos editores Matsumoto, Araki e o funcionário Nishioka para ajudar a construir o dicionário A Grande Passagem antes que o sensei se aposente.


Com problemas interpessoais claros de comunicação verbal, Majime enxerga no dicionário a oportunidade de colocar em ordem o caos de seus pensamentos que parecem afogá-lo. Aliás, é interessante que, muitas vezes, o protagonista não ouça as histórias contadas pelos interlocutores, mas apenas as palavras isoladamente, que desencadeiam nele reflexões acerca de seus significados, gêneros, etc. Além disso, a produção é hábil ao demonstrar essas divagações de forma visual.

 
 
The Great Passage nos mergulha (desculpa) completamente no cotidiano daquele universo editorial, revelando anotações quase prosaicas dos veteranos (“confirmar a diferença entre ‘enorme’ e ‘colossal’”). Ou mesmo com a insistência deles em perguntarem aos possíveis candidatos (Majime e, mais tarde, Kishibe) “como você definiria a palavra ‘direita’?”. Também somos apresentados à técnicas minuciosas de revisão como colocar uma marca de círculo ou triângulo nas palavras que aparecem em dicionários concorrentes.

Aliás, os próprios serviços terceirizados são cobrados com a mesma excelência. É incrível o cuidado na espessura do papel para caber mais palavras, sem que a página fique transparente, e mantenha uma boa aderência ao toque. Deste modo, justamente por acompanharmos o perfeccionismo de todos os envolvidos, quando surge um pequeno erro, que provavelmente consideraríamos um pecadilho perdoável, soa algo completamente inaceitável e aterrador. Assim percebemos a força do anime em nos prender naquele universo de cuidados minuciosos.





Com personagens cativantes em sua simplicidade e naturalidade, Nishioka tem um contraste perfeito com Majime, e não hesita em demonstrar sua angústia com a perspectiva de ficar 10 anos trabalhando em um dicionário. O que não diminui em nada sua entrega absoluta ao trabalho e a ajudar Majime a se sentir cada vez mais empoderado naquele meio.


A relação dos rapazes é construída com uma delicadeza admirável. “Vocês respeitam as forças um do outro e se complementam”, alguém os define. E isso ocorre desde o primeiro encontro deles no primeiro episódio. Embora radicalmente contrastantes, suas conversas são sempre longas e produtivas. O anime, claro, também demonstra isso de forma visual, como quando Nishioka avisa sobre sua transferência de setor e Majime já se enxerga afogando novamente em palavras. Para que futuramente, quando estiverem unidos novamente, ambos apareçam no raso. E num terceiro momento, culminem com os pés completamente sob a superfície.



Infelizmente, o mesmo não pode ser dito da relação amorosa do protagonista com a Kaguya. Que soa deslocada, abrupta em sua consolidação e relativamente fria em uma obra tão calorosa. Por outro lado, a novata Kishibe, com poucos episódios a sua disposição, se sai muito bem em cativar o público. Aliás, todos do departamento tem personalidades sólidas e agradáveis, bem como a senhora do prédio do protagonista. E ao vermos Majime tomando as rédeas da edição, soa apenas natural, comprovando a direção impecável do que acompanhamos até então.

Outro exemplo de direção inspirada é quando o personagem aparece se afogando em palavras e ocorre uma transição para este parado em frente a uma chaleira apitando, colocando ênfase no som crescente e refletindo o estado emocional dele. Além disso, a câmera valoriza os cenários da redação e do pequeno prédio em que Majime mora, entendemos perfeitamente a geografia de cada ambiente. Além de contar com uma trilha sonora doce, empolgante e que embala sequências de passagem de tempo de forma magistral.


The Great Passage é um slice of life da melhor qualidade, apresentando a fundo o universo que se propõe e investindo de coração em seus personagens. Não há grandes momentos catárticos, mas assim como Run With the Wind nos deixa sorrindo praticamente o tempo inteiro. Encerramos a construção daquele dicionário nos sentindo verdadeiramente parte daquele processo todo, e incrivelmente orgulhosos.



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