segunda-feira, 19 de março de 2012

Nisemonogatari: Por Quê ele é o Melhor da Temporada?



Bakemonogatari é um dos animes mais controversos que eu já assisti. Alguns enxergam apenas um “show” vazio, onde o atrativo é o jogo de palavras inteligente. Já outros, veem uma crítica e sátira ao gênero. E de fato, é assim. Por mais que o anime anterior não seguisse um roteiro, havia um conteúdo crítico. Nesse sentido, Nisemonogatari (Uma junção de nisemono; "impostor" e monogatari; "história") é um belo espetáculo, mas parece ser vazio. Sim, parece, mas não é. O fato de ser muito mais expositivo e com uma narrativa diferente, causa essa impressão. Penso que o grande “problema” (olha só essas aspas) na narrativa de Bakemonogatari, era ser minimalista demais, já aqui é ser exageradamente maximizado. E como não poderia deixar de ser, tão controverso como o anterior, dividindo opiniões. Sinceramente, eu acho que você pode ou não gostar da abordagem de Nise, assim como preferir a anterior, mas não dá pra simplesmente ignorar a brincadeira proposta.

Nisemono em japonês significa falso; cópia; imitação; espúrio; falsificação; falsificado; farsa. Nisemono ni gochuui [偽物にご注意 Cuidado com as imitações], Sore wa desu nisemono [それは偽物ですIsso é uma cópia]. Então, basicamente, Nisemonogatari é NisiOisin brincando os múltiplos significados do título de sua história. Aliás, o Monogatari series (a série de livros escritos por Nishio Ishin, terminados em “monogatari”) não parece ser algo feito essencialmente para o Shinbo, com toda essa mistura de elementos diversos? Aqui, como em Bakemonogatari, Nishio Ishin novamente quebra a quarta parede através de seus personagens. A chamada quarta parede é o muro imaginário que existe entre os atores e a plateia, e que é responsável por fechar essa espécie de caixa em que uma cena é realizada. A quebra da quarta parede acontece quando os artistas falam diretamente com o público e tomam conhecimento de seu caráter performático.




“As irmãs do fogo da escola secundaria Tsuganoki...Depois que foi formada, a dupla é considerada uma equipe de resgate ou algo como aliadas da justiça, um jogo que ocupa a maior parte do tempo delas. Claro que se você disse isso a elas; [Isso não é um jogo, Nii-chan. Somos aliadas da justiça! Somos a justiça em pessoa, Onii-chan!] Isso é o que elas vão responder. E posso dizer sem nenhuma hesitação, que as ações da Araragi Karen e Araragi Tsukihi,  as irmãs do fogo, são na verdade apenas um jogo. Porque minhas queridas irmãs, vocês duas são impostoras.”
Araragi Kyomi – Episódio 02

Como eu disse, aqui ele se permite brincar com as múltiplas interpretações do titulo de sua obra. É perceptível isso através de seus personagens ao decorrer de todos os episódios, através de concepção do que é falso e verdadeiro. Agora, porque houve uma mudança tão drástica na narrativa? Por que se perdeu tanto a sutileza, quanto as nuances que a série anterior hasteou como uma bandeira? Através das três séries que temos até o momento, animadas ou em processo de animação pela SHAFT baseado nos trabalhos de Nishio Ishin, podemos ver que Kizu [monogatari] atua como um catalizador. Como o próprio nome já diz; Kizu [cicatriz], é o inicio de tudo. Bake [monogatari] é uma construção de harém, ou melhor uma desconstrução sutil (como você enxerga isso? Eu vejo como um sátira, como apontado aqui em meu post).  Aqui temos Araragi cultivando seu jardim [harém] e se tornando o salvador de todos. E como já se mostra pelo significado do titulo [bakemono = monstros/fantasmas], gira em torno da interação de Araragi e as garotas com estranhas anomalias. E Nise [monogatari] é o jogo dos múltiplos.


A Narrativa muda, porque cada livro é uma história diferente, embora situado no mesmo universo. Você pode gostar ou desgostar da abordagem de cada um, a partir disso. Particularmente, vejo a adaptação da SHAFT como excelente. Lendo os resumos dos livros de Nisemonogatari que os fãs postavam no AnimeSuki, a fim de gerar discussões e comparações, foi bem nítido em como a narrativa sempre foi mais erótica e fugaz, e ao mesmo tempo, Ishin brincava com isso. Passei os episódios rindo e também ri dos diálogos do livro. Me faz pensar em como Nisemonogatari está para o cômico e Bakemonogatari como a figura minimalista e crítica. Mas é um humor inteligente, assim como o próprio fanservice se destoa de qualquer outro presente em um anime ecchi convencional. Como já cheguei a comentar no twitter, acredito que uma mídia em vídeo, acaba tirando parte da subjetividade do texto. Enquanto no livro você pode apenas imaginar, aqui o Shinbo precisa transformar isso em algo real para ser absorvido. Não acho que houve algum excesso ou mudança pensada (“olha, vamos pegar Nise e injetar bastante fanservice pra vender”) por parte da SHAFT. Curti a interpretação dada, assim como gostei da interpretação dada por Shinbo em Bake, sendo este algo minimamente mais obscuro que o divertido Nise. Caranguejo Hitagi foi vítima de uma farsa e viva seu drama familiar. Macaco Suruga tinha que conviver com seu braço demoníaco e seus instintos, tentando até mesmo matar Araragi. 

E assim vai. Já em Nise os conflitos são bem mais simples. Em Karen Bee, uma doença que é uma farsa e desaparecerá por si mesma. Em Tsukihi Phoenix, um ser mítico e imortal. Apenas conviva com isso. Então, por isso acredito que descentralização nos conflitos dos personagens em prol da ideia, cheia de muito blá blá blá e exposição fetichista (que sempre se fará presente nas histórias escritas por Isin), é algo válido em um produto que funciona como uma ponte para o restante da história. Parafraseando o titulo do filme Tropa de Elite 2: “O Inimigo Agora É Outro”, a brincadeira agora é outra. Acho que dá pra dizer que a indústria do entretenimento japonês, de certo ponto acaba girando em torno da cultura otaku. Com isso temos a batida formula da reutilização daquilo que está dando certo. É algo obvio não apenas no mundo do show business, sempre seguir a formula do que está dando certo. Por isso as novelas das Globo parecem tão iguais. O gênero harém é o maior expositivo disso, com reutilização a exaustação de arquétipos e situações comuns. Afinal, precisa vender pra sobreviver no mercado. Se anteriormente vemos a construção do harém e a sátira implícita no roteiro a tudo isso, agora nos vemos a imitação disso tudo.



Então, Nisio Isin quebra a quarta parede ao se mostrar ciente que sua obra é apenas mais uma cópia, de várias outras que seguem uma formula e expõe sua ideia de forma metafórica, através dos diálogos entre os personagens de uma forma que satiriza todo o teor presente no subtexto da obra. Vamos pegar como exemplo o episódio 02, que eu assisti novamente só pra ter mais embasamento pra falar. O Araragi pega um dos livros de Sugura e diz que poderia jogar aquilo fora; “Vou separar como lixo inflamável”. Ao qual ela diz: “Araragi-sempai, isso não é lixo. Pode ser velho, mas preciso dele.” E ele retruca: “Mas todos esses parecem tão iguais, você pode dizer a diferença quando os lê?”. Suruga: “Claro, para quem não está acostumado com algo, tudo parece igual. Conhecimento e educação são necessários para julgar uma coisa apropriadamente”. Araragi: “Não achei que você gostasse disso. Eu só achei que você gostava porque são bonitos. Talvez você não seja mesmo uma grande pervertida”.




As conversas metafóricas dos personagens extrapolam o campo da metafisica e imprimem na narrativa, de uma forma meio reflexiva, esses conceitos de cópia e farsa. O próprio episódio 11 tem muito disso, nos diálogos entre Araragi e Kagenui e o fato de sua irmã mais nova ser uma farsa e todo o empenho de Araragi em mostrar que ela é importante, não importa o quê. No episódio 5 tem mais um dialogo que quebra a quarta parece e que cabe de exemplo aqui: Karen: “Você está causando uma tremenda confusão”. Kaiki: “Eu estou dando a vocês o que vocês estão pedindo. Como vocês vão usar, não é minha responsabilidade”. Karen: “Como não? Você está arruinando o relacionamento das pessoas. O que pretende com isso?”. Kaiki: “Estou fazendo isos por dinheiro, é obvio”. Karen: “Dinheiro?”. Kaiki: “Dinheiro faz o mundo girar”. Karen: “Você não tem vergonha de vender essas coisas?”. Kaiki: “Não. Crianças são fáceis de enganar. Só isso. Mas, Araragi, se você quiser me parar, socos e chutes vão ser inúteis. O jeito mais fácil seria trazer mais dinheiro”.



[Além dos divertidos lapsos de língua da Hachikuji, dá pra perceber em diversos episódios onde ela aparece, a brincadeira envolto sobre o conceito de mainstream, produto que vende. Sejam em suas saias se levantando, como uma provocação ao espectador, mas não mostrando nada e atiçando a curiosidade ou nas "brincadeiras" envolvendo ela e Araragi. "Hachikuji, me deixa ver sua calçinha?"]



A forma de o Nisio Isin raciocinar e usar isso através dos seus personagens, brincando com uma situação real, é incrível. Se em Bakemonogatari ele brinca com os arquétipos e clichês da indústria (ãhn? Uma Yandere, tsunderando? Uma lésbica fujoshi? Araragi brincando com o seu lado lolicon com a garota caracol?), aqui ele brinca com a indústria e com os que a criticam. Afinal, tudo gira em torno do dinheiro. O nosso vilão, que é um farsante, está gerando um grande fluxo de receita através de meios discutíveis, explorando um pequeno grupo de pessoas com várias imitações. Ele está dando o que eles querem. É quase uma indústria X otakus X o que é considerado culto. O vilão farsante que engana o espectador é a indústria. Por outro lado, o espectador também é fake. Mas e as grandes obras? Se quiserem fazer frente, precisam trazer dinheiro. Simples. Nisemonogatari pode não ser tão substancial quanto seu antecessor, mas é tão incrível quanto, por se permitir dialogar com o espectador de uma forma tão maximizada e sem os retoques e maquiagens de Bakemonogatari. Afinal, tudo parece igual, quando não estamos familiarizados com aquilo.

Quem assistiu Katanagatari, Bakemonogatari e teve a oportunidade de ler o livro de Kizumonogatari (que se encontra completamente traduzido na net), percebe que o Isin adora usar as convenções de um gênero em particular para subvertê-los com fins cômicos, fetichistas e temáticos (pode se encarar como crítica, provocação, exercício reflexivo ou que melhor te convier). A dissimulação dos personagens é incrível. Talvez por isso, Senjougahara seja tão querida. Aliás, ela também é uma grande farsa, não é mesmo? Seu interior nada do que ela aparenta externamente. Somos todos uma grande farsa?



Bem, opinião dada; quero terminar comentando sobre o anime em si e algumas particularidades. Não acho que o fanservice tenha arruinado o grande espetáculo visual que foi Nisemonogatari. Obviamente, quem tem aversão a esse artificio, se sentirá incomodado, o que é perfeitamente entendível. Simplesmente não há o que fazer. Mas não se pode encarar o fanservice como demérito, mas especialmente no caso de Nise, como um acréscimo na narrativa. Vejo como algo estritamente necessário, para se passar a ideia central do mote da série. Acredito que seja chover no molhado a essa atura, dizer que Nise é muito superior, ao menos esteticamente, à Bakemonogatari. Isso se faz notar pela ausência daqueles quadros irritantes, que sim, é uma alternativa original de ir contra ao baixo orçamento que a primeira série teve (e Shinbo merece palmas por ter feito um espetáculo visual como aquele, sem os recursos que encontrou para fazer a sequência. E isso faz dele um dos melhores diretores vivos que temos atualmente, que trabalha com produtos de massa vinculados a tv), quadros brancos, quadros estáticos e repetições no estilo “Shinbiano” de trabalhar. A Animação em Nise é espetacular, suave e consistente. E recursos, permitiu a Shinbo brincar ainda mais, transformando o cenário visual no anime extremamente imaginativo e criativo.

 Se não fosse o suficiente, ainda o temos em seu melhor momento, afiadíssimo na direção. Algumas cena de Nise são memoráveis, mesmo as mais irrelevantes e bobocas. Entre tantos fakes presentes nesse anime, destaque para Deishuu Kaiki, um vampiro pensadamente estereotipado, incluindo ai os grandes caninos, que mais parece uma das várias encarnações do Conde Drácula para o cinema. E o cenário em que ele aparece pela primeira vez também é belíssimo. O fato da Hitagi ter tido uma leve queda por ele, e o assumidamente confronto visual entre Kaiki e Araragi, talvez tenha sido articulado por Shinbo para passar justamente isso; a ideia de diferença entre falso e real, entre os dois (sendo o Koyomi, a figura real).



Mesmo a grande bobagem criativa que foi o episódio com a famosa e emblemática cena da escovação de dentes. Eu me diverti com aquilo pra valer, ao ponto de me sentir uma boba por estar rindo desenfreadamente de algo como aquilo. Lendo comentários a respeito, vi que diziam que a Karen tinha tido uma orgasmo ao final, bem, eu não reparei da primeira vez, mas faz se notar que é possível. Porém, ao fim do anime, fica implícito que Karen não faz parte do Harém de Araragi Koyomi, nem mesmo a Tsukihi. Nadeko e Tsubasa continuam a serem as únicas concorrentes de Senjougahara-sama, com o véu caindo e sendo desfeito a farsa em torno de Nisemonogatari. O episódio final joga que o aspecto de harém (envolvendo suas irmãzinhas) é apresentado como uma ilusão, uma farsa, fake total. Por isso animes nonsenses conseguem ser tão incríveis, por ao mesmo tempo que é, também não é. 

A cena da escovação de dentes não vai ser esquecida, mas pode ser ignorada. Ou talvez não. Explico: acredito que muitas coisas tenham passado despercebido por muitos, inclusive eu. Como referências e algumas metáforas um pouco ininteligíveis para muitos de nós. Fiquei completamente embasbacada ao ler comentários dos gringos, que mostravam que na cena da escovação de dentes, havia escondido uma referência ao filme Laranja Mecânica. A alusão ao clássico e emblemático filme de Stanley Kubrick (que pode ser tido como “obrigação” de ser assistido por qualquer individuo) é com relação à famosa cena da cadeira, onde o personagem Alex DeLarge é torturado. O personagem que é comete crimes como, estupros e ultraviolência, junto com sua gang, reaparece em Araragi, por cima de sua indefesa imouto, à violando. Há a mistura de musica incidental, assim como a famosa pestana do Alex em torno do olho de Araragi. Aquilo tudo foi hiper sexualizado e é bom saber que por trás do estético, há todo um contexto. Inocente, Araragi é completamente inocente, assim como Alex (por favor, estou sendo irônica).

[Otakus curtem siscom. Dai a eles, fanservice e vamos faturar]





[Não importa se é uma farsa, tudo fake e que será desmentindo depois. É isso que eles querem ver]




[E agora o momento ALEX LARANJA MECÂNICA. Ele é inocente, jamais sentiria prazer com sua imouto. Isso tudo é farsa. Pronto, assim como o Araragi e a Karen, você gozaram? Mentalmente ou fisicamente? Afinal, sendo falso ou não, ainda está ali e é o que você quer ver]






Aliás, já que estamos falando de referências, que tal o do terceiro episódio, onde há uma homenagem ao clássico do Cyberpunk, Akira? Essa também eu não peguei de primeiro, só depois que vi comentários dos gringos, no AnimeSuki.



 Na cena, há três rastros de poeira e formação de faíscas verde-amarelos. Bem, não há muito mais o que comentar. Simplesmente, não consigo ver como demérito, o que a metade dos espectadores do anime, aponta criticamente. Considero como um espetáculo honesto e coeso do inicio ao fim. Para os que não leram o livro de Kizumonogatari (que será lançado ainda este ano, pela SHAFT, como filme), certamente devem ter se sentido um pouco perdidos na cena de batalha envolvendo Shinobu, Araragi e a onmyouji Kagenui e sua ferramenta, Yotsugi. Poderia ser mais claro, mas se percebe que é completamente Kizumonogatari-like e a correlação entre idade e nível de poder de Shinobu, é explicada devidamente na obra que originou tudo isso.

[Sim. Mulheres também compram. Têm dinheiro. Têm fantasias e se masturbam]



E bom, muita coisa deve ter passado despercebida, mas é por isso que nós adoramos a franquia Monogatari e seus trocadilhos e jogos de palavras, que é basicamente o Nisio Ishiin se divertindo e provocando o espectador.  E claro, o Shinbo, que é a pessoa que traduz tudo pra nós, através de imagens e muita criatividade. Ele também se diverte, obviamente, já que aqui ele pode usar toda sua criatividade, sem se conter. A essência surrealista das obras de Nisio Ishin encontra o seu verdadeiro lar no SHAFT, onde um parece ter sido feito para o outro, tamanha afinidade. E em Nisemonogatari, vimos um grande espetáculo, um show incrível de conceitos de alta cultura e audiência mainstream. Sinceramente, não é qualquer estúdio capaz de mesclar esses conceitos heterogêneos, com arte surrealista e personagens quebrando a quarta parede ao dizer: “Só estou atendendo a demanda do consumidor”. E é exatamente por isso, que Nisemonogatari destoa de todos os animes que foram vinculados juntamente com ele na Temporada de Primavera, assim como nas outras. Com isso, digo que Nisemonogatari merece uma boa nota e ser ostentado como um dos melhores animes da temporada, por não se permitir repetir a formula usada em Bakemonogatari, uma formula que fez sucesso (apesar de que Monogatari sempre irá dividir opiniões) e vendeu tanto. Claro, com a narrativa usada aqui, a tendência é que venda ainda mais, afinal, tire todas as subcamadas, trocadilhos e diálogos inteligentes e o que vai sobrar, é justamente o que o publico quer. E nisso, Nise oferece bem mais que Bake. De qualquer forma, não tira o teor analítico e estrutural da obra. E não me façam ficar platinum nervosa e nem tsunderar aqui. Ficar tsunderando é muito clichê e repetitivo, então, deem sua opinião também. Essa é a minha.

[E se não leram, vejam minha resenha sobre Bakemonogatari e comentários vagos sobre a SHAFT e o Shinbo]