Space Brothers (Uchuu
Kyoudai) conta a história de dois irmãos, Mutta e Hibito. Quando crianças,
os dois prometeram um ao outro, que viraram astronautas, um explorando a Lua e
o outro, Marte. Agora, em 2025, Hibito seguiu seu sonho e se tornou um dos
poucos pilotos japoneses a ingressar numa missão da NASA, à lua. Ao contrário
do irmão, Mutta se formou em engenharia mecânica, sendo capaz de brilhar na sua
área de atuação, onde desenvolveu diversosdesigners premiados de automóveis. Aqui, nós temos não apenas o plot básico
da história, como também o espirito japonês embutido em Mutta.
Um ponto a se destacar, é a rivalidade dos irmãos. Mutta,
como o mais velho, sempre quis estar um passo a frente do irmão caçula: Se
Hibito se metia em alguma encrenca, Mutta sempre tratava de tomar a
responsabilidade. Quando Hibito diz que seu sonho é pisar na lua, Mutta
imediatamente mira num alvo além, no caso, marte. Só que o tempo passou, e
Mutta não conseguiu acompanhar os passos do irmão, se tornando um assalariado.
Seguir uma carreira convencional é o mais comum, quando se trata do competitivo
Japão. Afinal, o homem precisa de um emprego com renda estável, capaz de suprir
as necessidades de sua família. É um conceito mundial, mas que no Japão, é
encarado de forma ainda mais extremista, onde desde pequenos, já são expostos a
essa competividade. Se o homem não tem uma carreira, as chances de ele
conseguir uma esposa são mínimas. Muito se fala do machismo do homem japonês,
mas a própria mulher, já se acostumou a ser uma figura subserviente.
Ao contrário do ocidente, que é mais liberal e expansivo, e
a pressão é menor. Com uma sociedade tão reprimida, é completamente natural que
o povo japonês procure uma fuga drástica dessa realidade. E é aqui, que vem avalanche
de personagens carismáticos de desenhos caricaturais, sem muita preocupação com
o realismo. Os americanos buscam no tom de deboche dos sitcoms (acho que os Simpsons, são o melhor
expoente disso ou ao menos, o exemplo mais conhecido), um alívio para o “american way of life”. Os japoneses
parecem buscar no sonho e alienação. Se me perguntarem qual a diferença entre
um K-on! e um Space Brothers, eu
digo que a diferença gritante está na estrutura narrativa. Este tem uma
história linear para ser contada, enquanto K-on! é o completo vazio (e é bom no que se propõe). Porém,
ambos não possuem compromisso algum com a realidade. Space Brothers é
intencionalmente fantasioso e trata de forma superficial, à temática do homem a
lua, pra fazer uma apologia ao sonho e ao trabalho duro pra realizar esse
objetivo.
E Space Brothers, tem um horário adequado de exibição [o
horário nobre/caro japonês], que mira exatamente no espectador comum. E apesar
da baixa audiência para o horário [o anime tem uma média de exibição, de 3
pontos, variando um pouco pra mais, ora um pouco pra menos], cumpre seu papel
de merchandising para o live action (e o
mangá) – e expõe o papel do anime atualmente, de ser [apenas] um
subproduto. Mas o ponto que eu quero levantar, não é esse. Space Brothers é
muito divertido, mesmo sendo exageradamente inocente, possui uma técnica
espantosa e um roteiro divertido e tenso – E muito disso se deve a excelente
escolha de Ayumu Watanabe (o homem por
trás das animações do clássico e popular, Doraemon). Quando escrevi minhas
expectativas para os animes da Spring2012, eu comentei: “se ficou tanto tempo com uma série tão
prestigiada no Japão, como Doraemon, é porque fez um bom serviço” e
agora, parece até ser uma escolha obvia para dirigir algo à sociedade e não
apenas, ao nicho. Curiosamente, ele também é diretor de Nazo no Kanojo X, uma otakice, onde ele demonstra uma técnica e
tanto na execução da série.
Eu não sei como é o mangá, mas o fato é que, Ayumu Watanabe
consegue pegar algo simples, e fazer o espectador vibrar com aquilo, se
importar com os fatos que estão ocorrendo. E sinceramente, até aqui, Space
Brothers se mostrou muito previsível, mas a narrativa é tão boa, que você não
se importa, você sente a tensão do mesmo jeito. Até o atual momento, foram
exibidos oito episódios, que parece formar um pequeno arco, que acompanha de
perto, o tombo e a volta por cima de Mutta. Ele se esqueceu do seu sonho,
seguindo pelo caminho que lhe pareceu mais fácil e seguro, e com 32 anos, levou
um chute da vida ao ser demitido do emprego. Volta com todas as suas
tranqueiras para a cada dos pais. Apesar da idade avançada, ele tem um
currículo brilhante, porém, o fato de ter
agredido o seu superior com uma cabeçada [no melhor estilo Zidani, não lhe dá boas referências e num país como o
Japão, achar um emprego a altura, nessas condições parece impossível. O que
acontece, é o mais provável: sua auto estima que já não parecia ser tão grande
assim, simplesmente desmorona, e ter
que conviver com todo mundo o lembrando que ele é o irmão mais velho do
talentosíssimo Mutta, parece mais uma faca atolada no peito, onde cada um vez e
dá mais uma batidinha nela.
“Hibito, você cumpriu o seu sonho... Um irmão mais velho
deve ficar sempre à frente do seu irmãozinho. Mas de alguma forma, um
irmãozinho sempre fica à frente de mim! O que...o que eu tenho feito até hoje
na minha vida?”
“Hê, que ironia.. eles estão me colocando na rua e como
presente, vou ser levado pelo carro que eu projetei”
Um dramalhão, né? Errado. Space Brothers é irônico, Mutta é
um fodido e azarado na vida, mas extremamente bem humorado e esperançoso. O
anime é feito na medida, para aquele cidadão, que depois de um dia exaustivo,
quer assistir algo leve e agradável. E novamente, a direção é determinante em
pontuar isso na adaptação. O primeiro episódio, onde Mutta acabara de ser
demitido, e na porta do emprego, é pego por um carro que ele desenvolveu o
designer, é impagável: “Eu tenho uma última palavra de conselho pra
vocês crianças...não, em nenhum circunstância, deem uma cabeçada no seu
superior, como eu fiz” – É uma cena que quebra toda a tensão e Space
Brothers, está repleta delas. Essa mistura de melancolia e comicidade é algo
que trás a série pra bem mais próximo de nós, do que, por exemplo, um Chihayafuru, que trata das raízes
japonesas. Ao contrário deste, Space Brothers, tem um pé no Japão, e outro no
ocidente (literalmente). Esta
influência está, desde as referências ocidentais, até a trilha sonora que tem
um feeling muito americano [a OST lembra bastante algumas comédias de situações
e as músicas temas, tem a alma do rock britânico]. O character designer é bem
próximo do cartoon, algo comum no Japão dos anos 60 aos 90, onde cada
personagem tem sua característica. Se o Mutta é feio e tem um cabelo como
aquele, Hibito já é mais bonito e com um traço mais fino. E olhem só, eles tem
narizes (RISOS, RSRSRS), e o
fanservice é praticamente ausente. O único que eu notei até agora, é o romance,
que é uma pontinha de nada dentro da
trama e que, a audiência agradece.
E traço das personagens, é algo que caminha lado a lado com
a história. As expressões faciais, gestuais, as gags, expressam o que o roteiro
não consegue. O que eu quero dizer, é que o humor de Space Brothers, é
subjetivo. É um humor de situação, onde a graça está em situações corriqueiras
do dia a dia. Eu olho para o Mutta, e vejo nele o Mr. Bean (eu nunca assisti, mas já peguei alguns trechos, que são sensacionais) –
Ainda que o contexto não seja engraçado, os trejeitos da personagem são
hilariantes.
Créditos a Hiroaki Hirata. Se alguém ainda tem dúvidas de
que, um dublador também é um ator, que ele também precisar atuar e convencer a
plateia, vestir o personagem e interpretar de verdade, Hiroaki Hirata prova que
todas essas habilidades são necessárias pra imprimir o carisma que o personagem
requer. Alguém se lembra dele? Ele fez o Kotetsu T. Kaburagi (Wild Tiger) em Tiger & Bunny. Este
que por sua vez, é bastante similar a Mutta, seja em carisma, simpatia ou o
fato dos dois serem personagens perdedores, perante a sociedade. Atuação
brilhante e que, marcou esses personagens. Seu timbre de voz, juntamente com a
boa animação nas expressões dessas personagens, passa bastante sinceridade e
ajudam a dar vida, a algo que já nasceu revestido de certa personalidade.
Personagens carismáticos podem não ser uma condição vital para o sucesso de uma
obra, mas é essencial para fazer que o espectador se identifique ou que
facilite sua imersão e vinculo emocional com a história que está sendo contada.
No chão, Mutta recebe a oportunidade de sua vida, que é
participar de uma seleção pra um programa da NASA, para treinamento de
astronauta. O sonho que parecia impossível bate a sua porta, apesar de sua
idade avançada. Mutta quer agarra-lo, competir mais uma vez com Hibito e ser
reconhecido, não como o irmão do astronauta japonês, mas por suas próprias
qualidades. Porém, Mutta é bem humano, comete erros, tem anseios, mas encontra
na baixa estima uma forte rival. O grande inimigo de Mutta, ao invés da vida,
acaba sendo ele mesmo. Até aqui, este tem isso um ponto brilhante do roteiro.
Todos acreditam em Mutta e seu potencial, menos ele próprio, mas mesmo que não
se sinta confiante, ele ainda consegue ser bem humorado e rir das próprias
desgraças. Certamente fizeram um bom trabalho com relação a isso. Se o Mutta
não fosse tão identificável e fácil de digerir, Space Brothers estaria com
sérios problemas, tendo em vista que até aqui, a história é contada quase que
unicamente, pela sua perspectiva. Aliás, essa técnica narrativa, quando há dois
personagens centrais, me agrada bastante – Nana,
de Ai Yazawa, desenvolve isso de forma incrível (falo do mangá), onde metade da história é sob a perspectiva de
apenas uma personagem, enquanto a outra metade trás outra visão sob um novo
ponto de vista.
Fato a se destacar, é em como a Yazawa foi mestre em
misturar presente e passado, diferentes linhas da história, de uma forma
competente. Space Brothers é perspicaz nisso também. Consegue unir o flashbacks
aos fatos que estão ocorrendo no presente, com maestria. A história é muito
voltada para o interior de Mutta, a narrativa te permite ver o que ele está
sentindo – Do episódio um, ao oito, suas emoções foram como uma montanha russa,
subindo e descendo numa intensidade impressionante. No episódio seis, já em Houston,
depois de ser convidado por Hibito há passar uns dias na cidade americana,
Mutta passa a sofrer uma forte pressão. E a incerteza de não saber se passou ou
não nos testes da JAXA, o faz ele perder completamente a naturalidade na frente
do irmão. Hibito quer saber o que está acontecendo, mas Mutta não tem a coragem
de dizer que, provavelmente não irá passar nos testes preliminares, diante a
empolgação do irmão. Ele vai guardando tudo aquilo dentro si e quando está Johnson
Space Center, a cena onde ele se impulsiona no elástico e solta um grito
desesperado, foi fantástica e expressa toda aquela pressão que Mutta vinha
recebendo de seus pais, da sociedade e do seu irmão, com todos confiantes,
enquanto ele tinha a certeza de que não iria se sair bem. Para mim, foi um
estouro surpreendente.
Space Brothers tem uma animação padrão [e muito fluida, não
poderia se esperar menos do A1-Pictures, embora seja algo bem diferente do que
já fizeram anteriormente], um cenário que não se destaca tanto, mas que combina
com a narrativa, que é forte sem ser densa. Nesse aspecto, me lembra de Nodame
Cantabile, ou até mesmo Honey & Clover, que se destacam pela execução e
roteiro. A execução é cinematográfica, e repleta de grandes pequenos momentos.
São nesses pequenos momentos, em que o anime realmente brilha. Novamente
citando Nodame Cantabile e Honey & Honey, que são repletos desses “pequenos
momentos”, situações te fazem sentir uma vibe pulsante, uma cólera do dragão
queimando dentro de si, que explode em um sorriso de plena satisfação. Em vários momentos, me peguei sorrindo, com um sorriso gigante no rosto ou dizendo mentalmente "Mutta! Mutta! Mutta!". Talvez Space Brothers não se torne tão marcante quanto estes
dois, mas têm tudo pra ser uma ótima história de 50 [e tantos] episódios, como
nos velhos tempos que animes tinham uma longa duração, e havia tempo para se
trabalhar roteiros de grande potencial (oi,
Zetman).
Não é todos os episódios que possuem esse “quê” a mais, esse
tempero que te faz saltitar feito um pônei maldito, mas em sua maioria, tem
sido altamente satisfatório. Inclusive, até aqui, já contando com uma
infinidade momentos marcantes. Essa mudança de passado e presente, onde mesmo
na quase ausência até então de Hibito, podemos ver como eles eram quando
crianças. Seus sonhos e afinidade um com o outro, que dão um impacto e tanto
nas cenas do presente. Num desses flashbacks, temos os dois visitando a JAXA (basicamente, um centro de treinamento e
palestras, uma filial japonesa da NASA), onde eles brincam pelo local,
assistem todas palestras e se tornam conhecidos pelos funcionários – São
sequências belíssimas que acabam se interligando, com outros momentos do
presente, e envolvendo diferentes personagens. Por exemplo, quando a paixão
momentânea e platônica de Mutta, Serika,
o pega no flagra, abraçando uma roupa espacial que estava em exposição. É mixed
feelings total, impossível não rir da vergonha que o Mutta passa, mas também,
não tem como não se emocionar com o que ele estava sentindo, ao ver aquela
roupa e se lembrar do passado, onde quando criança fez o mesmo gesto.
Contextualmente é sútil e intenso ao mesmo tempo. A forma como o gesto de
Mutta, impacta Serika, e a faz recordar da infância, e mais tarde repetir o
que ele fez, abraçando a roupa, é incrível.
Mais disso, podemos ver no episódio sete, onde Mutta corre o
risco de ser desclassificado, mas um dos votantes que se lembra claramente dele
e de seu irmão, ainda moleques e assistindo uma palestra num auditório vazio, o
defende, por enxergar nele o seu velho sonho que infelizmente, não se tornou
realidade. São cenas repletas de tensão, impactantes, revestidas de nostalgia,
mas que são entregues a nós, de uma forma leve e gostosa de digerir. É previsível,
você sabe que a história é longa, que essa é apenas a primeira fase que Mutta,
precisa ingressar na JAXA, ou então a narrativa perde o seu proposito. Porém, é
uma situação que dá um nervosismo, por esse “show” ser incrivelmente
envolvente. O desfecho desse pequeno arco, no mostra mais uma vez, o quão
azarado é Mutta, mas que mesmo nas situações mais indesejáveis, é importante
manter certo otimismo. Space Brothers é apologia ao sonho, mas também a
perseverança. Mutta se envolve em um acidente e por um mal entendido, ele acaba
sendo considerado herói. Com o seu jeitinho “brasileiro/ocidental de ser”, ele
se aproveita disso, pra se mostrar diante de todos. Claro, ele não é bobo,
porém, sua consciência dói, por ele achar que conseguiu aquele status, por pura
sorte e conveniência. É quando lhe é dito que: “Sorte é o que você, consegue
fazer”. Space Brothers é uma verdadeira cartilha, de sobrevivência na
competitiva selva de pedra. Até mesmo a sorte, precisa de uma mãozinha, pra
fazer acontecer. E que venham mais episódios fantásticos, FEEL SO MOOOONN.