sexta-feira, 22 de junho de 2012

Vendemiaire no Tsubasa: O Início De Mohiro Kitoh Como Autor Séries Psicológicas


Mohiro Kitoh é conhecido por explorar exaustivamente o lado psicológico em suas histórias, que possuem como característica, o aspecto trágico. Tem como tema de todas as suas histórias, a crueldade humana e suas vulnerabilidades – Mas é em sua abordagem, que ele se diferencia de autores como Lynn Okamoto, que não é conhecido por suas sutilezas.

Uma série como Naru Taru por exemplo, onde um grupo de meninas de 11 anos enfia um vidro de ensaio na vagina da outra, além de pisarem em seu estômago, é desenvolvida aqui de forma natural pelas mãos habilidosas de Kitoh. Com suas histórias permeadas de violência gráfica e sexo, envolvendo quase sempre crianças – Esses elementos acabam se tornando um meio e não o fim. O que me atraiu em suas histórias foi sem dúvidas a forma como ele retrata a natureza humana. Ele pode ter dois personagens iguais, que agem perfeitamente iguais (como podemos ver em Vandemiairu) mas lhes dar razões diferentes para os mesmos, assim como estes personagens podem estar nas mesmas situações e agir de forma diferente.

Ainda que haja bastantes elementos de fantasia em suas histórias, as expressões e atitudes dos personagens soam como sendo muito reais. Isso graças a sutileza com que ele ilustra isso. Seu traçado é simples, suas personagens não possuem curvas estonteantes, nem grandes atrativos sexuais. O que é bem típico do Kitoh; não se preocupar com aspectos estilísticos, mas apesar disso, sempre trazer um tom realístico impregnado no roteiro fantasioso com crianças em corpos delgados, lidando com assuntos do mundo adulto.

Ainda que Kitoh seja um “monstro” dos quadrinhos, com histórias repletas de tensão e brutalidade, com sangue e tripas voando e manchando as páginas – Ou sem a violência gráfica, mas ainda apresentando um show de tortura e brutalidade psicológica, ele também consegue produzir coisas bem mais intimistas e tranquilas, algo mais voltado para o cotidiano como se vê em algumas de suas histórias curtas.

Kitoh, como a maioria de seus colegas mangakás, se expõe bem pouco, assim como também como muitos começou fazendo histórias curtas para antologias shounens. Sua primeira história foi Zansho - Summer Heat, que calma como uma pequena maré que deságua na praia, traz com toda a delicadeza uma insinuante história sobre incesto – Que foi publicada na Shounen Sunday da editora Shogakukan em 1987, ainda sob o pseudônimo de “Tomohiro Kito”. Em 2004, Zensho ganharia uma versão encadernada contando com todas as histórias curtas do autor publicadas em anos anteriores nas revistas da editora. Depois da curta história de Zensho, levaria alguns anos até ele publicar Sanchome Kosaten Denshinbashira no Ue no Kanojo, em 1994 na Shounen Champion, mas dessa vez sob um novo pseudônimo; “Shiji Kito”.

Em 2008 ele começa o violento thriller protagonizado por crianças pré-púberes; Naru Taru, conhecido pela galera como o “Pokémon do mal”. O mangá de 10 volumes concluído em 2003, ganhou uma polêmica versão em anime pelo desconhecido estúdio Planet, para o canal de TV Kids Station. Espantoso, claro, afinal o conteúdo de Natu Taru é fortíssimo por si só, imagine vinculado numa grade infantil da sempre puritana TV aberta japonesa. Deu o que falar e com razão. Mesmo anos depois, quando Tsubasa Reservoir Chronicle foi ao ar na estatal NHK (o mesmo canal que exibiu originalmente Sakura Card Captor), acabou por ser cancelado depois de segunda temporada, devido ao teor de violência que a história do grupo CLAMP, havia alcançado em sua reta final, ainda que nem se aproximava do show de brutalidade de Naru Taru. O mangá que começou a ser lançado nos EUA, obviamente logo foi cancelado quando os editores perceberam que não se tratava de uma história nada infantil. A história sobre delinquência juvenil, veio adaptada pelas mãos do sempre ótimo e afiado Chiaki Konaka, que também nos trouxe os cultuados Big O, Serial Experiments Lain e Texhnolyze. Naru Taru também tem sua pegada cult, ou pseudo-cult como preferirem, com uma história onde crianças descobrem bichinhos de olhos enormes, que podem, além de se transformarem em qualquer coisa que o dono queira, transmitir e receber sensações. Os bichinhos possuem aparência fofa e a própria abertura do anime, tem um feeling bem infantil. O problema começa quando crianças delinquentes e sociopatas também adquirem as estranhas criaturinhas. Foi com esse anime que eu me descobri apaixonada por Kitoh, pois depois de assistir uma história tão densa, quis pegar o original e acabei descobrindo um universo extremamente interessante traçado pelo autor.

Em 2003 ele começa sua série mais famosa; Bokurano. Eu demorei um pouco pra descobri este, que apesar de sempre ouvir falar e ser recomendado por ai, acabei não prestando atenção no nome do autor. Daí foi um choque quando descobri que se tratava do mesmo mangaká! Apesar de ainda (até o presente momento que escrevo este post) estar lendo este mangá, realmente já é perceptível se tratar mais muito mais sobre a psicologia humana do que propriamente sobre mechas, como comentado pelo Mangás Undergrounds e reafirmado pela @Josi em seu post no Nahel Argama. Dizem as más línguas que Bokurano é uma versão mais eficiente e desconhecida do que foi Evangelion – Não cabe agora entrar nesse mérito, mas sim, a série consegue quebrar a ideia que temos internamente do que é um robô gigante pilotado por uma criança.


Apesar de Kitoh ter sido proibido pelos editores da Shogakukan de publicar o epílogo da série, pra evitar polêmica pelo seu teor de violência, Bokurano como um todo é uma série bem fácil de ser digerida pelo público médio, por não ser tão violenta e sem muito derramamento de sangue, ainda que bem forte psicologicamente.

Porém, ele só passou a assinar como Mohiro Kitoh, em 1996 com sua terceira história publicada; Vendemiaire no Miigite. De 96 à meados de 98, ele publicou vários desses contos para a antologia Afternoon, da editora Kodansha. Ao todo, Vendemiaire no Tsubasa possui 8 contos adoraveis distribuidos entre os seus 2 volumes. Vendemiaire são seres artificiais, possuem asas mas não são anjos, já que possuem um corpo mecânico, porém também não são máquinas, pos elas possuem almas. Só que não são humanas. Elas possuem uma aparência frágil, mas por outro lado, são imortais.

Em cada uma dessas histórias entrelaçadas, que ora se ligam uma à outra, ora se distiguem completamente, se passam em um mundo bem ao estilo da Europa do inicio do século 20, com seus veículos típicos, onde os aviões ainda eram uma novidade encantadora e os balões ainda tinham um espaço no céu como veículos dirigiveis. Essas histórias que vagamente se relacionam entre si, onde temos uma boneca chamada Vendemiaire [que vem à vida pelas mãos de algum homem, na maioria das vezes, mal intencionado e a escravizando] se relacionando – nem sempre sexualmente ou romanticamente - com algum garoto. Geralmente eles tentam obter a liberdade de Vendemiaire, que ora tem asas brancas, ora negras. Ora é doce e gentil, ora geniosa e manipuladora. Sempre temos aviões simbolizando a liberdade idealizada pelos homens e numa época de revolução indústrial, os homens ainda nutriam um sentimento bem forte de dominar os ares – Uma época onde se tentava voar com asas falsas [que levava o sujeito em um vôo direto para a morte – Algo que era bem abordado pelas saudosas novelas de realismo fantástico, como O Bem Amado (1973) ou Saramandaia (1976)], as próprias Vendemiaires não podiam usar suas asas para alçarem vôos, pois com elas não podiam voar e caso tentassem o destino geralmente era se quebrar completamente. Aqui nós temos uma métafora usada por Kitoh sobre liberdade, onde as asas representam esse sonho, juntamente com as Vendemiaires sempre tidas como propriedade particular. Ele faz questão de destar isso sempre através da narrativa, na maioria das vezes de forma camuflada, seja nos diálogos ou no cenário das histórias.


Aliás, a na última história, temos uma continuação direta do primeiro conto, com um desfecho nada menos que muito poético simbolizando a liberdade.

Vendemiaire no Tsubasa se caracteriza pelo toque filosófico e poético, além de sua crítica sútil. Kitoh tem uma incrível habilidade com histórias de conteúdo episódico, como se faz notar aqui. Como pode ser visto em Bokurano, aqui ele mostra essa habilidade natural em desenvolver histórias, sem se preocupar com a continuidade, que ainda assim de alguma forma, elas se interligam entre si. Nessa série, seu traço ainda não é tão consistente quanto nas mais recentes, mas ainda que não esteja tão refinado, consegue ser atraente dentro do contexto das tramas. Aliás, aqui, apesar de termos histórias mais leves, sobre o dia a dia, já possuem um tom impregnado de obscuridade retratado com delicadeza, que afinal é a marca do autor.

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