sábado, 4 de agosto de 2012

Preview: Monster - Naoki Urasawa [Volume 01]


Ele está de volta e continua divertidíssimo de se ler, com diálogos brilhantes que darão voltas em sua mente.

Resumo: Dr. Kenzo Tenma é um neurocirurgião japonês que vai tentar a sorte na Alemanha, almejando um futuro brilhante. Lá, ele com o auxilio do doutor Heinemann, chefe do bloco de neurocirurgia, se torna o queridinho do hospital, ocupando um cargo importante e ainda comendo a sua filha, a caprichosa Eva Heinemann. Claro, Tenma é um neurocirurgião brilhante, um verdadeiro prodígio, realizando cirurgias que ninguém mais seria capaz. Lógico, o Doutor Heinemann esperto como é, se aproveita disso para fazer crescer seu nome e assim poder assumir o hospital. Tenma não passa de uma marionete estupida, um bobo do “interior” facilmente manipulável nas mãos de pai e filha.

Tenma é obrigado desenvolver teses a pedido do diretor, que assina como se fosse ele o autor original. Mas parece estar tudo bem, afinal, logo logo, Tenma, que até pouco tempo atrás, era um coitado e sem credibilidade, irá se casar com a filha do chefe, e talvez um dia assuma o hospital, podendo levar a frente várias pesquisas que sempre sonhou. Só que o Tenma tem dignidade e vai se cansando disso e para de apoiar o seu chefe e seus interesses escusos em prol do crescimento do hospital e seu nome na chapa de direita, como diretor geral.


Tenma sente-se traindo a profissão que escolheu, quando um dos pacientes que ele deveria atender, um pobre coitado de origem turca, acaba falecendo por falta de um melhor atendimento, enquanto ele teve que obedecer às ordens do diretor e operar um famoso cantor de opera que traria notoriedade ao hospital. O detalhe é que o turco havia chegado primeiro. E mesmo que a cirurgia do cantor tenha sido um sucesso e atraído à atenção da mídia para o hospital, Tenma se defronta com a triste realidade, onde quem tem dinheiro sempre leva vantagem. Torturado pelos gritos de acusação da esposa do falecido, Tenma se vê numa encruzilhada onde precisa decidir entre seu futuro brilhante e seguir seu instinto. A gota d’água se dá quando ele está prestes a entrar na sala de cirurgia pra atender uma criança que havia sido baleado na cabeça, mas é obrigado a ir atender o prefeito, que acabara de se acidentar.

Ele sabe que é o único que poderia realizar a cirurgia perfeitamente e ao se deparar com o grito de sua consciência, resolve abandonar tudo e atender à criança. Como consequência, o prefeito morre e a partir desse momento, Tenma passa a comer o pão que o diabo amassou nas mãos de seu chefe, além de ser chutado pela Eva, que não perde tempo em arrumar um novo pretendente. A vida de Tenma se transforma em um inferno, mas enfim consegue dormir com a consciência tranquila. A foda é que logo acontece uma onda de assassinatos, envolvendo ele, o garoto que ele havia salvado e sua irmã gêmea, que então havia testemunhado o assassinato de sua família inteira. Tenma mais uma vez está na merda, num verdadeira e crescente espiral do horror.


Intrigas politicas, mistérios, suspense policial, altas doses de tensão psicológica, assassinatos, mindfuck atrás de mindfuck numa magistral trama orquestrada pela mente geniosa de Naoki Urasawa, que desenvolve uma história fragmentada, complexa, perturbadora, envolvente com o belíssimo cenário alemão como plano de fundo. Imperdível!!!

***

Seguramente, Naoki Urasawa é um dos três melhores mangakás ainda vivo em plena atividade no Japão e sem dúvidas, um dos melhores quadrinistas do mundo. Nascido na década de 60, ele ainda é da geração antiga, dos velhos valores e seu discurso é inflamado, mas sabe dialogar com o público e se manter incrivelmente atual, ao mesmo tempo em que mantêm suas histórias com um amálgama referencial do Japão antigo e forte influencias internacionais. Urasawa é multifacetado e bastante prolífico. Começou a publicar ainda na década de 80 e já chamava a atenção, com suas series sendo sucesso de publico e recebendo adaptações. Suas séries pré anos 90 se caracterizam principalmente pela pegada slice of life, com um quê de drama, mas isso mudou com Master Keaton no final dos 80, e na sua consagração nos anos 90 e 2000 com os hiper sucessos; Monster, 20th Century Boys e Pluto, que o tornaria mais conhecido no ocidente como um autor de thrillers policiais e pseudo-ficção cientifica.

Claro que Urasawa é bem diversificado e possui uma vasta mangagrafia. Eu não saberia comentar acerca de suas outras histórias, mas Monster, 20th Century Boys e Pluto apresentam um incrível estudo sobre a psique humana, trazendo não apenas questionamentos, mas também conflitos morais. Pelo pouco que tive contato com as obras de Osamu Tezuka, é perceptível a admiração que Urasawa sente [e não faz rodeio em citar isso em suas entrevistas] por ele, trazendo isso para essas histórias. De referências pelo fascínio da delicada natureza humana, a homenagens diretas, como visto no premiado Pluto, uma adaptação/crossover de “O robô mais poderoso do mundo”, o arco mais prestigiado de Astro Boy (1964/1965).


Penso no personagem Tenma, de Monster, como uma gritante referência á Tezuka – Vamos lá, ele é um gênio cirúrgico, capaz de executar com perfeição às mais criticas cirurgias e fazer o que mais ninguém seria capaz. Coloca seus pacientes acima da própria carreira, se diferenciando da sociedade materialista – Indo de encontro a tudo o que o brilhante Black Jack representa. Sim, um ideal humano. Monster tem muito daquele quê presente nas obras de Tezuka, como humanismo, pacifismo, questões étnicas, e a corrupção da “maquina” através do veículo para o progresso. As justificativas do doutor Heinemann na tentativa de corromper Tenma, eram justamente a fé no progresso da medicina, por meios ilícitos e buscando apenas bens monetários. Tudo isso quase sempre de forma sútil, afinal, “as pessoas não nascem iguais”, como disse Eva. E bem, a efeito de curiosidade, o próprio Tenma leva o nome do misterioso cientista que inventou o Astro Boy.

Referências históricas e artísticas se fazem presente de Monster à Pluto, assim como questões culturais não apenas do Japão, mas também de outros países. Sua infância no conturbado Japão pós-Guerra, um Japão de manifestações, de forte influência americana e constantes transformações internas, desempenha um papel fundamental em sua formação, tanto como artista, quanto cidadão. Assistindo ao inflamado discurso politico e a crítica contra o “novo” Japão presente no recente longa metragem Fromup on Poppy Hill [Kokuriko-zaka Kara] – do estúdio Ghibli e roteirizado por Hayao Miyazaki – e relembrando as estrevistas de Urasawa, não deu pra deixar de reparar na mesma linha de raciocino, já que ambos notoriamente demonstram a mesma falta de certeza [e certo asco, rs] quanto aos rumos que a atual geração vem seguindo.


Algumas imagens retiradas daqui

Falando sobre Monster, este dá um verdadeiro passeio por épocas históricas e importantes no contexto mundial em um detalhismo incrível, onde Urasawa entrelaça suas tramas [aparentemente desconexas] através de vários períodos históricos e países de uma forma fascinante. Mesmo este primeiro volume, já deu uma amostra incrível e de tirar o fôlego de tramas se passando em localidades diferentes, que em algum ponto se interligam e traz respostas surpreendentes. Do cenário de uma Alemanha pré e pós queda do muro de Berlim, a uma cruzada intensa em busca da verdade atravessando Munique, Colônia, Frankfurt, França e República Checa – Mesmo o volume 01 tendo uma narrativa ágil, dinâmica, com diversas reviravoltas e sem perder o folego, Monster ainda tem um vasto caminha pela frente para percorrer. E pelo menos, até o volume 03, garanto pra vocês que o ritmo não para nem por um segundo, com diversas questões-respostas pintando a cada virada de página de uma forma surpreendente. Depois vai seguindo de forma mais cadenciada.

Acompanhar Monster mensalmente [na verdade, a cada 2 meses, já que o lançamento é bimestral] pode ser uma experiência um tanto quanto masoquista. Urasawa tem essa capacidade de criar suspense através da atmosfera, onde você acaba não se satisfazendo apenas com um volume, quer também devorar todos os outros. É um suspense dramático, com diálogos pontuais, um thriller psicológico inteligente, sofisticado e complexo. Monster é uma leitura adulta, e quando eu falo adulta, quero dizer madura, com um aspecto narrativo que talvez não seja atrativo para quem ainda não possui certa maturidade intelectual [se fosse uns 3 anos atrás, com meus 15 anos, eu teria achado Monster bem chatinho, possivelmente]. Não há muita exposição gráfica quanto a sexo, violência e sangue – Há esses elementos, mas inseridos de uma forma sútil, e não extravagante. E claro, muitos, muitos diálogos.


Monster é para amantes de excelentes histórias policialescas e investigativas, mas ainda consegue transcender o próprio gênero ao ir fundo no aspecto mais fascinante do ser humano. Afinal, cada um de nós possui um monstro adormecido morando em seu interior. E fica a pergunta; Como impedir o monstro que você mesmo criou? E isso é o que torna o enredo de Monster algo palpável e crível, apesar da estrutura arquétipa. Este post é apenas um preview, não dá pra fazer uma analise mais profunda sem revelar detalhes importantes do enredo, e seria um crime fazer isso, mas posso dizer que embora muitos dos personagens secundários sejam meras construções em prol das tramas, os principais nos revelam pontos de vistas fascinantes, são personagens realmente bem revestidos e credíveis.

E é este aspecto que faz a história crescer mesmo depois que os mistérios são revelados, tornando todo o desenlaço algo emocionante e nervoso! O nível de detalhismo é realmente espantoso; detalhes no enquadramento, gestos, desenvolvimento – Sempre nos leva a algo maior e significativo. O enredo de Monster é realmente rebuscado e repleto de camadas que valem apena ser observadas e refletidas. Não apenas Monster, mas 20th Century Boys e também Pluto, trazem uma montagem que remete ao cinema do minucioso e mestre do suspense psicológico Hitchcock e ao perfeccionismo e a habilidade de transmitir a pluralidade do ser humano de Kurosawa.


Gosto da forma como Urasawa brinca com a instabilidade mental dos personagens em Monster, mas também chama a atenção os belos cenários da Europa, como Praga e Heidelberg, numa atmosfera misteriosa e obscura. Os serviços secretos da ex-RDA e Checoslováquia, também movimentos nostálgicos do Terceiro Reich e outras figurinhas da história moderna – Monster é um bom exercício para quem curte passagens históricas. A forma como Urasawa desenha esses cenários, dá uma dimensão quase gótica para a atmosfera já obscura de Monster, com bairros em becos escuros, casas antigas com escadas rangentes e portas misteriosamente fechadas, montanhas, castelos, vilas e aldeias são representados de uma forma que evoca a ansiedade, os pesadelos, numa metalinguagem muito bacana. Urasawa tem essa característica pulsante, de não se deixar delimitar e ambientar suas histórias em várias regiões do mundo, misturando personagens japoneses, com estrangeiros. Uma perspectiva do mundo ocidental com relação ao Japão, em tramas muito bem amarradas com a cultura japonesa, com outras culturas.

Aliás, Urasawa não se utilizada dos recursos mais básicos do mangá, como por exemplo, hemorragia nasal [uma metáfora para excitação]. Sua arte tem muito do conceito estabelecido pelos artistas do movimento Gekigá, com um tom narrativo mais sério, politizado, adulto, e sem o exagero do mangá como o conhecemos, com personagens de olhos e bocas grandes, numa traço mais estilizado. Dentro dessas generalizações necessárias que tornam uma só pessoa responsável por uma grande transformação em qualquer área, Tezuka é tido como o inventor do mangá morderno (caracterizado por um traçado mais caricato), e Tatsumi Yoshihiro é apontado como o responsável pelo nascimento do mangá adulto, realista, “alternativo” [mesmo seu traçado simples e abonecado, dialogam de uma forma incrível com a estrutura de suas histórias]. Traduzido como “imagens dramáticas”, Gekigá é um termo atualmente em desuso no Japão, quando nos anos 80 as antologias demográficas cresceram tanto que se desvaneceu o movimento e enfraqueceu o conceito, que foi diluído pelo demográfico seinen. Mas antes do movimento morrer [embora o conceito ainda viva], em seus tempo áureos, mesmo Tezuka se viu influenciado por Tatsumi, criando entre outras, sua série mais ambiciosa; Hi no Tori (Phoenix ), que por um acaso eu acredito ser a obra dele, preferida de Urasawa.


Tatsumi está para o Gekigá, como Will Eisner está para as Graphic Novels americanas. Conceito que cosmopolitas como Moore e Morrison e, até certo ponto, o próprio Miller, buscaram trazer para o universo dos heróis; a plausibilidade, de possibilidades físicas sem fantasia, uma narrativa mais coesa. E muito dessa transformação também se encontra no contado de Miller com os Gekigá de samurais de Sanpei Shirato e Kazuo Koike. Em Monster, nós temos todo este conceito que vai de encontro a escapismos típicos de mangás destinados ao público infantil e juvenil. Por isso é um mangá que transcende o próprio demográfico seinen. O fato de mangás como Monster, Sanctuary e Vagabond não terem a representividade de sentimentos do mangá moderno, não os delimita, uma vez que seus autores conseguem construir estruturas de grande impacto dramático através dos seus ângulos, no uso potente das linhas de ação, de enquadramentos silenciosos, fortes expressões faciais e gestuais, onomatopeias decorativas que muitas vezes são as responsáveis pelo feeling de tensão, da representação histriónica dos rostos e corpos das personagens e a forma como se movimentam em simultâneo, cenas de sexo que representam uma mistura de sedução e exercício de poder que tornam todas aquelas imagens algo insinuante  provocante, bonito de se admirar.

São mangás com um feeling e uma linha de ação bem típico dos anos 80, a época dos “excessos”, do Cult cientifico Akira, às parafilias do ero-guro.


Monster foi originalmente serializado na revista Big Comic Original da Shogakukan, de 1994 a 2001. É uma série já clássica [tanto o mangá, quanto a ótima e fidelíssima adaptação em anime pelo estúdio Madhouse] e uma das mais conhecidas do Urasawa. Apesar de que eu tenho a forte impressão de que 20th Century Boys é muito mais ovacionada pelo público devido ao seu apelo pop e uma trama igualmente brilhante, mas juvenil e com um apelo maior do que Monster, que tem o aval da crítica como sua obra máxima, mas talvez, não do publico geral. Monster foi premiado com o MediaArts Festival Award for Excellence em 1997 e o Prêmio Osamu Tezuka em 1999 e possui 18 volumes.

Me pediram para indicar um mangá 10/10, e aqui está, pois Monster é uma obra prima de Naoki Urasawa. Desviei bastante do assunto, uma vez que com um enredo tão vasto, com diversas teorias e estudos interessantes *juntamente com alguns críticas* – Que lhe rendeu inclusive um spin off chamado Another Monster com detalhes de “bastidores”, uma espécie de guia com diversos detalhes da obra original – estragar a surpresa, seria pecado. A qualidade física do mangá está ótima, talvez inferior ao lançado anteriormente pela Conrand, antes de ser cancelado, mas certamente está dentro do bom padrão nacional adotado pela Panini e atualmente pela Jbc. A tradução de Dirce Miyamura, adaptação de Elza Keiko e a edição de Débora Kamogawa está ótimo, ou seja, não se fazem notar no momento da leitura. Em Monster, os honoríficos, obviamente, são inexistentes [pelo que eu me lembro]. Mas há um sumário enorme, que é muito bem vindo, com um ótimo trabalho de pesquisa pela equipe da Panini que funciona como um plus, caso você não entenda alguma palavra ou contexto histórico.


Claro que a edição definitiva seria o ideal para um relançamento, mas para um mercado de mangás como o Brasil, que está engatinhando, um título com pouco apelo popular é uma edição mais do que satisfatória e bem vinda. Sem contar que Monster certamente não trará grandes retornos para a Panini [espero que ao menos consiga se pagar e render um troquinho pra jujuba]. Então fica os parabéns pela Panini continuar investindo em títulos adultos e undergrounds, algo que com a saída da Conrad do mercado de mangás, acabou deixando um vácuo enorme nas prateleiras e um mercado carente de títulos mais alternativos. A Conrad geralmente [embora alguns deslizes feios] trazia series em boa qualidade e traduções coesas, num design simples, outras vezes caprichado e uma seleção até certo ponto, criteriosa e equilibrada, indo de títulos pops a outros bem obscuros. Bom, a Panini demonstra muita boa vontade, investindo na diversidade – Espero que continue com este proposito e um dia Sanctuary e Blade - A Lâmina do Imortalpossam retornar para cá, afinal, um mercado sadio se faz pela diversidade.

Com um suspense terrível, reviravoltas, surpresas e uma tensão que te faz devorar o mangá em uma única posição, Monster é uma excelente opção para quem busca um thriller complexo e bem conduzido.




Nota: 10/10
Autor: Naoki Urasawa
Volumes: 18
Ano: 1994/2001
Demográfico: Seinen
Revista: Big Comic Original
Editora original: Shogakukan
Editora nacional: Panini Comics