quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Jinrui wa Suitai Shimashita: O Fim Da Humanidade


Está num conto de fada pós-moderno. 

Resumo: Jinrui wa Suitai Shimashita tem como cenário um mundo pós-apocalíptico, onde a humanidade se encontra a beira de extinção. Eles estão em declínio, e tudo o que sobrou foram construções abandonadas e ruinas, com a comida se tornando algo raro. Agora eles têm que conviver  ao lado da nova raça, e para fazer o papel de mediadora entre humanos e a nova população, chamada de fadinhas (criaturas pequenas e travessas, que se reproduzem instantaneamente quando estão felizes), há uma garota sem nome, que atente por Watashi. Não há realmente um grande conflito, mas sim, Watashi envolta em diversas confusões armadas por essas fadinhas sedentas por diversão.


Comentários: Bocejar deveria ser o sinônimo do nome Seiji Kishi, diretor de Jinrui – Isso é o que alguns dizem, e acho que depois de assistirem essa série, alguns estarão ainda mais convictos disso. Apesar de ser um nome em evidência, seus últimos trabalhos se mostraram bem inconsistentes (Kamisama Dolls, Persona 4: The Animation, e Angel Beats!). Ele parece ser perder em séries com enredos contínuos, sua praia parece ser mesmo as tramas episódicas e bem humoradas, e não por acaso suas direções mais elogiadas são dos animes Tentai Senshi Sunred e Seto no Hanayome, recheados de gags visuais.

Assim, poderíamos dizer que em Jinrui ele conseguiu brilhar com aquilo que ele melhor sabe fazer, certo? Não necessariamente, eu diria que Jinrui tem uma direção apenas competente, e que Kishi continua sendo um diretor ainda bem mediano e limitado. Embora, o timing para as gags está realmente bom aqui, com direito a diversos momentos bem hilários.

Baseado no trabalho original de Romeo Tanaka, uma light novel até o momento com 7 volumes, Jinrui consegue ser mais acessível ao espectador comum, ainda que tão restrito quanto Mawaru Penguindrum, que conta uma história que depende muito de referências pra se fazer sentido. Já Jinrui possui um excelente texto de Tanaka, que conseguiu contar uma história em primeiro plano de fácil compreensão, e ao mesmo tempo repleta de ambiguidades, costurando elementos da cultura pop no roteiro de uma forma satirizada e com trocadilhos mais sutis que o de NisiOisiN – Trocadilhos estes que em alguns momentos se tornam o ponto chave de compreensão de uma trama, portanto, ainda que Jinrui consiga enganar com seu visual bonitinho e gags visuais bem humoradas, assimilar esse humor cínico e toda a ambiguidade da história, pode ser um estupro  cognitivo. E olha, pode ser divertido.

Influências

Ficção pós-apocalíptica é um gênero incrivelmente popular, e uma das formas mais eficazes de se fazer critica social. Popularizou-se com o romance “A Máquina do Tempo” (“The Time Machine”, 1895) de H G Wells (1866-1946) por causa do seu conceito de viagem no tempo (tido como a primeira obra a fazer essa abordagem), mas já trazia uma narrativa familiar, com o Viajante-Narrador sendo inserido num esquema investigativo sobre como funcionava aquele mundo do futuro, e posteriormente descobrindo duas raças coexistentes. Nos mangás, a tendência começou com o pervertido do Go Nagai e seu Violence Jack que trazia uma Japão pós- apocalíptico devastado por um terremoto e isolado pelo resto do mundo (é, Nagai hoje tá igual o Kurumada, mas o cara tem larga influência), seguido de duas grandes obras posteriores; Akira (1982/1990) e Hokuto no Ken (1983/1988).

A diferença aqui, é que sai a atmosfera grimdark e sua característica fotografia opressiva que se seguiu por diversas séries apocalípticas, dando lugar a uma interpretação Iyashikei - termo japonês para cunhar obras que tem a intenção de exercer um efeito calmante sobre quem assiste, sem grandes conflitos – em tons pastel brilhantes e uma estética visual que se assemelha a um livro infantil. Essa dissonância entre o texto sátiro repleto de cinismos e certa apatia, e ao audiovisual bonitinho e inofensivo da série parecem esconder um subtexto de crítica com relação à cultura japonesa, mas embora seja ambíguo e até certo ponto interpretativo Jinrui não se preocupa em apontar uma solução, ou redenção, mas reafirmar o caminho da autodestruição.



Jinrui wa Suitai Shimashita (A humanidade tem diminuído) trás o conto de uma fábula já narrada a partir de seu encerramento, onde o verde e as belas paisagens acabam cedendo espaço para projetos arquitetônicos megalomaníacos para logo em seguida entrar em extinção, o futuro da humanidade em sua coexistência com uma nova espécie. Através da narradora sem nome conhecida apenas como Watashi (Eu, em japonês), nós desbravamos aquele mundo, que vai ganhando forma substancial através de diversos arcos ao decorrer da série. Mas nunca conhecemos o suficiente daquele mundo, ou seus habitantes, ou mesmo sobre a nova raça. Oras... isso não é importante. A história já começa com a humanidade em ruinas, e termina com ela no mesmo estado (e seguindo a lógica, mesmo o original também irá rumar pelo caminho). Através de vários contos, o autor tece a sua sátira com certa acidez, que muitas vezes parece revelar um olhar pessimista sobre a humanidade – Um bom exemplo disso é o Monumento da Humanidade que onde são alocados diversos itens como uma forma de manter a memória viva e a aparente apatia da população frente a uma eliminação eminente revela instintivamente a vontade daquele povo em se fazer lembrar sua existência daqui a algun anos.

Satirizando a Indústria e a Subcultura

Tanaka escreveu uma história onde ele não se preocupa em criticar, nem dar uma resposta objetiva – Quem decide isso é o espectador –, mas brincar de forma quase sádica com diversos elementos da cultura japonesa, expondo o seu lado mais fraco. Tanaka faz intertextualidade com a economia japonesa em dois arcos distintos da série. O primeiro, um ponto de vista sobre privatizações, usando como metáfora uma desconhecida fábrica chamada FairyCo controlada por frangos sem cabeças (!!!), trazendo um ponto de vista sarcástico com relação a incompetência dos administradores das indústrias japonesas, que numa tentativa em vão de ascender a empresa – através de contrabandos para a vila na tentativa de controlar toda a população (eu ri demais disso!) e se tornarem a espécie dominante – ao sucesso, mas obviamente pela falta de estrutura acaba indo à ruína com as galinhas se suicidando ao fundo. É uma cena hilária, com direito a Ave Maria na cena do suicídio, e aparentemente despretensiosa, mas que traz um subtexto ácido com relação ao mercado japonês e seus administradores, que parecem galinhas sem cabeça traçando metas insustentáveis na tentativa de dominar o mercado e se suicidando frente a um fracasso eminente. As empresas de celulares japonesas estão de mãos atadas enquanto a coreana Samsung domina o mercado.

O segundo, podemos ver rapidamente num dos melhores episódios da série, "The Fairy's Survival Skills" (episódio 09), onde Watashi e as fadinhas vão parar em uma ilha e rapidamente ela é coroada como rainha e as fadinhas sorridentes como seus súditos. Lá, eles constroem um reino/metrópole, com a civilização evoluindo a um ponto sem volta. Esse episódio é um amalgama referencial, tanto a famosa Ilha de Pascoa, construída a custa da degradação ambiental que desestabilizou o ecossistema, tanto do famoso livro As Viagens de Gulliver (Gulliver's Travels), um clássico romance que satiriza a politica europeia, religião, e corrupção.


A execução é tão frenética e verborrágica que se descaracteriza da narrativa apática da série (tanto que é impossível o expectador não sacar exatamente sobre o que é a narrativa e cada ponto tratado), com Tanaka atirando de um lado a outro, dos NEET’s representados pelas fadinhas depressivas que não querem abandonar aquele local (que metaforicamente, seria o quarto de um hikikomori) e voltar à realidade, à politica suicida de algumas grandes empresas japonesas, como a GM, com relação aos salaryman’s – Também metaforicamente representados pelas fadinhas que foram submetidas a regimes trabalhistas imorais para conseguir colocar de pé todo aquele reinado. Também vale mencionar que talvez a única coisa que Tanaka realmente critica em toda a série de uma forma contínua e pontual, é o culto. Citando apenas este episódio, um de seus pontos mais polêmicos, é com relação a esta linha de diálogo;

Cama. Cadeira de massagem, umidificador, elásticos, máquinas de Rube Goldberg, Religião...Religiões podem ser inventadas? Aprendi uma coisa nova.”  Como comentei em Believers, a herança do Aaum ainda ecoa em diversas obras, com o culto religioso sendo retrato de uma forma sempre maniqueísta.

“Humana-san... Queremos construir uma nova nação. Nos guie, governe, vossa majestade”
Não acredito, os novos humanos não aprendem com os seus erros” – A crítica é bem obvia e extensiva à nova geração japonesa e seus objetos de culto. Da mesma forma, as fadinhas tentam fugir da realidade, procurando refugio em qualquer coisa que seja divertida para elas. Tanto que, elas se multiplicam quando estão felizes naquele mundinho fechado, mas se sentem tristes e desinteressadas quando são confrontadas com assuntos chatos. Tanaka voltaria a explorar isso de uma forma ainda mais ampla e contundente no episódio seguinte, com direito a uma cidade com robôs gigantes a protegendo de qualquer ameaça externa e uma adoração equivocada à Watashi, seguido de um repudio quando esta não satisfez suas vontades. É hilariante, sarcástico e repleto de cinismo. São dois episódios redondinhos e pela primeira vez na série, fechados em um único episódio, mas se você avaliar friamente, eles funcionam como um arco. E também, pela primeira vez, além de Tanaka imprimir uma narrativa feroz que não deixa nada a dever para Koji Kumeta, ele também coloca uma moral ao final destes 2 episódios.

"e Deus rapidamente foi visto como um demônio pelas fadas" – Qualquer semelhança com as idols que são excomungadas por ter uma vida sexual, eu acredito que não seja mera coincidência.


Antes da estreia de Jinrui, eu vi bastante elogios à Romeo Tanaka como escritor, com críticas o colocando acima até mesmo de grandes nomes como Gen Urobuchi (Madoka Mágica) e Nasu Kinoko (Fate/Series). E sem dúvidas, seu texto é muito rico e ele demonstra ter uma técnica em um nível diferenciado, como NisiOisiN (Monogatari Series), com um bom domínio da escrita e sobre o que está escrevendo, além de uma extrema versatilidade, ao contrário de Urobuchi e Nasu. É fácil notar isso através da ótima adaptação do texto original por Makoto Uezu (Katanagatari). A narrativa vai de um extremo a outro, e nunca permanece igual. Ao mesmo tempo em que satiriza a cultura japonesa, a construção e caracterização daquele mundo se dá de forma sólida e concisa.

Às vezes a narrativa se torna extremamente ambígua, como pode se notar no arco "The Fairies' Homecoming” (episódios 05 e 06), no qual há uma intertextualização com as famosas sondas espaciais Pioneer e Voyager – Aqui elas ganham formas antropomorfizadas com uma releitura romantizada em um dos fatos mais curiosos da humanidade, onde em 1983 a Pioneer 10 deixou o Sistema Solar, mas acabou sendo empurrada de volta, misteriosamente. Aqui, elas ganham formas humanas, orelhinhas de gato nyan nyan  e toda uma história bonitinha por trás, justificando a volta delas a terra.  E realmente, a história foi contada de uma forma até tocante, mas estaria o Tanaka brincando e satirizando com uma das características mais comuns da subcultura que é romancear, moetificar, e antropomorfizar animais? Tsubasa Hanekawa (Bakemonogatari/Nisemonogatari) e sua forma felina, Rei Arthur (Fate/StayNight) que virou uma bela garota e as diversas releituras de Oda Nobunaga.


Mas, embora grande parte da série seja contextualizada por elementos culturais, há também uma faceta de Romeo Tanaka que eu adorei descobrir, que é a de tirar sarro com seu leitor/espectador, através de tramas complexas, que por vezes se revela que sua única razão de existir está num trocadilho. No arco "The Fairies' Time Management” (episódios 07 e 08), ele apresenta uma intricada trama de paradoxo temporal, onde mesmo desenvolvendo ali a figura do assistente, do Vovô e de Watashi, todo o quebra cabeça e razão de existir da trama está numa gag; Paradog! É ver, pra entender e rir de si mesmo, que vai ficar procurando subtextos e diversos significados ocultos, mas acabará sendo trollado ao final.  A impressão que fica é que o autor se divertia com a cara dos pseudo-cults enquanto tirava uma onda com obras intelecutualóides. Estaria ele mesmo satirizando sua própria obra? Isso já havia acontecido anteriormente, no primeiro episódio com os cabelos de Watashi ganhando vida e a salvando (ela comenta que foi salva pelas mãos de Deus!). A grande tacada estava no trocadilho “kami”, que significa Deus, e também cabelo.

Comentários Gerais

Jinrui é uma história onde os personagens são bons, mas não são importantes. Eles são apenas ferramentas, e como tal eles são tratados pelo autor; Watashi (Eu), Vovô, Assistente e Y, são as figuras recorrentes, que existem em função da trama ao qual são inseridas. Como a Y, fujoshi inveterada que é inserida no arco mais fantástico da série; "The Fairies' Subculture” (episódios 03 e 04), que satiriza a subcultura de mangás, e o modelo da indústria de animação japonesa em apostar na fórmula segura da estética moe (tem melhor exemplo de moe, do que o gênero fujoshi? Não), ao mesmo tempo em que coloca uma placa enorme de aviso; “olha, não é por ter elemento estético moe, ou por ter diversos clichês inseridos, que irá vender”.  Há um pensamento errôneo de que só por ser moe, a série irá fazer sucesso, e Tanaka faz uma tacada genial em dois episódios, satirizando a mesmice da indústria e sua falta de ousadia, e o método SHOUNEN JUMP, de inflar uma obra com tudo o que possa ser do interesse do seu público alvo, na tentativa de continuar vendendo. O resultado é obviamente, o fracasso. Afinal, para quê algo de um gênero se destaque, muito lixo tóxico é produzido no percurso.


Em Jinrui wa Suitaishimashita o que importa não é o final (embora o verdadeiro ponto final da história, será no volume final da light novel, atualmente com 7 volumes e com o último previsto para ainda este ano), mas o percurso percorrido. A história não possui uma moral final, apenas ideias soltas espalhadas por seus arcos. Se por um lado Seiji Kishi não se destaca tanto como diretor, por outro ele conseguiu transpor de uma forma fantástica a obra original, sem grandes perdas, pincelando diversos momentos de pura euforia cômica naquilo que ele faz de melhor, que são as gags visuais. A decisão de mostrar os fatos ocorridos fora de ordem cronológica (A ordem dos episódios são 10-7-8-5-6-1-2-9-11-12-3-4), dando a narrativa um início, meio e fim, e instigando sua audiência com alguns fatos desordenados, também se mostrou acertada.

Em seu ponto final no vídeo, com a série contando o passado de Watashi, a narrativa brinca com a falta substancial de crianças naquele internato em que ela estuda, levando-o ao fechamento, a satirização do modelo escolar japonês e consequentemente o bullying a aqueles que se destacam de alguma forma (com o coletivismo japonês, o prego que se destacada acaba sendo mais martelado. Cada um deve trabalhar pelo coletivo, e não por uma causa individual) – Assim como também novamente rende referências a um grande clássico, Shoujo Kakumei Utena, e o seu Conselho Estudantil que almejam "O poder de Revolucionar o Mundo" chegando ao fim do mundo. A grande tirada da série em questão, é que o fim do mundo na verdade é o fim de um sonho ilusório. E bem, a narrativa neste episódio volta a ser apática e desesperançosa, com Watashi....nah, eu não vou soltar spoilers. Mas fica a impressão de que para Tanaka, o declínio do mundo é irreversível. E assim como Watashi, continuamos no nosso mundo de contos de fadas esperando o momento derradeiro.

Nota: 08/10
Diretor: Seiji Kishi
Estúdio: AIC A.S.T.A.
Ano: 2012
Episódios: 12

Similar: Sayonara Zetsubou sensei, ADVENTURE TIME, Mawaru Penguindrum, Puni Puni Poemi.

Destaque: Cenas antológicas, Mai Nakahara que está deslumbrante como Watashi, paleta de cores fortes e brilhantes, trilha sonora agradável e um trabalho de arte caprichado.