“Nós somos as Guerreiras Mágicas! Mágicas! No despertar do sonho a gente vai se encontrar. Oh! Oh! Oooooh”
Sinopse: Três garotas, estudantes do colegial,
encontram-se por acaso na Torre de Tokyo, durante um passeio escolar. São elas
Shidou Hikaru, Ryuuzaki Umi e Hououji Fuu. Subitamente as três escutam uma voz
clamando por elas e, em seguida, uma luz muito brilhante as envolve e, antes
que elas possam perceber o que esta acontecendo, são transportadas para o mundo
de Cephiro, uma terra de magia, onde o poder da vontade é o Pilar Principal de
toda a existência. Devido ao aprisionamento da princesa Esmeralda, atual Pilar,
pelo Sumo Sacerdote Zagato, Cephiro que era sustentado por suas orações, agora
esta caindo em ruínas e monstros estão a se espalhar por toda a parte. As três
dão início a essa incrível jornada para conseguirem se tornar em definitivo as
Lendárias Guerreiras Mágicas e assim salvar Emeraulde, livrando Cephiro da
destruição.
Comentários: Há 15 anos,
um grupo que vinha em ascensão com três séries de fantasias [que consequentemente
se tornaria a marca registrada do grupo]; RG Veda, Tokyo Babylon, e o mais
expressivo destes; X/1999 – Receberia um
convite de um editor da revista Nakayoshi, voltada para meninas entre 9 e 15
anos, para desenvolverem um mangá sobre garotas mágicas. Vale frisar, que mesmo
com esses três trabalhos bem criticados, responsáveis por moldar a segunda “cara”
do grupo CLAMP depois de se tornarem profissionais – Com uma arte ornamental tipicamente
shoujo, mas apresentando uma narrativa influenciada em mangás para garotos, o
que contribuiu bastante para sua diversificada fanbase –, elas ainda não
gozavam de todo o prestígio atual. O que justifica a surpresa, quando
procuradas para serem as responsáveis por dar continuidade ao sucesso alcançado
por Sailor Moon na revista Nakayoshi, aquele que influenciou todo o boom do
gênero Garotas Mágicas/Mahou Shoujo que viria a estourar nos anos 90.
Yoshio Irie, então editor chefe da revista da Kodansha, viu
que no caminho aberto por Sailor Moon, à oportunidade de dar uma nova faceta
para a Nakayoshi, abandonando por hora as histórias de amor, e abraçando a
fantasia para as pequenas garotas da época, o que resultou em nomes sucessos como
Mermaid Melody, Pretty Cure, Shugo Chara, Tokyo Mew Mew, e o próprio Cardcaptor
Sakura. Mesmo com a economia estagnada, os anos 90 ainda foram uma boa década
para a indústria de animes, com as editoras investindo mais para divulgar suas
séries nesses comerciais de 22 a 25 minutos, chamados de “animes” lá no Japão,
e “desenhos animados” aqui no ocidente, que de uma forma geral, sempre foi
isso; Um subproduto. E não foi diferente com a Nakayoshi, que investia pesado
na divulgação de suas séries. Que eram longas, pra valer o merchandising e
influenciar os produtos licenciados. E com uma série em mangás tão curtinha,
como Magic Knight Rayearth (MKR),
várias modificações no enredo precisaram ser feitas, incluindo diversas
subtramas, e personagens criados originalmente para a animação, casos de Inouva
(conhecida aqui como Nova) e Lady
Debonair.
~ Nostálgico, não?~
As extensas cenas de batalhas presentes em MKR, por exemplo,
ficaram muito melhores na versão animada, principalmente as que envolvem os
mechas. Veio junto no pacote de Sailor Moon (eis motivo de algumas bombas terem sido exibido aqui) na década de
90, quando animes ainda faziam sucesso aqui no Brasil. Foi rejeito pela
Manchete, aceito pelo Sbt porque alguém mexeu os pauzinhos nos bastidores, mas
acabou se tornando um fracasso enorme que resultou em produtos licenciados
encalhados e muito prejuízo, talvez pelo mau tratamento dispensando pelo canal
do Silvio Santos. Ainda assim, foi com MKR, que o CLAMP apareceu por aqui. Foi
pela exibição do anime, que a JBC trouxe o mangá, e CLAMP iniciou sua história
de sucesso por aqui. E mesmo não tendo sido um sucesso estrondoso, certamente deixou marcado uma forte lembrança no peito daqueles que acompanharam sua exibição original pelo Sbt.
Apesar das características shounens, a arte fluída e em um
nível superior aos trabalhos anteriores, o battle
shounen de MKR é confuso, com a ação se perdendo em um emaranhado de
acontecimentos e poluição visual em suas páginas – Páginas belíssimas, sem
dúvidas, mas com uma cinética que não é favorável para uma boa ação gráfica. Essa
característica permaneceu presente mesmo em trabalhos mais atuais como Tsubasa:
Reservoir Chronicle, que possui algumas páginas indecifráveis no primeiro
olhar. É uma característica interessante, que somado a certa complexidade nos
roteiros aparentemente simples da Ohkawa, tornam os trabalhos do grupo algo
atrativo para o público adulto, mesmo quando voltado para as crianças.
Desde RG Veda, a arte de Mokona, que é responsável pelo
character designer dos personagens do grupo, tem se mostrado cada vez mais
técnica, com um alto nível de diversidade de um trabalho para outro. Sua arte
fica ainda mais expressiva quando os cenários construídos por Satsuki Igarashi
e Tsubaki Nekoi (outras integrantes do
grupo), estão mais clean, ou envoltos numa atmosfera shoujo, com direto à pétalas
de cerejeiras, arranjos florais, e glitter style – Tudo isso mesclados aos
cenários de fantasia. É um trabalho realmente primoroso, desde que forças
rivais não estejam se colidindo nas páginas.
MKR se sobrepõe à Sailor Moon de forma até meio inusitada,
pois apesar de possuir um argumento maduro, sua abordagem é tipicamente
simplista e infantil, principalmente na primeira parte do mangá (os primeiros três volumes), enquanto a
obra de Naoko Takeuchi possui um argumento infantil, mas uma abordagem
extremamente madura. Com isso, nós temos uma introdução dinâmica e um argumento
que se desenvolve rapidamente. E m questão de algumas páginas, você já está
completamente situado dentro da história, e esse é um dos pontos fortes de MKR:
A caracterização. Os cenários são bem identificáveis, e os personagens, apesar
de rasos, causam empatia imediata devido à forma como são desenvolvidos, e não
há um conceito maniqueísta. São os sentimentos tão humanos e genuínos, que este
enredo se mostra complexo.
MKR é uma leitura meio cansativa (você nota isso claramente através da versão em inglês da Tokyopop, uma
vez que a da JBC tem a característica de ser adaptado de uma forma que soe mais
engraçado) pra se ler numa sentada só, devido à sua falta de equilíbrio, de
espaço para fugir de situações repetitivas e o famoso “efeito de eco”. O que é
bem comum quando se trata de mangás infantis. Você que lê a JUMP, já deve ter
percebido que os primeiros volumes possuem diversos capítulos onde o personagem
repetem as mesmas informações. Com capítulos lançados em antologias semanais, às
vezes mensais, é necessário situar um possível leitor novo, que não estava acompanhando
a história desde o início.
Citando um exemplo, na página 44, Guru Clef diz às meninas: "Você
não pode voltar ao seu mundo". Na página 45, Hikaru diz: "O
que ...?" e Guru Clef diz: "eu disse, você não pode retornar ao
seu mundo!". Na página 46, Fuu diz, "Nós
não podemos voltar para casa ...?" e Guru Clef diz: "Aqueles
convocados para Cephiro de outro mundo não pode voltar para casa por sua
própria vontade". Assim como também é caraterístico na primeira
metade do mangá elas sempre reafirmarem o quanto são amigas. Este é um aspecto
da narrativa até interessante (apesar de
isso se tornar cansativo), pois as personagens não possuem tempo para se
desenvolverem adequadamente (MKR é uma história
muito grande, para apenas 6 volumes).
Se você encara com uma sobrancelha arqueada, o fato de 3
personagens que não se conheciam na terra, de repente, em Cephiro, começarem a
se ver uma a outra como melhores amigas, talvez isso ajude...Hikaru diz: "Nós
três somos melhores amigas, nos acabamos de nos conhecer, mas vocês são como
irmãs para mim" –Isso soa realmente tangível para
pré-adolescentes, a Hikaru é construída de uma forma que legitima essa postura,
afinal, ela possui um espirito quente, é doce e carismática. Alguém que se
enturma fácil.
Hikaru continua falando: "Se somente eu tivesse sido
invocada, me sentiria tão só, mas graças a vocês, posso seguir lutando. O
simples fato de sermos amigas me dá forças para lutar". Diante a
hesitação das outras, ela diz receosa "eu não sou a única que pensa assim,
né? Não quero obrigá-las a algo que não queira". Então, Umi diz:
"As garotas encantadoras e inocentes como Hikaru são tão escassas".
Ao contrário de CardCaptor Sakura, que possui um caráter mais episódico e
portanto melhor para desenvolvimento de personagem, MKR é linear, o que acaba
realçando ainda mais essa necessidade de reafirmação.
Isso pode não significar nada para adultos de 18 a 30 anos,
mas para um o público infanto juvenil, são valores ressaltados que chegam até
eles como uma mensagem forte. O CLAMP torna esses personagens em versões
chibis, nos momentos mais inusitados, quebrando uma atmosfera densa, e tornando
o clima leve e divertido. O ponto alto sem dúvidas são os desfecho dos dois
arcos de MKR, com reviravoltas inesperadas, e até chocantes.
Embora não seja tão expressivo, MKR é um clássico do Mahou
Shoujo moderno, e um dos títulos mais impactantes do CLAMP, apesar de estar
longe de ser o melhor. Aqui você nota uma gama de referências a seus trabalhos
anteriores e diversas características somadas que se tornariam comuns em seus
trabalhos posteriores, como uma citação explicita à famosa palavra do CLAMPverso; "hitsuzen" ("inevitável"/
"destino" – "Neste mundo não existem coincidências. Há apenas o
inevitável." By Yuuko), que se tornaria famoso em CC Sakura, ainda
que o conceito de destino já fosse algo presente em trabalhos anteriores de uma
forma mais vaga, além de mundos paralelos (que
deixaria ser algo especulativo e viraria realidade) e o símbolo do CLAMP; a
Mokona branca. Com Mokona, como se pode ver ao final da segunda parte de MKR, o
CLAMPverso foi criado definitivamente
e desde então, todas as suas séries parecem se interligar em um multiverso
regido pela Ohkawa.
Sailor Moon foi a maior referência para o Mahou Shoujo
moderno, inspirado em Cutie Honey, de Go Nagai, e em Super Sentais, mas MKR
subverteu o gênero antes mesmo dessa palavra ficar tão corriqueira, como
atualmente. O argumento de três meninas tão distintas e que não se conhecem,
serem teletransportadas da torre de Tóquio para um mundo lendário, hoje em dia
soa como banal e previsível. No entanto, MKR conseguiu marcar por explorar territórios
ainda inexplorados dentro do gênero, que até então se mantinha distante das
portas para o mundo encantado.
O CLAMP não só abriu essas portas, como também ao mesmo
tempo, brindou seus leitores com a clássica formula da princesa em perigo, com
sua salvação por valentes cavaleiros, sendo um fato irrevogável. Com MKR, o
CLAMP se submete a essa formula padrão, para então subvertê-la, do cenário de
fantasia, à obscuridade presente na alma humana – E até por isso, a primeira
parte do mangá, não possui nenhum romance declarado, apesar dos flertes entre
Fuu e Ferio. Assim, o CLAMP inverte as convenções dos shoujos e da famosa
jornada do herói nos shounens. Dessa vez os cavaleiros que resgatarão a
princesa, são garotas. Garotas pilotando robôs gigantes. Garotas em armaduras
clássicas de jogos RPG, voltados para homens. Garotas segurando espadas, e as
usando, numa história shoujo, repleta de combates e certo grau de violência.
Como diria Ohkawa em uma entrevista “Queríamos aproveitar esta
oportunidade e fazer algo que nunca tinha sido feito antes. Naquela época, já
havia histórias de meninas em combate, mas nada que envolviam robôs gigantes...
Imaginamos que os leitores da Nakayoshi não iriam comprar uma história que só
girasse em torno de robôs, por isso acrescentamos alguma fantasia, e elementos
de RPG". MKR se distingue pela sua mistura de forma intrínseca de
gêneros tão distintos, potencializando todos esses elementos de forma conjunta.
Explorando os limites de convenções, o CLAMP expandiu a
partir de MKR, uma base considerável de fãs. Inspirado principalmente em Final Fantasy
e Dragon Quest, a história se desenvolve presa a esse conceito, onde o
personagem é inserido alheio a sua vontade em uma história, e se vê necessário interagir
com vários outros personagens, confrontar diversos adversários, para então,
subir de nível. Não por acaso, as armaduras e itens de combate das guerreiras,
são evolutivas, e vão ganhando UPGRADE sempre que elas avançam para um nível mais
difícil. Claro que isso é um subtexto, o roteiro precisa ser dinâmico e
envolvente, e então, no capítulo 1 é inserido o princípio do hitsuzen, que
voltaria a tona no capítulo 3, tornando o roteiro bem embasado para tudo o que
viria a seguir. As personagens estão cientes que executam tarefas
pré-definidas, e que só poderão voltar para casa, quando derrotarem o último
BOSS e completarem a missão.
Hikaru, Umi e Fuu se auto referenciarem a todo instante como
personagens inseridas num mundo de fantasia, o desfecho trágico e atípico, e o
conceito do hitsuzen, nos mostram implicitamente o fato delas nunca estarem
desempenhando aquela tarefa por vontade própria. E aí vem a importância da
segunda parte do mangá, ou nas palavras das próprias integrantes, uma história
onde os personagens conseguissem superar as adversidades pela força de vontade,
se desprendendo das correntes que os prendiam. O final da segunda metade fica
muito melhor depois de entender qual era a intenção do CLAMP, onde mesmo sendo
mais uma daquelas mensagens subliminares de diversos shounens, é difícil não
ver essas duas partes distintas da história como uma subversão de valores,
seguido de uma reafirmação, onde essas personagens voltam à Cephiro por sua
própria vontade, e não mais estão se submetendo às regras pré-estabelecidas.
"Muitos de nós
vivemos nossas vidas presas em um RPG do mundo real. Aqueles que não têm
conhecimento da conexão entre o mundo e eles mesmos são semelhantes aos
personagens em um RPG.... Assim como vamos sair deste role-playing, construir
e liderar nossas vidas sem arrependimento? Para fazer isso, temos de estar
conscientes de nossa relação com o nosso meio, e entender o nosso papel nele...
É sobre ter a consciência de nosso mundo e de nós mesmos. Esse é o primeiro
passo para recuar de uma existência role-playing".- CLAMP, 2005, TokyoPop
Toda essa narrativa cognitiva, onde o leitor acaba
absorvendo aquela história como algo extremamente familiar, mas meio que sem
perceber isso no momento em que lê, talvez seja a melhor característica de MKR.
Essa necessidade de mensagem moral já é algo enraizado na cultura japonesa, por
séculos, e Hikaru ao desejar tornar Cephiro um mundo regido pela força de
vontade de uma sociedade em comum, com todos fazendo a sua parte, realça o
velho coletivismo japonês. E o CLAMP soube aproveitar bem os elementos de
fantasia e RPG tão em alta na década de 90, para se aproximar dos seus leitores.
Tão forte quanto essa mensagem, talvez também seja a do
feminismo. Não importa os conceitos de uma audiência masculina utilizada na
história, MKR ainda é um shoujo genuíno. Seja pela arte semiótica que se
distingue tanto dos quadrinhos feitos por homens, ou mesmo pela quase imperceptível
crítica às convenções de gênero. Você pode ver que as mulheres maduras e
ousadas sexualmente são punidas, casos de Alcyone, caracterizada de forma
vulgar, que ousou se apaixonar pelo interesse amoroso da Princesa Emeuraulde –
Mesmo a princesa Emeraulde, é isso; Uma doce, amável e virginal Princesa,
desenhada na forma de uma criança. Já quando seu coração, perto do final da
história do primeiro arco, é tomado pelo rancor, ódio e luxuria, ela se
transforma numa mulher sexualizada. Ai vai um spoiler importante [selecione a
seguir, para ler]: O fato
dela ter sido morta, desenhada dessa forma, e não na representação de uma
criança, já é um forte indicador para essa mensagem do CLAMP. Enquanto
as personagens puras permanecem puras, as que se aproximam do padrão real de
comportamento, são castigadas com a morte.
Bem, talvez até por isso o CLAMP tenha oferecido à Hikaru no
final, dois noivos, que além de possuírem uma química bromance, também se
interessaram por ela. E não é isso tudo o que uma garotinha quer? Príncipes
caídos por ela. Príncipes que se deem “bem”.
Nota: 06/10
Autor: CLAMP
Volume: 06
Volume: 06
Ano: 1993/1995 (parte 1), 1995/1996 (parte 2)
Revista: Nakayoshi
Editora: Kodansha
Demográfico: Shoujo
Esse texto foi uma colaboração para o CLAMPday R2, uma ação
conjunta, entre blogueiros, fãs e simpatizantes do grupo CLAMP. Acesse a página oficial e veja o histórico
completo com as publicações dos envolvidos.
Dicas de Leitura do CLAMPday R2:
-Todos se encontram na Torre de Tóquio [Mangá Arte ~]
Referência:
-CLAMP in Context: A Critical Study of the Manga and Anime (Livro)