Segundo filme, mesmo com ritmo lento, passa rápido e deixa a expectativa de um bom encerramento para a franquia.
Mardock Scramble: The Second Combustion continua exatamente do ponto em que parou no filme anterior: Depois de uma longa troca de tiros entre Rune Balot e a Companhia Bandersnatch, Oeufcouque fica gravemente danificado quando ela se deixa levar pelo ódio ao confrontar Dimsdaile Boiled. Mas, felizmente, o Dr. Easter os livra de um futuro todo manchado de vermelho ao resgatar Balot no último momento. Pouco tempo depois, Balot se recupera num antigo Instituto de Pesquisas Espaciais "Paraíso". Lá, ela conhece novos amigos, aprender mais sobre a lei Scramble-09 e também sobre uma conexão inesperada com Companhia Octuber. Mas a paz não dura muito tempo, porque Boiled aparece para novamente tentar exterminar Balot, que logo se vê confrontada diante uma decisão difícil...
Um local fechado conhecido como Paraíso, o lar de pessoas
que se submeteram a vários tipos de melhoria cibernética. Há também uma
floresta iluminada constantemente por luz artificial com uma temperatura
controlada. Na floresta, ao lado de uma piscina, que também serve como um
terminal de computador, um assassino imparável tem uma longa conversa sobre o
valor da vida humana com uma cabeça sem corpo dentro de uma gaiola de metal;
Uma conversa que recebe o seu ponto final quando uma chuva de sangue e vísceras
cai sobre ambos, com vários tubarões sobrevoando o céu artificial daquele
paraíso, prontos para devorarem o invasor.
Se depois de assistir “The First Compression” você ainda
não tiver pegado a ideia, com certeza em “The Second Combustion” você não conseguiu
ficar indiferente a toda estranheza dessa série. Antes mesmo dessa boa
sequência com os tubarões voadores que investem para cima de Boiled, nós
acompanhamos Balot que conhece um garoto onde sua voz sai por um orifício em
sua testa – isso nem chega a ser tão bizarro se levamos em conta que Balot
conversa sem precisar abrir a boca –, que não precisa respirar nem comer ou
dormir, e possui uma relação homossexual com um golfinho ciberneticamente com
inteligência humana.
Eles se veem como irmãos e amantes. Também podemos
acompanhar a conflituosa relação sentimental entre a nossa Balot e camundongo
modificado geneticamente; Oeufcoque. Outro exemplo é a situação do Dr. Easter
que ficou impotente (informação não
revelada no filme) por causa das centenas de horas dedicadas à sua pesquisa.
O que há em comum com todos estes exemplos citados? Sim, a relação assexuada. É
como se o autor quisesse passar a ideia de uma relação que transcende a matéria
e toca o etéreo. Assim, Bulot, 15 anos, estuprada pelo próprio pai biológico aos
12, e desde então se prostituindo, circula nua na frente do Dr. Easter sem que
haja qualquer tensão sexual por parte dele. O mesmo para Oeufcoque. E bem, para
todos que habitam o “paraíso”.
Nada estranho que o autor faça uma apologia sobre o amor transcendental
e vilanize o sexo, afinal se trata de
uma light novel para ser lida em metrôs ou curto espaço de tempo entre muitos
jovens japoneses desiludidos com o sexo oposto (e já vimos isso outras vezes, como em Chobits, do CLAMP). E quando digo “vilanizar” o sexo, não falo sem
razão. Provavelmente no próximo filme, será revelado que nosso antagonista,
Shell, tem seus impulsos homicidas enraizados no passado, quando [selecione
para ver o spoiler] foi
estuprado por sua mãe. Assim, ele se dirige a jovens que também foram abusadas
sexualmente por seus pais para torna-las limpas novamente, transformando-as em
diamantes azuis (como visto no
primeiro filme).
Este filme inclusive aborda a questão de Eva e seu despertar
para o conhecimento. Seja ao se defrontar com Dr. Easter e se sentir envergonhada
por estar nua à sua frente, ou pelo conhecimento adquirido com a estranha
cabeça dentro da jaula. No “The First Compression”, podemos fazer uma analogia
com “Compressão de dados” [ato de reduzir o espaço ocupado por dados num
determinado dispositivo através de vários algoritmos, transformando-os em
bytes]; ali descobrimos como a tecnologia do mundo de Mardock City funciona.
Balot se salva por que sua consciência fora preservada e implantada em um corpo
reconstituído artificialmente. Um exemplo melhor é Oeufcoque, que é
semi-imortal por ter sua matéria espalhada por várias dimensões.
Em “The Second Combustion”, vemos na prática a reação química
entre uma substância e outra. O poder adquirido por Bulot, e as
responsabilidades que isso trás. No primeiro filme, Dr. Easter procurava uma
desculpa para exercer a tecnologia militar que havia desenvolvido, com a quase
morte de Balot ele consegue uma desculpa legal através do Scramble Mardock 09 (a preservação da vida usando tecnologia
proibida) para fazer isso. Ele ganha, e Balot também ganha, podendo enfim
dar um fim às operações da Corporação Octuber. O grande entrave será lidar com
seus sentimentos de vingança, e este é um ponto muito bacana dessa trama – Shell
age por baixo das vistas da lei e tenta apagar
Balot, que por sua vez precisa se manter viva e provar a culpa dele
judicialmente.
Mardock Scramble traz o debate filosófico sobre o uso da
tecnologia. Algo tão comum em tramas cyberpunks. Todos que encontram com Balot
parecem querer discutir o sentido da vida, ou o porquê eles matam. Algumas
vezes inclusive enquanto as personagens trocam tiros entre si. Para quem curte
cyberpunk, em tese isso parece muito legal, mas ainda prefiro as metáforas que
o autor usa. Sim, EGGS, ou no bom português; ovos. Há um trocadilho nos nomes
dos personagens, que acabam se revelando em sua origem como ovos. É a sua metáfora
para o nascimento de um novo ser a partir da tecnologia, do autodescobrimento e
aquisição de conhecimento. Só aí Balot conseguirá entender sua própria pergunta: "Por que eu?".
Pra ficar em dois exemplos apenas, Oeufcoque deriva do francês
“oeuf à la coque” (ovo cozido), Balot
vem do prato “Balot” ou “Balut” onde um embrião de galinha é cozinhado e comido
diretamente de sua concha. No primeiro filme, Balot pode ser vista
metaforicamente (daí o “Balot”) como
um feto que acabara de chocar de sua concha. O cliffhanger anterior que nos
leva ao ponto deste filme, origina justamente de sua falta de maturidade ao se
deixar levar por suas emoções. Agora ela precisa assumir as responsabilidades e
se tornar uma adulta, ou seja, a arma ideal desprovida de emoções. Basicamente,
o filme inteiro é sobre isso.
Como podemos ver, Mardock Scramble é cheio de boas ideias
deslumbrantes se equilibrando perfeitamente entre o contemplativo e a
violência. O grotesco, e o sentimental. Entre a ação enlouquecida e a narrativa
maçante. Diálogos instigantes e personagens bizarramente trash’s. Mas Scramble,
que pode até ser um belo romance, configura-se até aqui como filmes de roteiros
medianos. O próprio autor original, Tow Ubukata, foi o responsável pela
adaptação do texto, o que talvez seja a maior baixa na staff da produção, tendo
em vista que sua mentalidade é de escritor, não roteirista. O resultado dessa
aventura, continuamos a ver em Mardock Scramble: The Second Combustion; tons,
ritmos e desenvolvimento aquém do que se espera de um filme. E quem mais sofre,
é a personagem Balot, pela falta de imersão em seu psicológico, principalmente
quando pensamos que se trata de uma personagem complexa – Porém, apresentada
como se fosse uma casca vazia e embalada por um drama que tenta convencer o
espectador que aquilo é o suficiente.
E sim, maçante, embora isso dependa muito do seu grau de
imersão no texto e na história. Eu por exemplo, gostei bem mais deste filme que
o anterior, mesmo com 40% dele se passando dentro de um cassino, sendo essa uma
das maiores críticas dos que assistiram. De longe, é a sequência que possui os
melhores diálogos, confrontos psicológicos, e a direção num timing excelente
que nos brinda com ótimos jogos de câmera, além de uma atmosfera que privilegia
o conflito interno de Balot em seu confronto silencioso com uma personagem que
despertara sua atenção. As armas usadas dessa vez? Uma bolinha e uma roleta. Numa
simples cena travada por frases monossilábicas e dissertações internas, se vê
Balot crescendo mais do que em todos os outros 60% do filme.
Não se engane, Mardock Scramble: The Second Combustion
consegue ser levemente superior ao primeiro filme da trilogia, embora sem a
mesma pegada thriller. As cenas de nudez continuam, mas dessa vez o sexo não é
explorado, e a violência se encontra mais atenuada pelo caráter expositivo do
roteiro. Mesmo a trilha sonora ficou mais suave, destaque para a pela de Jazz
em toda a parte do cassino, e fechando o filme, Minako Honda, assim como no
anterior, novamente fecha de forma espetacular com “Ave Maria”, uma releitura
belíssima que chega a dar pena Mardock Scramble não fazer por onde merecer esse
encerramento.
Se no anterior a paleta de cores saturada em seus tons
gradientes privilegiava a história sombria, aumentando a impressão de solidão e
tristeza em torno de Balot, dessa vez os tons estão mais claros, mais
brilhantes e com paisagens maravilhosas. Isso reflete bastante o estado atual
da trama e suas personagens. O clímax pode não ter sido arrebatador, mas a
estruturação foi boa e fiquei com a impressão que naquele momento, a Balot se
tornara a personagem que eu estava esperando encontrar.
Animação
Digno de nota é a elogiada parte técnica de Mardock
Scramble. O estúdio GoHands surgiu da diluição da staff de outro estúdio; o Satelight (Muv-Luv Alternative).
O próprio nome do estúdio deriva de uma mascote da antiga empresa, o Gohan-chan.
Formado em 2008, é um estúdio que tem tudo para despontar no cenário da
animação nos próximos anos, e bons animadores e tecnologia para isso eles
possuem, como podemos notar no Project [K] e o próprio Mardock Scramble.
Porém, parece faltar uma força criativa, estas que fazem uma boa diferença para
outros estúdios, como o Kyoto Animation, por exemplo. Animadores competentes eles possuem, e eu
posso não gostar muito do estilo do estúdio, mas a o uso de CGI, renderização e
iluminação é fantástica.
Nota-se que estão primando bastante pelo visual,
padronizando o character designer, e usando sempre cores gradientes nas suas
duas principais séries até agora [Scramble e Mardock], assim como filtros de
granulação. O certo é que isso vire tendência e se torna uma assinatura do
estúdio, embora, no primeiro momento seja o que chama a atenção, possa vir a se
tornar cansativo visualmente num hipotético futuro. Enfim, Mardock Scramble:
The Second Combustion prima por uma atenção maior aos detalhes, talvez por não
exigir as sequências do primeiro.
Nota: 05/10
Direção: Susumu Kudo
Roteiro: Ubukata Tow
Estúdio: GoHands
Ano: 2011
Duração: 60 min.
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