quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Mardock Scramble: The Second Combustion – Por que Eu?

Segundo filme, mesmo com ritmo lento, passa rápido e deixa a expectativa de um bom encerramento para a franquia.

Mardock Scramble: The Second Combustion continua exatamente do ponto em que parou no filme anterior: Depois de uma longa troca de tiros entre Rune Balot e a Companhia Bandersnatch, Oeufcouque fica gravemente danificado quando ela se deixa levar pelo ódio ao confrontar Dimsdaile Boiled. Mas, felizmente, o Dr. Easter os livra de um futuro todo manchado de vermelho ao resgatar Balot no último momento. Pouco tempo depois, Balot se recupera num antigo Instituto de Pesquisas Espaciais "Paraíso". Lá, ela conhece novos amigos, aprender mais sobre a lei Scramble-09 e também sobre uma conexão inesperada com Companhia Octuber. Mas a paz não dura muito tempo, porque Boiled aparece para novamente tentar exterminar Balot, que logo se vê confrontada diante uma decisão difícil...


Um local fechado conhecido como Paraíso, o lar de pessoas que se submeteram a vários tipos de melhoria cibernética. Há também uma floresta iluminada constantemente por luz artificial com uma temperatura controlada. Na floresta, ao lado de uma piscina, que também serve como um terminal de computador, um assassino imparável tem uma longa conversa sobre o valor da vida humana com uma cabeça sem corpo dentro de uma gaiola de metal; Uma conversa que recebe o seu ponto final quando uma chuva de sangue e vísceras cai sobre ambos, com vários tubarões sobrevoando o céu artificial daquele paraíso, prontos para devorarem o invasor.


Se depois de assistir “The First Compression” você ainda não tiver pegado a ideia, com certeza em “The Second Combustion” você não conseguiu ficar indiferente a toda estranheza dessa série. Antes mesmo dessa boa sequência com os tubarões voadores que investem para cima de Boiled, nós acompanhamos Balot que conhece um garoto onde sua voz sai por um orifício em sua testa – isso nem chega a ser tão bizarro se levamos em conta que Balot conversa sem precisar abrir a boca –, que não precisa respirar nem comer ou dormir, e possui uma relação homossexual com um golfinho ciberneticamente com inteligência humana.

Eles se veem como irmãos e amantes. Também podemos acompanhar a conflituosa relação sentimental entre a nossa Balot e camundongo modificado geneticamente; Oeufcoque. Outro exemplo é a situação do Dr. Easter que ficou impotente (informação não revelada no filme) por causa das centenas de horas dedicadas à sua pesquisa. O que há em comum com todos estes exemplos citados? Sim, a relação assexuada. É como se o autor quisesse passar a ideia de uma relação que transcende a matéria e toca o etéreo. Assim, Bulot, 15 anos, estuprada pelo próprio pai biológico aos 12, e desde então se prostituindo, circula nua na frente do Dr. Easter sem que haja qualquer tensão sexual por parte dele. O mesmo para Oeufcoque. E bem, para todos que habitam o “paraíso”.

Nada estranho que o autor faça uma apologia sobre o amor transcendental e vilanize o sexo, afinal se trata de uma light novel para ser lida em metrôs ou curto espaço de tempo entre muitos jovens japoneses desiludidos com o sexo oposto (e já vimos isso outras vezes, como em Chobits, do CLAMP).  E quando digo “vilanizar” o sexo, não falo sem razão. Provavelmente no próximo filme, será revelado que nosso antagonista, Shell, tem seus impulsos homicidas enraizados no passado, quando [selecione para ver o spoiler] foi estuprado por sua mãe. Assim, ele se dirige a jovens que também foram abusadas sexualmente por seus pais para torna-las limpas novamente, transformando-as em diamantes azuis (como visto no primeiro filme).  



Este filme inclusive aborda a questão de Eva e seu despertar para o conhecimento. Seja ao se defrontar com Dr. Easter e se sentir envergonhada por estar nua à sua frente, ou pelo conhecimento adquirido com a estranha cabeça dentro da jaula. No “The First Compression”, podemos fazer uma analogia com “Compressão de dados” [ato de reduzir o espaço ocupado por dados num determinado dispositivo através de vários algoritmos, transformando-os em bytes]; ali descobrimos como a tecnologia do mundo de Mardock City funciona. Balot se salva por que sua consciência fora preservada e implantada em um corpo reconstituído artificialmente. Um exemplo melhor é Oeufcoque, que é semi-imortal por ter sua matéria espalhada por várias dimensões.

Em “The Second Combustion”, vemos na prática a reação química entre uma substância e outra. O poder adquirido por Bulot, e as responsabilidades que isso trás. No primeiro filme, Dr. Easter procurava uma desculpa para exercer a tecnologia militar que havia desenvolvido, com a quase morte de Balot ele consegue uma desculpa legal através do Scramble Mardock 09 (a preservação da vida usando tecnologia proibida) para fazer isso. Ele ganha, e Balot também ganha, podendo enfim dar um fim às operações da Corporação Octuber. O grande entrave será lidar com seus sentimentos de vingança, e este é um ponto muito bacana dessa trama – Shell age por baixo das vistas da lei e tenta apagar Balot, que por sua vez precisa se manter viva e provar a culpa dele judicialmente.

Mardock Scramble traz o debate filosófico sobre o uso da tecnologia. Algo tão comum em tramas cyberpunks. Todos que encontram com Balot parecem querer discutir o sentido da vida, ou o porquê eles matam. Algumas vezes inclusive enquanto as personagens trocam tiros entre si. Para quem curte cyberpunk, em tese isso parece muito legal, mas ainda prefiro as metáforas que o autor usa. Sim, EGGS, ou no bom português; ovos. Há um trocadilho nos nomes dos personagens, que acabam se revelando em sua origem como ovos. É a sua metáfora para o nascimento de um novo ser a partir da tecnologia, do autodescobrimento e aquisição de conhecimento. Só aí Balot conseguirá entender sua própria pergunta: "Por que eu?".

Mardock Scramble The First Compression

Pra ficar em dois exemplos apenas, Oeufcoque deriva do francês “oeuf à la coque” (ovo cozido), Balot vem do prato “Balot” ou “Balut” onde um embrião de galinha é cozinhado e comido diretamente de sua concha. No primeiro filme, Balot pode ser vista metaforicamente (daí o “Balot”) como um feto que acabara de chocar de sua concha. O cliffhanger anterior que nos leva ao ponto deste filme, origina justamente de sua falta de maturidade ao se deixar levar por suas emoções. Agora ela precisa assumir as responsabilidades e se tornar uma adulta, ou seja, a arma ideal desprovida de emoções. Basicamente, o filme inteiro é sobre isso.

Como podemos ver, Mardock Scramble é cheio de boas ideias deslumbrantes se equilibrando perfeitamente entre o contemplativo e a violência. O grotesco, e o sentimental. Entre a ação enlouquecida e a narrativa maçante. Diálogos instigantes e personagens bizarramente trash’s. Mas Scramble, que pode até ser um belo romance, configura-se até aqui como filmes de roteiros medianos. O próprio autor original, Tow Ubukata, foi o responsável pela adaptação do texto, o que talvez seja a maior baixa na staff da produção, tendo em vista que sua mentalidade é de escritor, não roteirista. O resultado dessa aventura, continuamos a ver em Mardock Scramble: The Second Combustion; tons, ritmos e desenvolvimento aquém do que se espera de um filme. E quem mais sofre, é a personagem Balot, pela falta de imersão em seu psicológico, principalmente quando pensamos que se trata de uma personagem complexa – Porém, apresentada como se fosse uma casca vazia e embalada por um drama que tenta convencer o espectador que aquilo é o suficiente.


E sim, maçante, embora isso dependa muito do seu grau de imersão no texto e na história. Eu por exemplo, gostei bem mais deste filme que o anterior, mesmo com 40% dele se passando dentro de um cassino, sendo essa uma das maiores críticas dos que assistiram. De longe, é a sequência que possui os melhores diálogos, confrontos psicológicos, e a direção num timing excelente que nos brinda com ótimos jogos de câmera, além de uma atmosfera que privilegia o conflito interno de Balot em seu confronto silencioso com uma personagem que despertara sua atenção. As armas usadas dessa vez? Uma bolinha e uma roleta. Numa simples cena travada por frases monossilábicas e dissertações internas, se vê Balot crescendo mais do que em todos os outros 60% do filme.

Não se engane, Mardock Scramble: The Second Combustion consegue ser levemente superior ao primeiro filme da trilogia, embora sem a mesma pegada thriller. As cenas de nudez continuam, mas dessa vez o sexo não é explorado, e a violência se encontra mais atenuada pelo caráter expositivo do roteiro. Mesmo a trilha sonora ficou mais suave, destaque para a pela de Jazz em toda a parte do cassino, e fechando o filme, Minako Honda, assim como no anterior, novamente fecha de forma espetacular com “Ave Maria”, uma releitura belíssima que chega a dar pena Mardock Scramble não fazer por onde merecer esse encerramento.

Se no anterior a paleta de cores saturada em seus tons gradientes privilegiava a história sombria, aumentando a impressão de solidão e tristeza em torno de Balot, dessa vez os tons estão mais claros, mais brilhantes e com paisagens maravilhosas. Isso reflete bastante o estado atual da trama e suas personagens. O clímax pode não ter sido arrebatador, mas a estruturação foi boa e fiquei com a impressão que naquele momento, a Balot se tornara a personagem que eu estava esperando encontrar.

Animação
Digno de nota é a elogiada parte técnica de Mardock Scramble. O estúdio GoHands surgiu da diluição da staff de outro estúdio; o Satelight (Muv-Luv Alternative). O próprio nome do estúdio deriva de uma mascote da antiga empresa, o Gohan-chan. Formado em 2008, é um estúdio que tem tudo para despontar no cenário da animação nos próximos anos, e bons animadores e tecnologia para isso eles possuem, como podemos notar no Project [K] e o próprio Mardock Scramble. Porém, parece faltar uma força criativa, estas que fazem uma boa diferença para outros estúdios, como o Kyoto Animation, por exemplo.  Animadores competentes eles possuem, e eu posso não gostar muito do estilo do estúdio, mas a o uso de CGI, renderização e iluminação é fantástica.

Nota-se que estão primando bastante pelo visual, padronizando o character designer, e usando sempre cores gradientes nas suas duas principais séries até agora [Scramble e Mardock], assim como filtros de granulação. O certo é que isso vire tendência e se torna uma assinatura do estúdio, embora, no primeiro momento seja o que chama a atenção, possa vir a se tornar cansativo visualmente num hipotético futuro. Enfim, Mardock Scramble: The Second Combustion prima por uma atenção maior aos detalhes, talvez por não exigir as sequências do primeiro.


Nota: 05/10
Direção: Susumu Kudo
Roteiro: Ubukata Tow
Estúdio: GoHands
Ano: 2011