quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Chimoguri Ringo to Kingyobachi Otoko (2010): Realismo Fantástico

Garotas em maiôs contra um homem com... aquário na cabeça! 

Chimoguri Ringo to Kingyobachi Otoko (algo próximo a ‘Mergulhador do Sangue Ringo e o Homem Com uma Tigela de Peixe Dourado’) é um dos mangás mais curiosos que já tive o prazer de ler e também, visualmente, um dos mais instigantes. A narrativa é bem visual, tanto que em termos de roteiro, a história em pouco mais de 2 volumes, evolui pouco. A formúla é simples, mas apresenta uma série de ambientes vistos através das ações cartunescas que soam mais como um sonho daqueles bem lisérgicos. O próprio mundo possui uma construção bem fantasiosa. E essa é a maneira certa de se olhar para esse mangá.

Numa pequena comunidade não nomeada, uma criatura bestial tem aterrorizado os moradores- Quer dizer, não! Na verdade, eles mal se dão conta de sua existência e tudo o que há sobre essa terrível criatura, é uma lenda urbana de que em dias chuvosos, um homem de terno, guarda-chuva e um aquário com peixinho dourado na cabeça cruzar o seu caminho, estará em sérios apuros. O que não imaginam é o fato da lenda ser verídica. Se um homem com cabeça de aquário estivesse rondando por uma comunidade já não fosse algo surreal o suficiente, quando ele ataca alguém, um peixinho salta para fora da tigela em sua cabeça e bebe o seu sangue. 

Oh, sim, você leu certo, meu caro!  

E não para por ai. Neste momento do ataque, a vitima é transformada em peixe depois de um curto tempo. Para salvar essas pessoas e tentar achar uma maneira de deter esta criatura, existe uma associação chamada de “mergulhadores do sangue” ou algo assim, onde os membros são compostos por colegiais em swimsuit, ou seja, maiôs escolares!! Estes são seus uniformes de batalha. A coisa é tão maluca, que a protagonista título, Ringo, não sente a menor vergonha de andar pela cidade com estes trajes, mas se sente constrangida ao ser obrigada a usar roupas normais – o que é uma inversão bem interessante com relação ao código de conduta social: somos condicionados desde pequenos a estes códigos, de modo que tendemos a vê-los como signos indissociáveis. Um biquíni não causa vergonha em publico, mas uma calcinha sim, mas tudo não passa de uma reação aos signos absorvidos do que é certo e errado e estamos intrinsecamente ligados a eles, é difícil escapar por mais abertos que sejamos. 

Enfim, Ringo passa por muitos apuros, porque a sociedade é alheia ao que ela combate, e ao sair andando pela rua vestida de maiô, em certo momento ela acaba indo presa, além de causar excitações involuntárias em seres do sexo masculino.  A parada fica ainda mais tóxica ao percebemos que a Ringo possui suas próprias armas de batalhas: um guarda-chuva, um revolver de plástico que carrega no pescoço, entre outros apetrechos que ela retira de dentro do uniforme (sim, ali deve ter aviões armazenados!!!!), ora da região dos seios, ora da virilha! Para tentar salvar as vítimas, Ringo mergulha na ferida aberta pelo homem do aquário, adentrando no interior do corpo do sujeito, travando então uma batalha feroz para impedir a toxina do peixe de consumir a pessoa. É então, que um dia, o homem do aquário faz a irmã de Kyousuke de vitima, que acaba se transformando em peixinho depois de certo tempo. Kyousuke ao cruzar com Ringo, tem a chance de salvar outras pessoas e descobrir uma forma de reverter a transformação de sua irmã, se tornado parceiro da garota.
 
Chimoguri Ringo é um mangá de 3 volumes ainda em andamento, de autoria de Abe Youichi. A formúla que ele usa é uma mistura de harém; afinal, todo volume aparece uma nova chimoguri (mergulhador do sangue), com battle shounen e coming-of-age. Com relação ao harém e battle shounen, o autor usa a configuração, mas altera os princípios: até o momento, só há pouco mais de 2 volumes traduzidos, mas apenas Ringo se desponta como potencial interesse amoroso, sendo que nenhuma das outras garotas demonstra interesse nele, nem ele nelas; inclusive uma das integrantes é uma mulher casada, LOL. E o aspecto battle shounen é estabelecido mais pela luta entre as chimoguris e seus assistentes com os peixes; é mais uso de estratégia do que individualismo. Com relação ao coming-of-age, como toda obra sobre crescimento, Chimoguri Ringo apresenta um mundo estranho e desconhecido, com seus adolescentes fazendo novas descobertas com relação ao mundo que os rodeiam, sobre os instintos sexuais, os sentimentos conflitivos ora de querer atrair a atenção do outro ora o fato de não entender aquela atração instantânea. A própria inadequação social com relação à transição do tipo de roupa que se veste. A descoberta do corpo. Enfim, creio ter muito disto, embora o maior esplendor aqui seja o caos narrativo. 
Acredito que para uma analise mais profunda e contextualizada de Chimoguri Ringo, pede-se um aprofundamento da astrologia, porque no fim das contas, astros; natureza; pessoas; sociedade está tudo interligado. A figura do peixe alude para um contato com o “mundo da morte” e suas infinitas possibilidades sobrenaturais, além de fecharem um ciclo. Como Ringo e Kyousuke se opondo a um ser místico e duelando com peixes em um universo dentro de um universo (dica: Milk Closet - A Cosmogonia de Tomizawa Hitoshi), por intervenção do homem do aquário que tenta recriar o mundo à sua maneira transformando todos em peixes. Também fim de um ciclo, já que representa o abandono e transição de uma fase da vida para a outra, entre a puberdade e o mundo adulto. 
Porém, Chimoguri Ringo é muito mais sobre o perigo letal representado pelo homem do aquário à humanidade do que pelos peixes, que apenas agem instintivamente e são facilmente detidos pelas chimoguris. Logo, nosso olhar é sobre Aquário e seu sentido de comunidade e humanitário. Que por um acaso [ou não], se trata de uma das principais doutrinas da tradição cultural japonesa: o senso de comunidade e a refutação da individualidade em prol do coletivo. Em Chimoruri Ringo, a Ringo encontra sérias dificuldades em agir sozinha, sua chefa se encontra incapacitada, e mesmo quando convocam novamente a grande prodígio aposentada, para ajudar nas capturas dos peixes, o nível de dificuldade aumenta tanto, que mesmo ela não é capaz de fazer tudo sozinha sem o auxilio do coletivo. 

Mesmo em diversas obras japonesas, se percebe esse conflito entre individualismo e coletivismo. O individualismo é essencial a cada elemento que compõe uma comunidade, como a regra de etiqueta japonesa de nunca encarar o outro ou se meter em sua vida pessoal seja para o que for; fazendo com que incríveis fenômenos aconteçam por lá: idosos que morrem sem o menor alarde e são descobertos muitos anos depois abandonados em suas casas. Mas o individualismo nunca deve ser colocado à frente do coletivismo. Este conflito entre individualismo e coletivismo é o que simboliza Aquário. Aquilo que liga e conecta as pessoas não é necessariamente o que as torna unidas em uma comunidade. Por isso o símbolo do aquário. É a ideia de dedicação à humanidade/comunidade, que traz uma revolução repleta de sangue e violência, mas essencial para o bem da comunidade, como se vê obviamente no contexto de Chimoguri Ringo. O homem do aquário traz o conflito, e possibilita que os envolvidos neles possam aprender algo lidando com estes conflitos.
Essas são as duas perspectivas pelas quais consigo ver esta história. A social e a metamorfose humana perdida na multidão de um novo e complexo mundo que se abre aos seus olhos. E de certa forma, são temáticas entrelaçadas. 

Seja como for, Chimoguri Ringo to Kingyobachi Otoko é uma viagem lisérgica fantástica ao mundo da imaginação sem limites, onde entidades mitológicas coexistem e andam lado a lado de pessoas na rua com um aquário na cabeça, sem que isto cause algum alarde. Os diálogos são repletos de um humor leve e ingênuo, e isto se aplica até mesmo à narrativa visual, repleta de um estilizado lindo demais, onde preto e branco e predominam sobre um ausente acinzentado. Essa característica traz um impacto visual imersivo, somado à arte caricatural que possui um charme à lá Scott Pilgrim – o curioso é terem ambos começados quase ao mesmo tempo, em 2010.

Em tempo: estou apaixonada pela arte de Abe Youichi e sua criatividade imaginativa, os outros trabalhos dele também despontam como algo único, mas infelizmente ainda inacessíveis por falta de scans.

Credito das Imagens traduzidas: Bessatsu Scan

Avaliação (parcial): ★ ★  ★ ★
Autor: Abe Youichi
Serialização: Dengeki Comic Japan (ASCII Media Works)
Demográfico: Shounen
Volumes: 03 (em andamento)
MU: http://goo.gl/QeSKUX

Temas Relacionados:
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