Um velho animador conta suas experiências sobre o ato de fazer animes.
Então, continuando a série de entrevistas e pequenos quotes
que eu considero interessante para uma visão mais ampla da indústria, trago
esta com o animador e character design Hidenori Matsubara, de mais de 25 anos
de carreira, tendo trabalhado em animes como Neon Genesis Evangelion, PerfectBlue, Oh My Goddess, e atualmente trabalha para o Studio Kara, do Hideaki Anno.
Ele tem uma perspectiva interessante, embora demonstre um pouco de amargura ao
falar sobre o Cool Japan, ação não apenas do Governo, mas de diversos setores
da sociedade, como alternativa para as crises econômicas e sociais do país. O
Cool Japan tem o intuito de passar uma imagem descolada do Japão para o
ocidente, uma tentativa de desvincular a imagem negativa que possuem diante
outros países.
Consequência da reestruturação do país com motivações de passar
uma imagem positiva para o resto do mundo, talvez para alguns japoneses mais
tradicionais, soe como algo humilhante. De qualquer maneira, é interessante
ressaltar que as diversas ações do Governo com relação ao Cool Japan, já pode
ser sentido, talvez melhor por nós do que com por eles, o impacto na indústria
de animes e seu flerte com o ocidente. Quando o Ministério da cultura japonesa
resolveu bancar parte do orçamento necessário para o filme de Blood-C: The Last Dark, em detrimento de projetos criativamente melhores, como o projeto
cinematográfico inédito de Satoshi Kon que hoje se encontra engavetado por
falta de grana, eu pensei comigo que aquilo era algo muito mais estratégico do
que uma ação pensada criticamente, afinal, a franquia Blood Series tem um ótimo
retrospecto no ocidente. Em particular, um forte apelo para os americanos, como
qualquer outra série sangrenta e escurinha. E assim vai, entre vários projetos
como o Anima Mirai, a reaproximação com os fãs ocidentais através de animes
como Space Dandy, Little Witch Academia e mais uma série de projetos da indústria
de animes que busca o estreitamento da relação EUA-Japão, seja em coproduções,
ou produções que já surgem pensadas também no publico americano. Enfim, é um
assunto que rende um artigo próprio, de tão complexo.
Créditos à fonte original, otaku usa magazine, por
entrevista e imagens. Só traduzi parte da entrevista, por acha-la mais
pertinente. Você pode ler completa na fonte original. Durante o texto,
colocarei algumas NT (notas de traduções)
para auxiliar alguns termos.
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OUSA: Você estava lá
durante toda a transição do cel tradicional para a animação digital. Qual foi o
maior benefício, em retrospecto?
Matsubara: Isto é uma suposição, já que não sou um colorer (NT: palavra francesa para “colorista”; o responsável
por aplicação de cores), mas eu apostaria que não ter que esperar a tinta
secar deve ser uma enorme economia de tempo em comparação com os dias
pré-digitais. Além disso, ser capaz de entregar o trabalho artístico e outros
dados de animação remotamente acelerou e simplificou a logística de criação de uma
série. E, claro, corrigir erros tornou-se muito mais fácil.
Eu ouço frequentemente os fãs de séries antigas em animação
cel (NT: abreviação para celuloide; folhas
transparentes no qual os personagens são desenhados ou pintados à mão para a
animação) - coisas como Gunbuster, por exemplo - se perguntando se a recente
escassez de animação 2D tradicional para robôs e similares é porque as pessoas
que trabalharam nesses programas mais velhos deixaram a indústria, ou se é
simplesmente devido ao quanto mais rápido é fazer esse tipo de animação
digital.
Os animadores que costumavam desenhar mecha antigamente
ainda estão por aí, mas há muito mais séries sendo feitas em um determinado
trimestre, hoje, de modo que é provavelmente de onde esse sentimento vem. Em
comparação com o número de séries que estão sendo feitos, há relativamente
poucos robôs fazendo uso da animação tradicional em vez de CG. No entanto, eles
ainda estão por aí.
Eu diria que o uso típico para CG agora seria em coisas como
carros ou naves espaciais. Voltando nos dias de 2D [exclusivamente] desenhados
à mão, você não poderia realmente animar partes em movimentos em algo tão
grande como uma nave espacial de forma eficiente, então eu diria que é uma área
em que temos visto uma grande melhoria graças ao CG.
OUSA: Algo como
Yamato 2199, por exemplo...
Matsubara: Sim, exatamente.
OUSA: Você mencionou
antes que alguns programas passam uma imagem ilusória do quão difícil são para
desenhar character designs. Você pode oferecer um bom exemplo?
Matsubara: Yamato 2199 é, definitivamente, um bom exemplo de
design de personagens que são simples na superfície, mas realmente difíceis de
desenhar, e isso é algo que não se consegue saber até que você comece a
desenhá-los.
Em 2199... Há um personagem na série chamado Merda que tem
um character design particularmente difícil, eu acho. Seu terno de combate era
muito difícil de desenhar. Se você olhar para a sua silhueta é apenas um design
simples com curvas corporais, mas, na verdade, a animação foi
surpreendentemente desafiadora.
OUSA: Eu ouvi dizer
sobre o pessimismo de algumas pessoas dentro da indústria de anime sobre para onde
as coisas estão indo. Você já viu de tudo em primeira mão em quase 3 décadas – quais
são seus pensamentos sobre o futuro da indústria?
Matsubara: Bem, se você olhar para o número de títulos que
estão sendo lançados, ela continua crescendo, certo? Certa vez, houve o que foi
chamado de "anime boom" e se você olhar para quantas séries estão
sendo feitas agora, é quase o dobro do que estava sendo feito durante o período
do boom.
Mas, para produzirem estes vários títulos, o cronograma de
produção foi reduzido praticamente em todos os níveis, e o estilo de produção
mudou muito ao longo dos anos. Definitivamente, existem consequências para esse
tipo de alterações. Muitos se queixaram sobre como as coisas mudaram, como a
indústria mudou, e com o aumento do cronograma de produção, tudo isso se tornou
o "novo normal", e enquanto eu não necessariamente acho que é uma
coisa boa, isto é o que é e nós apenas temos que trabalhar com ele.
Talvez não seja muito diferente da indústria de atuação da
tela grande, onde se tornar um ator é extremamente difícil e o quão
gratificante é a profissão depende do quanto de paixão que você tem para este trabalho.
Ou talvez seja só mais uma coisa de negócios, e as pessoas
que sentem que há um problema estrutural com a indústria são os próprios
empresários.
OUSA: O governo
japonês tem pressionado a ideia de Cool Japan já há algum tempo, mas muitos
escritores que acompanham a cultura pop japonesa nos EUA sentem que é um
conceito fabricado que não reflete a realidade da popularidade dos animes no
mundo inteiro. O que você acha? Como animador, você já sentiu qualquer impacto
da iniciativa Cool Japan?
Matsubara: Bem, eu tendo a concordar com esses sentimentos
em relação a Cool Japan, sim. É mais algo que os estrangeiros usam para falar
sobre cultura pop japonesa de forma descritiva, em vez de cultural, e parece coisa
orquestrada pelo governo para seu próprio benefício. Talvez o governo não tenha
realmente ideia do que é, na verdade, Cool Japan, e assim o próprio impulso é a
única coisa que é real.
Se você olhar para algo como a Tokyo International Anime
Fair, por exemplo... Este ano eles tiveram um relatório, que comparou o número
de minutos de animação que foram produzidas no ano passado. Isso não parece
certo para mim. Esteja ou não a indústria indo bem ou produzindo conteúdo
interessante, não pode ser medido simplesmente contando quantos minutos de
filme foram feitos.
Pior ainda, o relatório foi redigido de tal forma que a
saída do ano corrente foi menor do que no ano anterior, enquadrando-o como se a
indústria tivesse caído em relação ao ano anterior, de alguma forma tangível. Foi
quando eu comecei a pensar que Cool Japan é menos sobre o aspecto cultural da
indústria de animação e mais sobre o lado puramente industrial.
Há também o Anime Mirai, a iniciativa do governo para treinar
jovens animadores, financiando a produção de algumas séries a cada ano.
Francamente, acho que os animadores que realmente querem trabalhar na
indústria, irão fazê-lo, tenham ou não qualquer tipo de patrocínio.
Eu acho que é perfeitamente plausível que eles estejam
empurrando o Cool Japan mais pelos preparativos para as Olimpíadas de 2020, assumindo
que prestem atenção ao que eles empurram, mas apenas espalhando suavemente essa
ideia de Cool Japan por ai sem qualquer pensamento é... Eu me pergunto se isso
vai resultar em qualquer resultado ou benefícios concretos, honestamente.
Dito isto, se algum projeto ousado ganhar sinal verde, como
resultado da iniciativa, certamente seria um grande benefício importante para a
indústria.
De qualquer forma, neste momento mesmo, nada nos estúdios
mudou graças ao Cool Japan, pelo menos ao nível de animador.
Fonte: Otaku Usa
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