quinta-feira, 5 de março de 2015

Revisitando: Barairo no Hoo no Koro (2007) - Tomatinhos Vermelhos Silvestres

A tormenta agita forte nos interiores de um conceituado colégio interno atingindo em cheio diversas vidas entrelaçadas. 
Barairo no Hoo no Koro é o primeiro mangá que leio da Asumiko Nakamura – e a bem da verdade, pode-se dizer que foi meu primeiro boys love (acho, não me lembro de ter lido outro anteriormente) –, fui atraída especialmente pela arte, que é bem singular. A estrutura corporal dos personagens é esguia e as proporções não obedecem aos padrões tradicionais (e nem mesmo tem o porquê de fazê-lo, a arte deve ser livre segundo a imaginação do seu autor), as expressões e as ações dos personagens são bem elásticas e a postura e o modo como às linhas do desenho da autora ganham forma expressam muito refinamento; e não poderia deixar de ser diferente em um colégio aristocrático para garotos, que é onde a história se passa, mas logo percebemos que este refinamento que destaca sobrancelhas, cílios, lábios e maxilar é um padrão artístico da autora nesta obra, não exatamente algo feito diferir um ambiente do outro (mesmo porque, a história toda se passa quase que completamente no recinto da escola). Em uma nota menor, os personagens de fundo são bem aleatórios, fisionomias similares e menos trabalhadas, o que confunde um pouco em alguns momentos. A quadrinizão e a aplicação de reticulas e matizes p&b utilizadas pela autora por outro lado representa um aspecto bem charmoso deste mangá.

Esta é uma história sobre descobertas, dúvidas e amadurecimento. Paul é um aluno dedicado, sério e que carrega sobre os ombros a responsabilidade de cumprir os objetivos traçados por seu pai. Andrew é rebelde, violento e não parece disposto a encarar com seriedade suas obrigações, ele é pássaro que nasceu para ser livre, mas que de repente é engaiolado e incapaz de se adaptar ao novo habitat. Os dois irão se colidir e viver um relacionamento tão indeciso quanto intenso, despertando uma necessidade para que possam finalmente ser empurrados para a vida adulta, como qualquer outro coming of age. 
Essas histórias sempre partem do mesmo princípio, mas o que as tornam diferentes ou interessantes ou incríveis é a forma como se desenvolvem. Barairo no Hoo no Koro é praticamente um conto de 5 capítulos (mais um extra), é bem curto, mas eficaz e objetivo no que pretende, comportando em sua curta duração conflitos e tramas magnéticas, que se entrelaçam e dão substância ao desfecho final. O relacionamento possessivo de Geraldson O'brien com Eugene Scott, a imigrante e solitária Donna; caminhos que se entrelaçam ao de Andrew Morgan e Paul Anderson, se influenciando mutualmente. 

Desde o momento inicial em que Andrew sente uma instantânea e tempestuosa atração por Paul, passando por seus momentos de dúvidas e incertezas e negativas quanto ao que sente, até o ponto em que toma uma decisão, a narrativa de Nakamura nos coloca tão próximos daqueles conflitos e desejos, que a imersão e instantânea e absorvente porque realmente soa verdadeira. Claro que há toda uma camada muito fantasiosa no qual a história é estruturada, mas no fim das contas, são as emoções permanecem reais. A estonteante e magnética beleza de Paul que captura completamente as pupilas de Andrew e o faz querer chegar cada vez mais perto e absorver seu cheiro e tocar sua pele, seguido da dificuldade dele em lidar com estas novas e primitivas emoções que se chocam com os valores com que fora ensinado – a figura ingênua e confusa de Andrew, repleto de boas intenções, e ao mesmo tempo indomável e inquieto, incapaz de abaixar a cabeça, é absolutamente genuíno e por isso apaixonante.

Acredito que uma das melhores epifanias de Nakamura foi envolver Andrew com uma mulher e assim ilustrando sua instabilidade emocional, permitindo para que ambos fizessem um sexo, a principio, levados muito mais por uma devastadora vontade de fugir e, também, carência afetiva. É quando realmente suas incertezas resvalam em nós como um inabalável concreto contra a pele, esfoliando-a. É também quando a incerteza se torna certeza, afinal, boa parte da comunidade LGBT certamente já passou por estes momentos de incertezas, onde o relacionamento com um gênero acabou se tornando sua melhor bússola. E Paul e Andrew são dois personagens antagônicos, o que torna a relação de ambos incendiária e repleta de farpas. Como pode alguém de personalidade tão obstinada e colérica se integrar com a passividade, resignação e tamanha entrega de alguém como Paul? Mas Andrew é maré descontrolada que Paul necessita para conseguir se livrar de todas as correntes que lhe agrilhoam – desde as imposições e o bullying no colégio interno à ambição que seu pai lhe impõe. No entanto, Paul e Andrew são como dois imãs, sentindo atração e repulsa ao mesmo tempo – Paul é um imã com densa camada de elétrons, tornando a aproximação afetiva de Andrew impraticável, pois se por um lado se atraem, por outro se repulsam com a mesma intensidade. Paul é um personagem complexo, com conflitos internos mal resolvidos, deixando muito pouco espaço para que Andrew possa adentrar.

Dizem que o inverso do amor é o ódio, mas a verdade é que o ódio é só mais uma face do amor, pois ambos batem na mesma intensidade. 


Barairo no Hoo no Koro tem sua carga melodramática, que ao que parece ser uma característica da autora. É como se fosse um produto dos anos de 1970 do Japão nos tempos atuais. A história se passa num período histórico não determinado com exatidão, mas claramente pós-Segunda Guerra Mundial, nos anos de 1950, e o cenário em que o enredo ocorre também não é dito abertamente, mas fica implícito não ser o Japão; eu desconfio se tratar da Inglaterra. 

Eis ai outro motivo que me levou a este mangá. Sou atraída facilmente para autores com essa carga de dramaticidade que impõe aos seus personagens. Mas é bom notar que não se trata de algo que ultrapassa a linha aqui, todos os momentos que o drama explode nas páginas, sua intensidade realmente parece adequado ao momento, e não uma situação supervalorizada excessivamente. Nakamura habilmente destila os conflitos das diversas tramas de sua história com a habilidade de uma confeiteira, fechando tudo de um modo mais realístico e maduro do que eu poderia esperar. Sem fantasias cor de rosa. Foi um tanto duro, mas muito adequado para o formato de 1 volume e seguindo uma lógica interna construída no tom que a autora deu à sua obra durante todos os capítulos. 

Na época em que eu li este mangá, não consegui encontrar em mim nenhum ponto de definição em como compreendia o que acabara de ler. Era um emaranhado de sensações abstratas. Não conseguia enxergar através de Paul e o desfecho havia me deixado sobressaltada, talvez por estar esperando algo mais doce e escapista. Acho que o final e a moral da historia têm esse poder de nos levar ao indefinido. Só depois de muitos meses, consegui chegar a uma definição em relação a esta história, e então sentir essa ânsia de vir e escrever um texto a respeito. Como uma história de personagens em busca de uma identidade própria e de compreender a si mesmos, o final soa como a peça definitiva para formar o que eles realmente são.

Oh, sim, só depois de já ter lido, que descobri que Barairo no Hoo no Koro faz parte de uma série de histórias que se passavam no mesmo universo, explicando o motivo de no extra, vermos os personagens desta história depois de muitos anos entrelaçados com personagens de outra história. Felizmente este é o primeiro da série, que segue com mais 4 (listados em seu perfil no MangaUpdates). Ainda assim, me parece que cada história é estruturada para funcionar por si mesma, independente de outras, o que é ótimo. Em última análise, este é um mangá que conta uma historia universal, e que deve ser apreciado não apenas por fãs de Boys Love, mas por qualquer pessoa em busca de uma história agradável... Ainda que talvez com um sabor áspero – um tanto amargo em relação a romances, e ainda assim capaz de trabalhar com desenvoltura em cima de sentimentos tão genuínos, como ódio e amor, atração e aversão, a vontade de mudar o mundo e não poder e a descoberta que boas intenções nem sempre são suficientes e do quanto um relacionamento pode se tornar uma prisão claustrofóbica. 

Avaliação:★★★☆☆
Autora: Nakamura Asumiko
Demografia: indefinido (a finada revista não tinha uma pré-definida)
Serialização: Manga Erotics F (Ohta Shuppan) 
Volumes: 01 (finalizado)
Onde encontrar: Não há em português nem foi publicado nos EUA.

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BÔNUS: imagens aleatórias (as páginas traduzidas foi eu que fiz)