sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Rewrite - Reescrevendo o Mundo Segundo o seu Próprio

A eterna busca pelo sentido de ser e existir. 
A temática de desastre climático ambiental tem estado presente de um modo intensivo nas pautas de debates sociais deste os anos de 1960. Possui antecedentes históricos, onde os primeiros relatos relevantes por meio de grupos de interesses se nota durante a Revolução Industrial do século XVIII (que se restringia a elites dominantes e intelectualizadas). Esse período de mudanças politicas, tecnológicas, sociais, ambientais e geográficas ocorridas no mundo ocasionou uma ruptura na forma como o ser humano interagia com os demais e sua visão de mundo, assim como o ambiente que nos cerca, se tornando uma sintomática paradoxal no meio social, atingindo as massas no final do século XX, depois de longos períodos de debate. Pode se dizer, portanto, que foi um fenômeno do século XX.

Assim, a preocupação pela problemática ambiental deixou de ser privilegio para os profissionais do meio, sendo pulverizado pelo jornalismo critico e artistas comprometidos às massas. Entre os anos de 1960 os EUA foram tomados pela primeira grande onda do ambientalismo, influenciando um efeito “onda” em demais países entre os anos de 70 e 80. E o Japão também viveu esse período de preocupação ambiental. Como é naturalmente o meio em que mais temos acesso àquela cultura, é mais facilmente percebível para nós através de animações, particularmente as de Hayao Miyazaki já a partir dos anos 80, sendo ele o grande estandarte da questão ambientalista na mídia maistream japonesa. Para muitos, a forma como o velho Miyazaki debate o ambientalismo não é interessante por ser panfletário – é uma de suas características mais notáveis, devido à contundência e veemência com que toca no assunto, embora eu pense que apesar de algumas de suas obras terem um viés politico-ambiental muito forte, há outras em que este elemento é tão sutil que essa questão (e qualquer comentário crítico que possa estar relacionado) passa despercebido. 
versão fanart de um dos CGs mais bonitos de Rewrite. Autor.
Seja com ênfase ou sutileza, Miyazaki é um mestre no assunto, e dentro do mundo das animações (sejam elas originarias do Japão, da França, ou dos EUA), ele é um mestre nesta temática. Por vezes ele se situa na tênue linha entre bom senso e perda de controle, mas tem desenvoltura suficiente para não atingir o fundo do poço. Falando de um modo generalista, autores tendem a perder um pouco a mão ao lidarem com esta questão. Por vezes, faz parecer que a obra existe em função da critica social e não da história a ser contada. É necessário que ambas estejam entrelaçadas e que a questão social surja naturalmente dentro daquele universo, como algo próprio e não imposto pelo autor. Se você não pode comprar o conflito do personagem, tudo o mais se torna irrelevante, apenas material acadêmico. 

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Muito se tem dito que a depressão é o maior mal que assola a sociedade contemporânea. Você pode concordar ou não, mas partindo deste pressuposto, Rewrite como uma visual novel obviamente carrega na estrutura de seus personagens um forte sentimento de desamparo, inadequação e leve desespero ao se deparar com uma idealização social que não lhe satisfaz. Ocorrendo então uma fuga do seu eu subjetivo em relação ao eu idealizado por outras pessoas, em maior intensidade por figuras de autoridade; como pais; mestres, mas também a pressão social constituída por colegas, vizinhos, etc. O sujeito se sente pressionado e tentado a se rebelar, mas é incapaz de encontrar uma base de sustentação – acredito que a raiz desta sequela é particularmente pelo padrão cultural japonês, que também é notável em famílias tradicionais de classe média ocidental. 

Como sugeri, este é um conflito comum que você irá encontrar em 9 entre 10 visual novels. Isto pode ser apenas sintetizado em algumas ou simplesmente ser a base essencial em outras, mas é algo notável nesta mídia. Em Rewrite, apesar de o texto cômico ser recorrente como alivio para a tensão dramática que permeia a obra, esta vai ganhando progressivamente ares sombrios e melancólicos. Gosto muito de como Rewrite trabalha toda essa questão ambiental e identidade na sociedade contemporânea como duas faces da mesma moeda, justificando com naturalidade que a raiz do conflito do homem contemporâneo é o meio social em que vive; OBVIO, sendo este sintoma reflexo da sua relação com este espaço, ou seja, a natureza, o planeta terra. Não há duas histórias, duas linhas de pensamento – o enredo ilustra como a mudança de comportamento do homem moderno em relação ao espaço em que vive afetou diretamente as estruturas sociais e naturais. É um paradoxo, pois não há dúvidas de que vivemos bem e evoluímos, paralelamente, procura-se uma realização que parece insaciável que pode reverter em quadros de angustia, depressões, melancolia. 
Rewrite se sustenta em base bastante sólida, com um protagonista que sintetiza em sua construção todos estes conflitos manifestados no enredo. As diversas rotas envolvendo um desfecho com cada um das heroínas levam sempre ao mesmo conflito primordial no qual Kotarou se debate durante toda a história, mesmo quando inconsciente ele se sente perturbado e impelido a algo que não consegue compreender muito bem. 

Dois pontos podem ser evidenciados para demonstrar a escrita concisa e racional do seu autor principal: 1) a rota Akane em si é um dos três principais pilares de Rewrite, sendo que a sua resolução é uma resposta, indireta ou direta, da questão proposta (onde inclusive, muitos estudiosos pensam ser a saída natural para a problemática, no entanto, impossível de ser alcançada); a fuga para o idílico, um retorno ao período anterior à Revolução Industrial, o utópico Eden –este representando um novo começo repleto de possibilidades. Esperançoso, mas ainda triste ante a constatação de que a única forma de alcançar um estado de hipotética harmonia é exatamente um estado não-coletivo, um retorno ao primitivo onde os homens viviam isolados um dos outros, formando apenas pares. O que de certa forma se constata na sociedade atual, muito embora isso não resolveria/resolva as inquietações interiores do ser. 

2) A rota Terra, que podemos considerar como a “verdadeira” (ou ao menos eu gosto de ver assim) é outro dos três pilares fundamentais. Nesta, excetuando-se a necessidade editorial do principal criador de Rewrite de entregar um determinado desfecho (afinal, é uma obra comercial), é a que entrega a resolução mais realística, onde na ausência de uma resposta para o dilema acentua-se na necessidade, no qual ele próprio passa a compreender, de uma correspondência emocional/sentimental para preencher o vácuo interno. O homem quer realizar algo para sentir que sua existência não fora de toda inútil, e na ausência de um sentido de realização (pois sempre haverá algo para conquistar, desejar alcançar), buscará conforto no apelo sentimental. Ele continua procurando, e cansado, se permite distrair dos infindáveis questionamentos. Mas se trata de um estado momentâneo, pois não há outra pessoa que possa preencher-te completamente se não a si mesmo. A entrega do protagonista, neste sentido, soa como um gesto desesperado para dar razão a sua existência (pra compreender melhor isso, é preciso ter lido Rewrite). Assim, o autor novamente brinda o leitor com uma falsa esperança, já que mesmo que tudo soe bonitinho e feliz como demanda parte do mercado, o questionamento da obra permanece aberto e indefinido. 
Nota: formando os três pilares, tem a rota da dita heroína principal, responsável por direcionar as demais tramas, sendo uma importante chave de sustentação do enredo, em um aspecto mais narrativamente estrutural. 

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Rewrite é uma visual novel desenvolvida pela produtora Key VisualArt’s, muito conhecida no ocidente como a criadora da clássica trilogia Kanon, Air, e Clannad – ambas a séries receberam animes de sucesso durante os anos 2000, contribuindo para o culto à Key, que ficaria definitivamente conhecida por produzir obras que emocionam e fazem chorar. Sempre foi a sua característica. Rewrite marca uma ruptura neste processo, apesar de Little Busters! ser a obra deles considera por muitos fãs como singular. Mas em Rewrite, a base da história é quase toda diferente, ainda que seja perceptivamente Key até a raiz (vide heroínas como Shizuru, Chihaya, Lucia e Kotori e os dramalhões que as envolvem), influenciando inclusive no inquestionável apelo romântico e idealização da esperança. 
Isso é natural, e a obra consegue ainda ser um estranho no ninho, muito por conta da participação de Romeo Tanaka – um autor de fora não filiado à Key – como principal escritor, tendo papel decisivo na elaboração do script – e Ryukishi07, infame criador de Umineko e Higurashi no Naku koro ni. Conta ainda com Yuto Tonokawa, completando o trio, tendo sido incorporado à Key em consequência do gradativo distanciamento de Jun Maeda (na época, o principal escritor da casa) como homem de frente. Tonokawa é um dos autores de Little Busters!, que repete suas características aqui. Ele representa o “jogar no seguro”, apesar da vontade de se mostrar ousada, sendo o aspecto conservador que não deixaria que um produto novo assustasse demais a receptividade de quem compra Key exatamente pelo que ela vende.

Romeo Tanaka é o autor original de Jinrui wa Suitai Shimashita, onde ele trabalha muito a questão do ambientalismo e uma sociedade industrial que tem levado o homem à extinção. É um autor que tem um senso de humor carregado de malícia, sarcasmo, epifanias geniais e a tendência a brincar com o sua audiência, ou seja, é um trollador. Da mesma espécie do criador da Monogatari Series, Nisio Isin. Em Rewrite ele está bem contido, mas essas características continuam evidentes em várias passagens, seja na caracterização do seu protagonista Kotarou e na reação das heroínas, ou na ideia do mote do enredo – Rota Moon é certamente onde ele soa mais livre para brincar com os leitores e diversos paradigmas, inclusive, o da própria história. Moon é fundamental para a compreensão de Rewrite, e ainda assim, sua escrita é despojada, o que faz com que coisas cruciais para o entendimento do que está se passando, muitas vezes passe despercebido no mar de informações e reviravoltas. Ele sequer se importa em empregar diálogos redundantes que se repetem em ecos, artificio muito comum em qualquer material comercial que pretenda ser bem recebido em termos de aquisição legal. Moon é absolutamente atípico até mesmo para Rewrite, uma visual novel atípica da Key. 

Claro que um produto coletivo, fruto de diferentes mentes e mãos, acaba soando mais irregular em algum ponto do que já é normal de acontecer quando se envolve mais de uma pessoa tomando as principais decisões. Rewrite não sai imune a isto, há arestas aqui e ali e conceitos que contrastam um pouco com a linha de raciocínio principal, mas não é algo que torne a obra um Frankenstein descontrolado. Um dos exemplos mais bem sucedidos é o quanto a escrita característica de Ryukishi7 acaba por se adequar maravilhosamente bem ao universo do enredo, utilizando um recurso narrativo e caracterização simples. 

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É incrível. Quanto mais escrevo sobre Rewrite, mais sinto que tenho a dizer sobre. E eu sequer falei da forma da obra, em si! Mas faz sentido. É uma visual novel com muitas horas de leitura (ou jogabilidade, que no caso desta série, pode ser dita sem dor na consciência). OK, paciência, em uma outra oportunidade talvez. Fato é que durante os dias que se seguirem estarei postando diversos artigos opinativos referentes a cada rota que joguei. Trata-se de textos curtos que escrevi no calor do momento, quando tudo ainda estava bastante quente e tempestuoso dentro de mim, e eu precisava colocar pra fora algumas coisas. Talvez nem estejam bem escritos, mas fiz questão de não mudar nada. A ideia era postar um texto falando de todas as rotas, mas ficou grande demais. Portanto, nos vemos por ai. Ou não. 


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