Eu nunca vi tanto na vida de um Elvis Roque do Diabo como neste filme enlouquecido de uma garota que morre sem querer vai parar no além....não, não é Yu Yu Hakusho.
Ao longo do tempo em que assisto animes, pude perceber que o
estilo nonsense está presente em sua maioria. Não é apenas pelo potencial da
animação em dar asas ilimitadas à imaginação, dando vida a tudo o que é
humanamente impossível. Mas também porque o nonsense é a caipirinha com mel do
japonês. Eu já comentei muitas destas histórias loucas por aqui, como Kyousogiga
e Kill la Kill – que fazem do estilo “cartoonado” uma arte única no modo de se
contar uma história em narrativa sequencial. Hells é definitivamente um dos
exemplares mais efervescentes deste filão. O longa-metragem animado une a
correria de Ai City, com as cores de Redline, e arte conceitual de Kemonozume –
neste o traçado é pensadamente mais primitivo e repleto de farpas não tão
suavizadas como em Hells, mas o modo como é utilizada é a mesma; como o estilo
de arte pesadamente esboçado, linhas de movimento utilizadas como SFX (efeitos
especiais) e coloração em tom artesanal, que dá um efeito que faz parecer que
foi desenhado a lápis de cor.
Hells é um filme de animação de Dark Fantasy e nonsense
produzido pelo estúdio Madhouse, adaptado do mangá Hells Angels de Sin'Ichi
Hiromoto.
Amagane Linne é uma colegial atrapalhada (genki) que
atrasada para o seu primeiro dia de aula, com direto à famigerada torrada na
boca e tombo ao trombar com um garoto bonitinho, acaba se envolvendo em um
acidente de carro ao tentar salvar um gatinho preto suspeito. Embora, como em
Becchin & Mandala, Linne não se dê conta de que está morta, ela acaba indo
parar em Destinyland, na Academia Death River, repleta de bruxinhas e demoniazinhas.
Para conseguir escapar daquele lugar não será tão simples, ela precisará passar
pela “pós-graduação” (Kill la Kill: A Formatura) e o tirano soberano do inferno, nada mais
nada menos que o rei do rock Elvis Presley – afinal, se o diabo é o pai do
rock...
O enredo de Hells dá tantas voltas e reviravoltas, que o
inicio do filme sugere uma coisa e o fim é o oposto. O vilão se torna mocinho,
o mocinho vilão, os antagonistas antipáticos se tornam criaturas simpáticas e empáticas.
A história, de Alice no País das Maravilhas Inferno protagonizada por
Usagi de Sailor Moon se torna uma versão judaico-cristã-budista moderna, com
direto a incesto, costurada através do enigma do primeiro homicídio da
humanidade e remontando aos tempos de Adão e Eva – tudo isto envolto pelo ciclo
infinito da reencarnação, característica cultural muito presente no Japão. A
história é uma vórtice que parece tragar tudo ao redor para o seu centro e
ainda causar vertigem. São tantos personagens, subtramas e motivações que, para
fazer sentido, o ritmo dinâmico acaba perdendo o folego na metade do filme para
que os personagens envoltos na trama diabólica possam explicar o que está
acontecendo.
Apesar do que possa parecer, o timing permanece bom durante
esse estágio, inclusive o recurso de contar um período histórico como uma
apresentação de slides é criativo e envolvente, com uma técnica de animação
dissonante. Mas, o que a história se torna e a motivação do seu núcleo é
simplista em um nível que chega a causar desinteresse, se tornando chato. Não
pura e simplesmente pelo tema em si, que apesar de clichê e piegas, tem uma
grande força evocativa, mas pelo fato do clímax não funcionar bem no modo como
foi colocado, sem uma construção e absorção mais profunda dos personagens. Como
aquilo envolve primordialmente os personagens, transformar tudo em uma grande
parada carnavalesca que perdura por mais de uma hora (após a primeira hora, a
segunda parte de outra uma hora de duração fica batendo repetidamente sobre a
mesma questão). Talvez funcione melhor no mangá, com tempo e espaço para
construir melhor aqueles conflitos, mas não aqui.
Muito embora, alguns destes momentos, por mais piegas que
fossem, conseguiram me cativar de alguma forma. Tá certo que você acaba se
lembrando muito de Super Xuxa Contra o Baixo Astral (na verdade eu não me
lembro com clareza deste filme, mas sim de ter assistido em algum momento da
infância, e ainda assim a luta entre a positividade e a negatividade ficaram
marcadas em minha mente), só que em Hells isto é bem melhor conceituado. As
forças negativas, que puxam para baixo, são demonstradas de uma maneira que
refletem a realidade. Deste modo, até mesmo o demônio acaba se tornando uma
figura humana – o que, de forma alguma, quer dizer que o texto do filme é bom
em exprimir este aspecto inerente do personagem sem soar chato. É mais um fascínio
causado no campo das ideias. Linne por exemplo, carece de qualquer coisa que a
substancie melhor e a torne mais do que um personagem arquétipo. Isto não
acontece.
Em outras palavras, Hells é visualmente extravagante e, como
tal, para os olhos é um deleite. O character design de Kazuto Nakazawa (que
também é responsável pela arte de personagens em El Hazard, House of Five
Leaves, Samurai Champloo, Zankyou no Terror, entre outros) como era de se
esperar de um filme se mantém bastante estável e a vivacidade do seu traço,
ouso dizer, está em seu melhor aqui. A animação é deslumbrante, mas longe de
ser o que há de melhor; pelo contrário, há muitos momentos de limitações e uso
marginal de CG, no entanto, devemos entender que animação não se resume à
fluidez dos frames, é um conjunto de técnicas. E a de Hells sabe como cativar, com
alguns trabalhos de câmera que realmente deslumbram em diversos momentos.
Fonte: Mangá
Estúdio: Madhouse
Diretor: Yoshiki Yamakawa (Little Busters!)
Roteiro: Kazuyuki Fudeyasu, Yoshiki Yamakawa
Música: Edison
Diretor de Arte: Hiroshi Ohno
Diretor de Animação: Kazuto Nakazawa
Duração: 1h58min
***
Publicado de 2002 á 2004 pela revista seinen Ultra Jump (Shueisha), Hells Angels possui 3 volumes, completamente traduzidos em inglês.
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