Imagine que, de repente, você acorda sozinho num quarto, sem
memórias, um buraco no peito e com um único pertence; um pingente com a foto de
uma garota misteriosa. O que você faria? Então, o nosso protagonista se vê
exatamente nesta situação. Kaiba se encontra em uma situação inusitada,
repentinamente ele é atacado e tem sua vida salva por um estranho animal (que
se parece um pouco com o papa léguas hehehe). A perseguição é frenética e dita
o ritmo dos minutos iniciais, posteriormente, Kaiba acaba se juntando a um
grupo rebelde, que luta contra o regime totalitário.
O que são memórias? Almas? Espíritos? Este é um mundo onde memórias podem ser transformadas em dados e armazenadas. Mesmo que o corpo morra, sua memória continua existindo e pode ser transferida a outro corpo. Lembranças ruins podem ser apagadas, e as boas copiadas. Porém, isso é algo que somente os privilegiados podem fazer. Neste mundo, nosso protagonista Kaiba, viaja sem lembras prórias, em um corpo que não é seu.
Dirigido por Masaaki Yuasa (do premiado curta metragem Cat Soup, recheado de humor negro e uma trama
regada à LSD – e o nonsense paranoico Kemonozume), Kaiba é um anime original, saído
da mente do próprio diretor e produzido pelo estúdio Madhouse em 12 episódios
para a primavera de 2008. Muitas histórias baseadas no universo Cyberpunk
acabam se perdendo e não utilizando bem o belíssimo plano de fundo que possuem,
felizmente, este não é o caso. Como a equipe de produção fez questão de afirmar
e acredito eu, seja a melhor forma de encarar esse anime, essa é uma história
de amor, com nuances de Sci-Fi e que acontece em um universo Cyberpunk.
De qualquer forma que você olhar para Kaiba, ele continua
sendo uma história fascinante. Uma história com narrativa não-convencional,
distopias e ramificadas de ficções cientificas, pode não ser um atrativo suficiente
pra você. Series assim normalmente são mais segregadas, recheadas de conceitos filosóficos,
onde tudo é passado de uma forma muito subjetiva e ambígua. Mas séries como Serial
Experiments Lain e Ghost in the Shell, provam que, estabelecendo uma ligação
emocional com o espectador, é possível que este também possa se divertir e
apreciar a história, mesmo que isso aconteça de uma forma mais superficial.
Podemos perceber todos os elementos comuns do Cyberpunk,
como personagens marginalizados, distantes e solitários, vivendo a margem da
sociedade. Futuro despótico, pessoas com suas vidas diárias impactadas pela tecnologia
e um governo totalitário. E o melhor né, um clima deliciosamente melancólico.
Kaiba é um anime experimental, um fato que acredito não ter sido revertido em
verbas; mas que encontra ótimas alternativas que culminam em ótimos movimentos e fluidez, com um tom dramático bem acentuado e um estilo de arte meio
cartunizada, remetendo à um visual infantilizado que contrasta com a temática adulta.
Aliás, a estética visual, que ficou a cargo do character design de Nobutaka
Ito (que também concebeu o traço do horror louco Kemonozume), lembra bastante a arte de Osamu Tezuka e composição do cenário parece ter sido influenciada pelo estilo visual presente em "O Pequeno Príncipe", do do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry.
Memorias que vazaram do tanque de armazenamento e jamais serão recuperadas |
No mundo utópico de Kaiba, a memória é o bem mais
valioso e se você for uma pessoa rica (ou com dinheiro suficiente), consegue
viver eternamente – e aqui separamos as pessoas de posses, das pobres e miseráveis,
que vivem a margem da sociedade e são caçados, onde abatidos, têm suas memórias
destruídas (ou roubadas) e seu corpo vendido. À medida que seus corpos vão envelhecendo, quem
tem dinheiro, pode trocá-los por corpos mais jovens, inserindo neles, suas memórias.
Em um mundo onde as memórias podem ser salvas em dispositivos ou guardadas em recipientes
externos, Kaiba acaba levantando muitas questões, como por exemplo; o uso das memórias, fisicalidade de emoções, existencialismo,
solidão, onde as tramas são sempre muito ambíguas, fugindo daquele velho jogo
de “uma luta entre o bem e o mal”.
E Kaiba é legal por isso, pela sua incrível sensibilidade e versatilidade ao
retratar os dramas vividos pelos personagens. É uma série que argumenta, não
apenas através de diálogo, mas também de imagens, de suas sequências de
animação, que dialogam com a câmera e possibilitam uma importante conexão emocional,
mesmo em uma trama que se revela bem complexa (mindfuks rules).
A história de
Kaiba é dividida em duas metades: A primeira com Kaiba fugindo para o espaço
(lembremos que ele estava sendo perseguido) e viajando para vários planetas,
onde conseqüentemente acaba por conhecer várias pessoas.
Na jornada em busca da recuperação de suas memórias, Kaiba,
de um garoto loiro, com um buraco na barriga e logo abaixo, uma tatuagem de
três círculos que formam um triângulo, passa por diversas mudanças físicas.
Numa sociedade estagnada, governada por um Rei tirano capaz de implantar chips nas pessoas e manter o total controle de tudo, há o chamado “comercio
de memórias” e também o seu lado marginal, com o contrabando e roubo de corpos e memórias.
Descobrimos ai que memórias masculinas, podem habitar corpos femininos, UAU,
e vice versa, claro. Nessas idas e vindas Kaiba se transforma numa meiga e
delicada garota, tendo que fugir das investigas de vários homens, e até mesmo
num animal. Tudo isso, porque Kaiba precisa fugir e ao mesmo tempo, ir atrás de
suas memórias perdidas.
Nessa primeira parte, Kaiba se encontra
com vários personagens e interage com eles, por cerca de um episódio, onde podemos acompanhar a história de cada um, ao mesmo tempo em que o fio condutor
do enredo é tecido lentamente. São histórias emocionantes e tristes, como a de Chroniko, uma garota que faz amizade com Kaiba e que acaba tendo
que vender seu corpo (não no sentido sexual, é literalmente mesmo) para sustentar
a família. A história do casal de velhinhos, que viviam isoladamente em um
planeta tão pequeno, como aqueles vistos no livro “O Pequeno Príncipe” ou a de Vanilla,
um xerife sádico que se apaixona pela figura feminina de Kaiba e o persegue por
vários mundos. Entre outras, são histórias carregadas de sentimentalismo, mas
que não chegam a ser melodramáticas, pelo contrário, o sentimento é apenas
de.... melancolia, aquela balinha amarga e indigesta (como na parte em que
vemos as memórias armazenadas de várias pessoas, sendo jogadas no espaço).
Um ponto crítico de Fractale foi que suas tramas pouco ou
nada acrescentavam para o enredo, diferentemente de Kaiba, onde uma cochilada,
pode te causar um enorme prejuízo lá na frente. Mas tudo segue num ritmo muito
cadenciado, de modo que se você está acostumado com tramas velozes e repletas
de ação, pode dormir e babar bastante durando os episódios (ainda que as cenas
de perseguição sejam de tirar o fôlego – mas são bem poucas). A segunda parte é
mais corrida e trabalha em cima da força do enredo até então, o mistério sobre
o passado de Kaiba, nos levando ao êxtase, com muitos mindfunks. É aqui também, onde em
uma de suas viradas sensacionais, a trama central de Kaiba se torna
extremamente política, com uma linguagem não tão palatável ao publico comum e
que poderá causar uma certa confusão ou um efeito diacrônico na dinâmica da
execução.
Temos em Neiro, Popo e Kaiba, o triangulo que levará o anime
ao seu desfecho final, de forma muito competente, com fortes pitadas de
religião, política e filosofia. É uma mistura que deu certo, onde uma ideia complexa
foi passada através de contos universais, que é o amor, a traição, ódio e inveja.
Tudo é tratado sem rodeios e até mesmo o sexo se encontra presente, da
forma mais natural possível.
Antes de qualquer coisa, Kaiba é uma história de
amor. Um romance com camadas existencialistas.
É legal ver como facilmente uma pessoa consegue trocar de corpo e se misturar
em meio a multidão, se tornando irreconhecível ou como a tecnologia transformou
a forma de contato físico entre as pessoas da alta sociedade e nisso, a relação
sexual entre dois personagens chaves é um importante contraste. E nesse
aspecto, que a cena final tem lá seu impacto, se assemelhando a seqüência de animação
da Opening e se tornando o extremo oposto dos finais de Serial Experiments Lain
ou Neo Genesis Evangelion. Você entende direitinho tudo que se passa e até
mesmo nos diálogos mais complexos e se perdeu alguma coisa, só voltar atrás que
está tudo ali.
A trilha sonora é belíssima, trazendo a tônica dos sentimentos que envolvem os personagens e a temática deprê do anime, e Kaiba não seria metade do que é
sem ela. A começar pelo tema da abertura, "Never", de Seira Kagami,
uma música que dá o tom perfeito para a série, com uma letra e voz
melancolicamente doces e animação bem original.
"Carry Me Away", de
Seira Kagami, dá o toque final, em uma canção sonífera, daquelas relaxantes que
colocamos no mp3/mp4 para antes de pegar no sono (apague a luz, feche os olhos e
deixe as saudades inundar o ambiente).
São cantadas em inglês e ambas possuem
letras que condizem com as tramas do anime. A OST é igualmente incrível e se
destacam em algumas passagens mais dramáticas e nas de ação. Envolvem tanto que
quando se nota você já está completamente submergido naquele ambiente. Divirta-se,
questione e se emocione com esse melancólico e repleto de emoções nostálgicas, conto de fadas.
A dublagem é SENSACIONAL e caraca, passam um realismo fantástico, destaque para Houko Kuwashima, como Kaiba, Mamiko Noto, como Neiro e Romi Park como Popo. Até, foi gostoso
escrever (e relembrar um dos primeiros animes que assisti - pós internet),
espero que tenha curtido a leitura, bye bye.
***
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6 comentários :
nossa achei que ele era recente
Nossa. Eu achei a arte muito interessante. E lembra mesmo o traço do Osamu. Já tá lista do Tucan Manager (meu gerenciador de download). Só não li todo o post porque não gosto de ler spoilers antes de assistir alguma coisa.=]
Eu acho a música desse anime muito boa e a animação também é muito bonita, mas eu realmente não passei do episódio 4, pois mesmo pra mim o caracter designer e o ritmo do roteiro me encomodaram intensamente. Um dia pretendo tentar novamente rever, mas sou bem sincero que o anima a mim não encantou, mesmo assim o texto ficou bem interessante.
Me apaixonei pela arte e também já vou por no gerenciador de download, uso o speed. Vlw Roberta Carol.
Anime realmente interessante. A animação é excelente a arte é simples assim, com esse ar infantil propositalmente para dar um significado mais progundo pra história. O anime é repleto de metaforas, assim como muitas histórias do Ozamu Tesuka. Agora quero assistir esse Cat Soup ai, não sabia que era do mesmo criador.
Kaiba enaltece o valor das experiências humanas,a real e verdadeira riqueza acumulável na visão do autor,independemente do que você seja.
Expressa nas viagens à la "O Pequeno Príncipe" num ritmo denso e melancólico teriam eles percebido que somente o fato de se permitirem viver no sentido antropológico o tornariam "mais ricos"?(Retórica de quem não assistiu ao anime).
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