Hora de falar das coisas negativas da vida. Das merdas que cometemos e decisões equivocadas que mudam toda a nossa vida ao avesso do que imaginávamos em outrora.
Mas eu não quero falar disso, então vamos subverter isto e falar dos efeitos cognitivos de um entretenimento de massa. E assim vou direcionar todo o texto.
Certa vez comentaram no twitter sobre como determinados
autores masculinos de mangá são tão machistas e eu comentei com a pessoa que
não apenas homens, mas que algumas autoras conseguiam ser ainda mais que a
média. Machismo e sexismo independem de sexo por estar ligado a um intrínseco
condicionamento cultural. Nada mais natural então em um país altamente
patriarcal e com um berço tradicionalista tão forte, muitas mulheres – algumas muito
fortes e influentes – mantenham uma postura rígida com relação à subserviência
feminina, ao ponto de rebaixar aquelas que desvirtuam deste papel definido para
o gênero. É complicado, tem toda aquela questão de valores morais embutidos.
Logo, é fácil de encontrar mangás, não necessariamente
machistas, que transmitem esses valores convencionais de uma sociedade muito
patriarcal como algo natural, às vezes de forma tão subjetiva que não raramente
passa despercebido. Em Bakuman, escutar os personagens falando que a personagem
Aiko Iwase foi preterida por ser uma mulher subversiva e independente por uma
domesticada, é algo que pode até mesmo se chocar com a nossa realidade; atualmente
já não é algo tão natural para nós, muitos que leem esse mangá provavelmente
possuem mães que trabalham fora ou mesmo só tem ela sendo o pai e mãe. E se
engana quem pensa que isto seja uma caraterística exclusiva de mangás para
garotos, é em shoujos e até joseis onde você encontrará as maiores ocorrências
[além de uma infinita perpetuação de uma falsa fantasia – que eu confesso
gostar muito e ninguém poderá me julgar!!!], afinal, é típico para essa demografia
tratar de assuntos tão íntimos do universo feminino (por isso, diversos estudos atualmente apontam o quão benéfico pode ser
para garotas que leem battle shounens e se identificam com personagens
femininas fortes).
Otona Joshi no Anime (Hora
do Anime para Mulheres Adultas) é um especial de 4 episódios com média de
25 minutos exibidos na tv estatal NHK (aquela
mesma que cancelou o anime de Tsubasa RESERVoir CHRoNiCLE na segunda temporada
por que o mangá havia se tornando muito violento para a faixa etária que era
exibido - Sim, na pirâmide alimentar, os estúdios são o últimos) com a
adaptação de 4 histórias diferentes de 4 autoras literárias prestigiadas no país
para contar a saga de 4 mulheres em seus conflitos cotidianos, por 4 estúdios
de animação (ufa...). É o que podemos chamar de josei, já que o
público pretendido pelo canal está na faixa de mulheres dos 30 a 40 anos. Logo,
as protagonistas são todas trintonas ou beirando aos 40. Não tem a fantasia
idealizada de muitos shoujos, mas também não faz crítica alguma. O que você vai
notar são personagens que acreditavam nessa fantasia e então deram com a cara
nos muros, que se sentem mal por não terem realizado a fantasia, ou
simplesmente conseguiu viver a tão sonhada fantasia, mas por algum motivo se
sentem vazias e incompletas [no entanto, as vezes sendo incapazes de reverter
essa situação].
São 4 histórias com 4 perspectivas bem interessantes, embora
alguns possam senti-las bem tristes e deprimentes (foi o meu caso). O aspecto mais chamativo e que se entrelaça entre
todas as histórias, está no obvio subtexto de como todas essas personagens
tinham grandes expectativas para a vida adulta, mas por algum motivo deu
errado. Note também que a única personagem que recebeu um final “feliz” com letras
de neon e tudo, foi a domesticada. Isso não é acaso, em Nana, por exemplo, você
pode perceber que mesmo a Nana Oosaki sendo uma personagem subversiva (põe seu desejo profissional assim do
desejo clássico feminino de casar e cuidar da família; ela tem horror a ideia
de ter filhos), é ela quem é punida, enquanto Nana Komatsu que fez todas as
escolhas erradas, mas permanecera atrelada a corrente (infeliz, mas ao lado do seu príncipe que lhe dá uma bela vida, sem
preocupações, além do que vai fazer para o jantar ou se o marido volta pra
casa), fora beneficiada com o “final feliz” (aspas muito necessárias).
‘A Pessoa Amada’, já resenhado aqui, é outro mangá que fala
bastante desse universo feminino da mulher japonesa, traçando uma linha entre a
fantasia e complexos culturais entre gêneros (como a diferença de idade). Mais abaixo na parte 2, alguns
comentários sobre o que faz cada história de Otona Joshi no Anime, que se trata
de um drama bem simples, existencial e que deve dizer mais para mulheres
japonesas, que podem se ver retratadas ali em cada história, embora nunca
deixam de ser interessantes para qualquer outra pessoa.
Nota: 07/10
Postagens Relativas:
***
Parte 2
Kawamo o Suberu Kaze
(Como o Vento Tocando a Superfície de um Rio)
Ano: 2011
Autora original: Yuikawa Kei
Diretor: Hiroshi Kawamata
Roteiro: Reiko Yoshida
Estúdio: CuriouScope
Este foi a primeira empreitada do projeto Otona Joshi no
Anime, exibido em janeiro de 2011, que em 2013 ganharia mais uma edição, dessa
vez com 3 especiais.
Kawamo o Suberu Kaze conta a história de Noriko (Misato Tanaka) que depois de muitos
anos retorna a sua cidade natal com o seu filho de 4 anos e acaba reencontrando
antigas lembranças de uma velha vida e de quebra, uma antiga paixão que ela
ainda não esquecera. Noriko é a clássica personagem subversiva que irá sofrer
muito pelas imposições que a sociedade japonesa impõe, por estar prestes a se
divorciar (caso ela volte a morar no
Japão, além de estampar o rotulo na testa de divorciada, ainda será mãe
solteira). Em um dos momentos de seu monologo, ela questiona a forma como a
sua família irá reagir com a notícia; neste momento a narrativa dá ênfase à
condição de bem casada de sua irmã mais velha, do tradicionalismo da família
representado pelo apego do pai por velhas tradições e a casa cheia e sorridente
com filhos, genros e netos muito felizes. Entre todos, Noriko é a única que
sustenta uma nuvem preta sobre a cabeça.
Outro aspecto interessante em Noriko que subjetivamente à
mostra sendo punida por suas decisões, é o fato de ao ser sempre contrastada pela
irmã, seu instinto de independência e subversão às tradições sempre se mostrou
mais aparente com ela não querendo seguir o mesmo destino de sua irmã; se casar e abrir mão de sua vida profissional, de conhecer novos lugares, ser do lar. Noriko que inclusive mantêm os cabelos cortados ao estilo Joãzinho
(cabelo curto em mulheres costuma
simbolizar força, independência, rebeldia. No Japão, a mulher ideal, a Yamato
Nadeshiko, possui longos cabelos, delicadeza e é tradicional) quando ainda
jovem e cheia de sonhos pra sua carreira profissional, mas agora, volta com os
cabelos longos, vestida de forma muito mais feminina que antes (atente aos pequenos detalhes do seu look)
e sem toda aquela vivacidade.
Atenhamos aos fatos: Noriko queria ir pra Tóquio, conseguiu
o bom emprego que tanto sonhara e sacrificou o grande amor de sua vida; um
homem bom, trabalhador, sério e que a amava (imagina as criticas que ela deve ter recebido por isso). Mas antes,
acabou se entregando a ele, já comprometida com outro, e descobrindo que estava
grávida, acabou aceitando o pedido de casamento deste gaijin (estrangeiro) com o qual estava
namorando (pense a situação dela, "não dava" pra voltar grávida, nem falar que o filho era de um outro homem enquanto já namorava. No fim, não teve força suficiente para enfrentar a situação e preferiu "fugir"). Com ele, teve que largar o emprego pra se dedicar a criança e deste
então, se tornou domesticada – o que a incomoda e faz com que tome a decisão de
se separar.
Kawamo o Suberu Kaze fecha de forma extremamente
satisfatória ao novamente contrastar Noriko, dessa vez com sua antiga paixão.
Perguntada por ele se era feliz, ela ao ver que ele conseguiu constituir uma
família feliz aos moldes tradicionais (mulher
caseira, filhos sadios, situação financeira positivamente estável), simplesmente
assente num falso “sim, muito feliz”, com um meio sorriso no rosto. Ela dizer isso ao apertar a mãozinha do filho foi lindo, sem nenhuma dúvida é a prova de que ela faria tudo novamente se possível. Porém, no subtexto é fácil de notar a síntese perfeita da
punição recebida por Noriko da vida, por pensar demais na profissão e abrir mão
da família (inclusive ela escondeu que o
menino era na verdade o seu filho – bem, teria sido pior revelar isso agora).
Sensacional.
A paleta de cores é opaca [igual a vida de Noriko] e com
animação e estilo de arte bem econômico, mas que serve bem ao que pretende: monólogos
internos – É onde se passa o melhor que este especial tem a mostrar.
Yuuge (Ceia)
Ano: 2013
Autora original: Amy Yamada
Diretor: Toru Takahashi
Roteiro: Komparu Tomoko
Estúdio: PRODUCTION REED
Este é o primeiro do Otona Joshi no Anime 2013 e também
aquele com mais potencial para deixar as garotas de cabelo em pé. Quando eu li
no Argama sobre a história desse, eu já vim obstinada a dar uns tapas virtuais
na cara da protagonista, mas tudo o que consegui sentir foi apenas pena.
Mimi (Noriko Nakagoshi) é a típica vitima de condicionamento referente a
imposições de gênero, sim, mas não é uma coitadinha; pelo contrário, ela sabe
se impor, o suficiente para enfrentar os desafios que encontra pelo caminho por
aquilo que deseja e se encontra bem ciente sobre a sua natureza subserviente.
Ela gosta do que faz, o seu mundo é uma cozinha e a eterna rotina de cozinhar
para o marido e fazer sexo. Ele o trata [e até mesmo chega a compará-la a
vários] como um bichinho de estimação, sempre a sua espera; bonita, janta
pronta, casa arrumada, e ávida por sexo. Apesar de se questionar várias vezes
sobre essa sua fraqueza de precisar ser dependente de alguém e este alguém dela
(neste caso, como mulher perfeita do lar,
já que considera essa tarefa até mais fácil do que transar), assim como
Nana Komatsu, quandoque seu amado chega, ela se esquece de tudo e se joga aos
seus braços.
Ela gosta. Ele gosta. Ambos estão felizes assim, se usando
mutualmente. Ele dá o “amor”, o carinho e a atenção que ela sempre quis, que
por sua vez se porta como um bichinho de estimação para ele, além de lhe dar
uma situação financeira estável. Qual o
problema?
Por mim nenhum, só pena por no fundo ela estar se
enganando e engaiolando (ela própria
sente tudo isso) para viver esta fantasia. Mimi fora submetida a um
casamento arranjado com uma figura importante, que nunca lhe dava atenção.
Então, se separa e ao ser salva por um gari na hora que ia por lixo pra fora,
acaba se apaixonando. Abandona tudo, sua posição, nome, família, para viver uma
vida simples e amigada com um homem simples. Mimi representa o ideal de milhões
de Mimi’s pelo mundo, que carentes, acabam indo procurar abrigo nos braços de
homens. O que ela busca é atenção, o que ela quer é ser indispensável para
alguém, viver um grande amor, e ter uma casa/família clássica. Nem mesmo que
para isso ela precise ser um bichinho de estimação que faz tudo o que seu dono
quer em troca de afagos. "Eu faço um homem comer. É a única
coisa que posso fazer" – Mimi. Infelizmente, com isso você nunca
deixará desse sentir este vazio existencial que te abala e que tenta em vão preencher
a todo custo, Mimi. A nossa plena “felicidade” nunca pode estar condicionada a
uma pessoa, porque nenhum ser humano é perfeito, embora naturalmente não saibamos
muito bem como ser sozinhos. Suponho que cada um tenha sua própria receita de
felicidade, mas o interessante nos casos como o da Mimi, é que muito
provavelmente ela cresceu sendo condicionada a este pensamento retrogrado com
as fantasias das princesas Disney. O problema não é o sonho de uma garota ser uma perfeita dona do lar e com um príncipe ao lado, mas tentar achar nisto respostas [ou mesmo uma fuga] que o tempo nunca irá oferecer, ou que sua vida se restringe a isto (e eu achei bem engraçadinho esse episódio, a Mimi é uma avoada huehuehueheuehue).
Em termos técnicos, este especial é o mais inventivo,
mesclando animação com imagens reais. O efeito é muito bonito e artisticamente
torna Yuuge o mais brilhante das 4 histórias. A trilha sonora de Youuge é a melhor dentre todos os especiais, parecem até reproduzir o interior apaixonado de Mimi. Aquele estridente som de jazz ao final fez doer o coração. E essa história poderia ter sido linda se não fosse a forma como um vê o outro, e pela forma que ambos encaram esse relacionamento. Por fim, não duvido que Mimi e seu novo marido possam viver bem e com momentos felizes assim por toda a vida, como muitas outras Mimi's. Não seria algo pra mim, e eu já estou mudando de assunto e ficando melosa, vishe. Chega.
E entre o top 10 da Hatoko, está "fugir de casa na infância". Sério, acho que se foi criança e não fugiu de casa, não viveu plenamente. No meu top da vida certamente constará a minha fuga de quando eu era uma pimpolha travessa.
Jinsei Best Ten (As 10
melhores coisas da vida)
Ano: 2013
Autora: Kakuta Mitsuyo
Diretor: Yo Miura
Roteiro: Reiko Yoshida
Estúdio: BONES
Sem dúvidas o mais divertido, com a protagonista mais carismática,
e com as situações mais inusitadas! Baseado num romance que visa listar um top
10 dos melhores momentos da vida da personagem Hatoko (Miki Nakatani), infelizmente aqui nós só
veremos 6, enquanto que acompanharemos de perto apenas um.
Prestes a completar 40 anos, Hatoko resolve listar os 10
melhores momentos de sua vida, e o top 1 é impagável e merecidíssimo, diria eu.
Eu não vou contar pra não estragar a surpresa para quem possivelmente tenha
interesse em ver ainda, mas vale falar um pouco sobre Hatoko. Novamente uma
personagem sendo “castigada” pela vida por ter uma boa carreira profissional, onde
enquanto se tornava independente, ia colecionando fracassos amorosos. Hatoko
não tem motivo nenhum para se sentir fracassada, no entanto, isto se torna
inevitável ao ser constantemente contrastada com este modelo de sucesso
feminino, onde o correto é na sua idade já ter uma família formada. E o Inferno
astral de Hatoko não tem fim, não basta o complexo da idade, ao ser convidada
pra uma confraternização que reúne todos seus amigos de quando frequentava a
escola, se vê rodeada por pessoas “realizadas”, enquanto ela mal namorou em
toda a vida “Ser casada, ter filhos, e ainda por cima ser gerente de uma boutique
em um dos lugares mais chiques de Tóquio... Eu sou uma perdedora completa,
comparada a ela”. O que ela faz? Começa a mentir sobre a sua vida
amorosa para não se sentir menosprezada, criando muitas desculpas para dar em
sua mente fértil. Chega a um ponto da noite em que ela passa a acreditar nas
próprias fantasias. A Hatoko, no entanto, apesar de complexada, não entrega os
pontos e encara tudo de forma muito divertida e entusiasmada, mesmo em
sequências tragicômicas! Se eu puder ser como a Hiroko aos 40, estará ótimo,
porque eu também tenho as minhas neuroses condicionadas e sinceramente não
conseguirei desvencilhar delas nessa encarnação (as pontadas que não sinto no peito quando ouço “quanto mais peito
melhor” *risos nervosos* /equivalente a ser homem no Brasil de estatura muito
baixa).
A produção do estúdio BONES não é nada surpreendente, mas Yo
Miura dá uma entonação artística singular a esta história, desde o character
designer, ao uso de cores. Tecnicamente o melhor, ao lado de Yuuge.
E entre o top 10 da Hatoko, está "fugir de casa na infância". Sério, acho que se foi criança e não fugiu de casa, não viveu plenamente. No meu top da vida certamente constará a minha fuga de quando eu era uma pimpolha travessa.
Dokoka Dehanai Koko (Em
qualquer Lugar, Menos aqui)
Ano: 2013
Autora original: Yamaoto Fumio
Diretor: Tadahiro Murakami
O mais amargo, mas que termina como um doce derretendo na
língua que nos faz ansiar por ver mais da Maho (Tae Kimura) e os rumos que a vida dela
tomou. Instintivamente o melhor, por assim como Kawamo o Suberu Kaze,
apresentar personagens realmente fortes enquanto mães, porque tudo é mais
difícil quando se envolve filhos. E este vai mais além, porque Maho não apenas
tem 2 filhos adolescentes crescidos, mas sua história se distância de todo o
glamour estabelecido nos enredos anteriores com protagonistas de famílias de classe
média vivendo em classe média. Maho precisa se desdobrar trabalhando em casa
exaustivamente e fora durante a noite para ajudar nas contas, um cenário muito similar
ao da América latina, além de ter um marido indiferente que não lhe ajuda em
nada [a não ser que ela venha lhe pedir pessoalmente] e 2 filhos ingratos.
A filha some por dias sem dar recado e quando volta, diz que
está se mudando porque não quer mais olhar para a cara da mãe passiva diante de
tudo (“não quero ser como voc! Mãe, odeio a forma como você vive!),
mas Maho se encontra tão esgotada fisicamente e psicologicamente, que não tem
forças nem para pensar numa discussão, se encolhendo no sofá. O marido não diz
nada ou ao menos tenta conversar com ela sobre qualquer coisa que seja, apenas
vive uma rotina de casa+trabalho+tv+silêncio, no trabalho um funcionário mais
jovem tenta assediá-la, sua mãe idosa nem sonha da situação em que se encontra
e exige-lhe uma atenção que não pode dar, a bicicleta que ia para o trabalho é
roubada, o filho a ofende- Caramba, a
Maho estava vivendo no limite e já desenvolvendo uma clara depressão profunda difícil
de ser contornada, até que estoura. Bate no filho malcriado por conta de uma má
resposta, passa pelo marido sem dar explicações, grita quando o colega assediador
tenta arrastá-la para uma noite, vai à mãe e lhe diz tudo o que estava entalado,
questionada pela gerente sobre o assédio, responde sem hesitar “Ele
deve ter me chamando para sair porque achou que eu fosse velha e não iria rejeitá-lo.
Mas eu não vou desistir por uma besteira como essa”.
O problema de Maho é o fato de que ela não estava vivendo e guiando
a própria vida, apenas se deixando levar pelas situações, se questionando mas
sem fazer nada de efetivo para mudar o quadro, tão cansada psicologicamente que
seus olhos exibiam toda a sua passividade em meio a toda aquela tempestade; que
fora formada aos poucos. A depressão castra qualquer tipo de força de vontade
que possa se manifestar em uma pessoa, se tornando passiva ao ponto de em dado
momento, se questionar como que tudo pode ter chegado a tal ponto, de apenas
querer fugir para longe. Em dado momento, ela pensa “se meu marido ganhasse tão bem,
eu não precisaria estar trabalhando”, o que denota o choque de
realidade que sofrera ai sair do berço da família, encontrando uma vida que não
esperava num casamento arranjado, tornando a extremamente passiva a tudo ao
ponto de perder o respeito dos filhos. Eu fiquei realmente muito contente ao
vê-la se reencontrando internamente num momento decisivo e que isso a tenha
feito mudar de atitude e começar a mudar por conta própria os rumos de sua
vida.
Eu vejo na Maho muito da mulher comum japonesa, submissa e
fazendo o que precisa ser feito pela família, mas sem a força necessária para
se posicionar. E isso se dá por tantos motivos, como no caso da Maho, a
imposição social e familiar – ela nem ao menos pode contar para a mãe a
situação em que o marido se encontra, muito por orgulho e status social. O
grito que a Maho deu no estacionamento, impedindo os avanços do colega, é o
grito que todas as mulheres deveriam dar e não aceitar caladas certas
imposições de gênero. Parece banal, mas é assustador pensar que muitas mulheres
podem ser vitimas de assédio sem ao menos conseguirem esboçar uma negativa. Às
vezes enfrentar os problemas pode ser mais simples do que ignorá-los ou de
apenas fugir: “Vou continuar viva bem aqui, erguendo minha cabeça pouco a pouco, a
cada dia que passa”. Lindo.
***