Comentários sobre o Evangelion mais polêmico, desde The End
of Evangelion (1997), recheado de spoilers para você!
Mas antes, para um filme inicialmente confuso, cabe uma
rápida recapitulação.
2032, 14 anos após Evangelion 2.22, Asuka (YukoMiyamura) e Mari (Maaya Sakamoto)
vão para o espaço para pegar Shinji (Megumi Ogata), onde ele e o Eva 01 foram confinados em estado de hibernação após
causar o terceiro impacto, responsável por dizimar parte da humanidade. Elas
são lançadas em seus Evas ao espaço pela organização anti-Nerv que tem como
missão destruir os Evangelions; Wille (em
alemão significa "vontade"), comanda pela coronel Misato Katsuragi
(Kotono Mitsuishi), para recuperar
um tesseract gigante onde a Unidade 01 foi contida. Porém, elas acabam
emboscadas pela Série Nemesis, anjos artificiais criados pela SEELE, em um enorme
formato de coleção de drones mecânicos orbitais. Quando as medidas de contra
ataca-lo falham, Mari perde altitude e Asuka grita para Shinji fazer alguma coisa,
e então brevemente seus gritos despertam a unidade 01, destruindo o Nemesise revelando que dentro da estrutura está a unidade
01 e Shinji, voltando a adormecer em seguida. A tripulação consegue retirá-lo
da unidade e revivê-lo, mas não há nenhum sinal da Rei II (Megumi Hayashibara). Logo
após, a Série Nemesis volta e ataca a frota da Will-e. A Unidade 01 é colocada
no centro da nave, servindo como a principal fonte de energia, os outros aviões
menores se espalham pelo ar, e as armas principais do Wunder são carregadas
para destruir o Anjo.
No Japão, o título é Evangelion Shin Gekijoban: Q (Quickening), fazendo uma alusão às
nuances dos primeiros movimentos de uma criança por nascer. Para nós
ocidentais, é bem mais direto: Evangelion 3.33 – You Can [not] Redo (Evangelion: Você [não] Pode Refazer). Pela primeira vez em Evangelion, nós
acompanhamos o desenvolvimento do enredo através da visão objetiva de Shinji,
não da forma que a linguagem tradicional deste termo sugere, mas assim como ele,
nós somos jogados em meio à uma história já em andamento que não entendemos do
que se tratar, vemos caras novas que não reconhecemos, velhos rostos que agem
diferente do usual, com uma outra personalidade e não entendemos o porque agem
tão friamente.
O que aconteceu? Mas as respostas não são objetivas e assim
como Shinji, ficamos perdidos, desnorteados. De certa maneira, nós somos os
Shinji. Não sentimos o calor daqueles personagens temos simpatia, muito menos o
que se passou neste espaço tempo de 14 anos, e principalmente, somos
educadamente convidados a não participarmos da ação, mas apenas apreciarmos, sem
qualquer conexão emocional, como espectadores passivos. Como Shinji Ikari.
Assim como Shinji, não temos dúvidas quando Rei aparece que
é com ela que ele deve ir. Não sabemos quem é mocinho ou vilão, nem quem está dizendo
a verdade, mas Rei é o elo emocional, a zona de conforto.
Se em Evangelion 1.11 Shinji aprende que não está sozinho,
no 2.22 ele se sente confiante o suficiente para avançar além de seus limites,
não se importando com mais nada, refletindo sua ideologia que o coloca no lado
oposto ao de seu pai; de cada que cada pessoa é insubstituível – e desta
maneira o filme é construído, culminando num final impactante, ao som da nostálgica
e esperançosa Tsubasa wo Kudasai cantada em coro em escolas japonesas, em uma
só voz, um só coração. Com este ímpeto, Shinji resgata Rei III, aos gritos de
incentivo de Misato. Não apenas dela, de nós também. Quem não se arrepiou com
este desfecho? Agora sim, Shinji, faz o gol e corre pros braços da galera.
Toda reconstrução dessa tetralogia de filmes sob uma
narrativa mais otimista, me fez esquecer na época que isto ainda é Evangelion.
E Shinji não é o herói que sonhamos, mas o que merecemos. Suas atitudes
inconsequentes, seu egoísmo, sua infantilidade, seu complexo de herói shounen
que pilota um mecha para se sentir alguém importante enquanto estiver li dentro
daquela capsula, sempre trazem consigo consequências graves.
Evangelion 3.33 retrata a solidão de um herói. Shinji terá
que lidar com as consequências de seus atos e tentar se redimir. O que ele faz?
Pede para novamente adentrar no Eva 01, o único local onde ele realmente se
sente importante, no entanto, a resposta que recebe é de que nunca voltará a
pilotar um Eva. Enquanto tudo ali é brilhante, vivo, com batalhas envolvendo
monstros e mocinhos, pulsante e frenético, ele se sente desnorteado e sem chão.
Misato não lhe dá atenção, é fria, não lhe mima como antes. Asuka parece mais
madura, não há mais um ponto de conexão aparente entre ambos. Quando Rei (IV) aparece, ele segue adiante por
imaginar que receberá atenção, estará novamente inserido numa zona de conforto.
Porém, tudo o que ele encontra é um espaço vazio e a
completa desolação. Descendo as escadas da Nerv, ele é pequeno se comparado a
tudo o mais, suas tentativas vãs de se conectar com Rei é aflitiva. Mais do que
a mudança “brusca” de Misato, mais que a falta de envolvimento emocional com a Asuka,
ver novamente a Rei agindo como uma boneca, sem compreensão do mundo, fazendo
apenas o que lhe é pedido, é frustrante. Shinji sente o baque. As cores
desapareceram, é tudo blood-color e sem vida, fortuitamente torturando Shinji
com as milhares de mortes que provocou, como quando ele nota que está vestindo
as roupas de Touji. As refeições compostas de blocos sólidos coloridos, as vastas
extensões de paredes destruídas, a forma como o espaço é ampliado em torno de
Shinji, passando uma sensação maior de solidão, vazio, desolação; todos toques
incríveis da parte de Anno, que tece gradualmente com habilidade impar a
descida de Shinji à loucura, naquela que sem dúvidas é a sequência mais
alucinante do longa; em uma peça orquestrada por Gendo (Fumihiko Tachiki) com apoio de Fuyutsuki (Motomu Kiyokawa). As respostas vêm, mas não trazem nenhum alívio
imediato, nem para Shinji, nem para nós.
Como uma peça ensaiada por Gendo, tudo é milimetricamente
planejado. Em meio ao cheiro putrifico de morte na NERV, o único local que
parece um pouco mais sóbrio, possui um piano, uma arvore e música, transmitindo
vida em meio a um cenário sombrio. É Kaworu que lhe estende o braço, lhe mostra
a verdade e injeta a vida em suas veias novamente através da metáfora da
música, o duo, a esperança e superação, concordando em ajudar Kaworu a refazer
o mundo em um lugar melhor. Ele só não contava que tudo fosse se repetir
novamente.
Oh, bem, o final de Redo me passou alguns sentimentos tão desprezíveis.
O que eu gosto na série clássica de Evangelion em termos de ação, é o fato de
ser muito físico e brutal, mesmo sem efeitos alucinantes, você é capaz de
sentir a pulsação de cada personagem, a dor dos Evas, a tensão atmosférica em
cada sequências estática de vários segundos, é tudo muito pungente. Até que
ponha o ponto final nos Rebuilds (a série de filmes que visa reconstruir a história de Evangelion) , eu entendo que o clássico chegou ao fim no
The End of Evangelion. Está lá, intocável para quem queira ver. Já os Rebuild,
mesmo que sejam entretenimento de primeira, nunca estarão a altura do clássico,
tanto que a reconstrução veio com uma nova proposta, mais enxuto, leve,
divertido e mais dinâmico. Sintonizado com a geração atual. Não poderia ser
diferente, as circunstâncias que fizeram Evangelion ser o que é, ficaram lá
atrás. Eu acredito que é na adversidade que artistas conseguem criar suas obras
mais sinceras.
Voltando à cena final de Redo, com Shinji em estado vegetal,
sendo arrastado por Asuka profundamente cicatrizada e Rei IV, perdida em
questionamentos internos, seguindo à distância com um cenário devastado, foi o
ponto alto de toda atmosfera de desolação que permeou o longa. Há algo de muito
desprezível e podre naquele cenário. Não é triste, não é... Angustiante? Não te
dá uma sensação de desprezo ao ver aqueles adultos com a mesma aparência média
de 15 anos, com o tempo passando por eles, o cenário se transformando, as
pessoas em volta amadurecendo, mas ainda presos no mesmo jogo?! É melancólico,
mas diferente da série de tv que é mais emocional e envolvente, aqui as emoções
são mais secas. Olhar para Shinji e saber que ele tem agora quase 30 anos e
agindo como uma criança é estranho.
E é isso que faz de Rebuild of Evangelion 3.33 o ponto alto até
aqui. Anno não teve medo de refazer tudo, quebrar o status quo do qual o fandom
girava faz algum tempo já, tirando-os da zona de conforto e embaralhando todo o
jogo, numa montagem pensadamente confusa em um primeiro momento, e porque não,
agressiva. Em Redo, gosto de como ele trabalha duas das principais personagens da franquia. Asuka, o ideal platônico, com a alma
condenada e mente quebrada pelos Anjos, agora exibe um semblante cansado. Rei,
sua garota idealizada subserviente, realmente é bem menos simpática que a “original”
e muito mais atormentada em questões existenciais. Além de Shinji, claro, pela primeira vez em um Rebuild tendo a mente estuprada por tudo o que é lado.
As criticas no Japão estão bem polarizadas, há diversos
relatos de quem saiu do cinema sem entender nada e se questionado o que acabou
de ver. Oras, parecido com o que eu e muitos também sentiram. Meu cérebro doeu.
Fiquei chocada. Depois fiquei rindo. Foi uma experiência incrível. Eu precisei
de um tempinho para digerir tudo o que acabara de ver, e embora ainda não
conseguisse pensar logicamente, o meu corpo e minha mente estavam em êxtase. Eu
acabava de ter uma de minhas melhores experiências cinematográficas. Em meio a
toda essa polarização de criticas, é impossível não pensar que a série clássica
foi alvejada pesadamente quando os últimos episódios foram ao ar, por Anno ter
se recusado a dar o que o público queria.
Claro que as criticas são compreensíveis, afinal, Redo faz
romper com tudo o que se entende como Evangelion, se transformando em um típico
blockbuster hollywoodiano pirotécnico, daqueles bem comerciais e popicões. Os
personagens, que sempre foram o grande trunfo da série, com exceção de Shinji, agora
se sentem bidimensionais e vazios. Suas motivações foram alteradas e não
sabemos o que exatamente os impulsiona agora. A ação é impressionante, levam
vários minutos em piruetas, acrobacias vertiginosas, explosões; uma orgia
visual com animadores em estado delirante ao criar sequências visuais que dão
nó ao cérebro, com uma riqueza de detalhes pouco vistos em longas animados, que
pra ser devidamente apreciado pede algumas pausas pontuais. As rotações aplicada pelos animadores é mesmo
alucinante, com um 3DCG tão esplendoroso, que se misturou facilmente a animação
tradicional.
Vibrante, mas visualmente confuso e difícil de seguir, os
Anjos ficaram tão abstratos que se tornaram desinteressantes. A ação é,
novamente, explosivamente vibrante, uma das melhores animações que você vai
encontrar em um longa metragem, mas sente-se a falta de violência puramente
emocional. A trilha sonora do sempre ótimo Shiro Sagisu é efetiva em passar esse
feeling.
Mas é um erro analisar Redo irrestritamente como um filme
isolado, porque ele faz parte de uma ideia que ainda não chegou ao fim. Originalmente
fora planejado para ser exibido em simultâneo com o quarto e último – talvez isso
fizesse toda a diferença na forma como este filme é sentido, mas não tira seus
méritos de ser uma instigante peça ensaiada por Gendo, que só saberemos ao
certo do que se trata no capítulo final, enquanto, continuará a causar
discussões. Em última análise, Redo possui uma cenografia pós-apocalíptica
muito agradável, do qual nunca havíamos visualizado antes. Não de forma tão
expansiva.
E a música tema, Sakura Nagashi? Com ela, me senti completamente
envolvida novamente em todo aquele lamento.
Nota: 09/10
Estúdio: Khara
Diretor Chefe: Hideaki Anno
Direção: Kazuya Tsurumaki, Mahiro Maeda, Masayuki
Roteiro: Hideaki Anno
Ano: 17/11/2012
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