sexta-feira, 3 de maio de 2013

Evangelion 3.33 – You Can [Not] Redo: Você Não Pode Refazer


Comentários sobre o Evangelion mais polêmico, desde The End of Evangelion (1997), recheado de spoilers para você!

Mas antes, para um filme inicialmente confuso, cabe uma rápida recapitulação.

2032, 14 anos após Evangelion 2.22, Asuka (YukoMiyamura) e Mari (Maaya Sakamoto) vão para o espaço para pegar Shinji (Megumi Ogata), onde ele e o Eva 01 foram confinados em estado de hibernação após causar o terceiro impacto, responsável por dizimar parte da humanidade. Elas são lançadas em seus Evas ao espaço pela organização anti-Nerv que tem como missão destruir os Evangelions; Wille (em alemão significa "vontade"), comanda pela coronel Misato Katsuragi (Kotono Mitsuishi), para recuperar um tesseract gigante onde a Unidade 01 foi contida. Porém, elas acabam emboscadas pela Série Nemesis, anjos artificiais criados pela SEELE, em um enorme formato de coleção de drones mecânicos orbitais. Quando as medidas de contra ataca-lo falham, Mari perde altitude e Asuka grita para Shinji fazer alguma coisa, e então brevemente seus gritos despertam a unidade 01, destruindo o Nemesise revelando que dentro da estrutura está a unidade 01 e Shinji, voltando a adormecer em seguida. A tripulação consegue retirá-lo da unidade e revivê-lo, mas não há nenhum sinal da Rei II (Megumi Hayashibara).  Logo após, a Série Nemesis volta e ataca a frota da Will-e. A Unidade 01 é colocada no centro da nave, servindo como a principal fonte de energia, os outros aviões menores se espalham pelo ar, e as armas principais do Wunder são carregadas para destruir o Anjo.


No Japão, o título é Evangelion Shin Gekijoban: Q (Quickening), fazendo uma alusão às nuances dos primeiros movimentos de uma criança por nascer. Para nós ocidentais, é bem mais direto: Evangelion 3.33 – You Can [not] Redo (Evangelion: Você [não] Pode Refazer).  Pela primeira vez em Evangelion, nós acompanhamos o desenvolvimento do enredo através da visão objetiva de Shinji, não da forma que a linguagem tradicional deste termo sugere, mas assim como ele, nós somos jogados em meio à uma história já em andamento que não entendemos do que se tratar, vemos caras novas que não reconhecemos, velhos rostos que agem diferente do usual, com uma outra personalidade e não entendemos o porque agem tão friamente.

O que aconteceu? Mas as respostas não são objetivas e assim como Shinji, ficamos perdidos, desnorteados. De certa maneira, nós somos os Shinji. Não sentimos o calor daqueles personagens temos simpatia, muito menos o que se passou neste espaço tempo de 14 anos, e principalmente, somos educadamente convidados a não participarmos da ação, mas apenas apreciarmos, sem qualquer conexão emocional, como espectadores passivos. Como Shinji Ikari.  

Assim como Shinji, não temos dúvidas quando Rei aparece que é com ela que ele deve ir. Não sabemos quem é mocinho ou vilão, nem quem está dizendo a verdade, mas Rei é o elo emocional, a zona de conforto.

Se em Evangelion 1.11 Shinji aprende que não está sozinho, no 2.22 ele se sente confiante o suficiente para avançar além de seus limites, não se importando com mais nada, refletindo sua ideologia que o coloca no lado oposto ao de seu pai; de cada que cada pessoa é insubstituível – e desta maneira o filme é construído, culminando num final impactante, ao som da nostálgica e esperançosa Tsubasa wo Kudasai cantada em coro em escolas japonesas, em uma só voz, um só coração. Com este ímpeto, Shinji resgata Rei III, aos gritos de incentivo de Misato. Não apenas dela, de nós também. Quem não se arrepiou com este desfecho? Agora sim, Shinji, faz o gol e corre pros braços da galera.

Toda reconstrução dessa tetralogia de filmes sob uma narrativa mais otimista, me fez esquecer na época que isto ainda é Evangelion. E Shinji não é o herói que sonhamos, mas o que merecemos. Suas atitudes inconsequentes, seu egoísmo, sua infantilidade, seu complexo de herói shounen que pilota um mecha para se sentir alguém importante enquanto estiver li dentro daquela capsula, sempre trazem consigo consequências graves.
Evangelion 3.33 retrata a solidão de um herói. Shinji terá que lidar com as consequências de seus atos e tentar se redimir. O que ele faz? Pede para novamente adentrar no Eva 01, o único local onde ele realmente se sente importante, no entanto, a resposta que recebe é de que nunca voltará a pilotar um Eva. Enquanto tudo ali é brilhante, vivo, com batalhas envolvendo monstros e mocinhos, pulsante e frenético, ele se sente desnorteado e sem chão. Misato não lhe dá atenção, é fria, não lhe mima como antes. Asuka parece mais madura, não há mais um ponto de conexão aparente entre ambos. Quando Rei (IV) aparece, ele segue adiante por imaginar que receberá atenção, estará novamente inserido numa zona de conforto.

Porém, tudo o que ele encontra é um espaço vazio e a completa desolação. Descendo as escadas da Nerv, ele é pequeno se comparado a tudo o mais, suas tentativas vãs de se conectar com Rei é aflitiva. Mais do que a mudança “brusca” de Misato, mais que a falta de envolvimento emocional com a Asuka, ver novamente a Rei agindo como uma boneca, sem compreensão do mundo, fazendo apenas o que lhe é pedido, é frustrante. Shinji sente o baque. As cores desapareceram, é tudo blood-color e sem vida, fortuitamente torturando Shinji com as milhares de mortes que provocou, como quando ele nota que está vestindo as roupas de Touji. As refeições compostas de blocos sólidos coloridos, as vastas extensões de paredes destruídas, a forma como o espaço é ampliado em torno de Shinji, passando uma sensação maior de solidão, vazio, desolação; todos toques incríveis da parte de Anno, que tece gradualmente com habilidade impar a descida de Shinji à loucura, naquela que sem dúvidas é a sequência mais alucinante do longa; em uma peça orquestrada por Gendo (Fumihiko Tachiki) com apoio de Fuyutsuki (Motomu Kiyokawa). As respostas vêm, mas não trazem nenhum alívio imediato, nem para Shinji, nem para nós.


Como uma peça ensaiada por Gendo, tudo é milimetricamente planejado. Em meio ao cheiro putrifico de morte na NERV, o único local que parece um pouco mais sóbrio, possui um piano, uma arvore e música, transmitindo vida em meio a um cenário sombrio. É Kaworu que lhe estende o braço, lhe mostra a verdade e injeta a vida em suas veias novamente através da metáfora da música, o duo, a esperança e superação, concordando em ajudar Kaworu a refazer o mundo em um lugar melhor. Ele só não contava que tudo fosse se repetir novamente.

Oh, bem, o final de Redo me passou alguns sentimentos tão desprezíveis. O que eu gosto na série clássica de Evangelion em termos de ação, é o fato de ser muito físico e brutal, mesmo sem efeitos alucinantes, você é capaz de sentir a pulsação de cada personagem, a dor dos Evas, a tensão atmosférica em cada sequências estática de vários segundos, é tudo muito pungente. Até que ponha o ponto final nos Rebuilds (a série de filmes que visa reconstruir a história de Evangelion) , eu entendo que o clássico chegou ao fim no The End of Evangelion. Está lá, intocável para quem queira ver. Já os Rebuild, mesmo que sejam entretenimento de primeira, nunca estarão a altura do clássico, tanto que a reconstrução veio com uma nova proposta, mais enxuto, leve, divertido e mais dinâmico. Sintonizado com a geração atual. Não poderia ser diferente, as circunstâncias que fizeram Evangelion ser o que é, ficaram lá atrás. Eu acredito que é na adversidade que artistas conseguem criar suas obras mais sinceras.


Voltando à cena final de Redo, com Shinji em estado vegetal, sendo arrastado por Asuka profundamente cicatrizada e Rei IV, perdida em questionamentos internos, seguindo à distância com um cenário devastado, foi o ponto alto de toda atmosfera de desolação que permeou o longa. Há algo de muito desprezível e podre naquele cenário. Não é triste, não é... Angustiante? Não te dá uma sensação de desprezo ao ver aqueles adultos com a mesma aparência média de 15 anos, com o tempo passando por eles, o cenário se transformando, as pessoas em volta amadurecendo, mas ainda presos no mesmo jogo?! É melancólico, mas diferente da série de tv que é mais emocional e envolvente, aqui as emoções são mais secas. Olhar para Shinji e saber que ele tem agora quase 30 anos e agindo como uma criança é estranho.

E é isso que faz de Rebuild of Evangelion 3.33 o ponto alto até aqui. Anno não teve medo de refazer tudo, quebrar o status quo do qual o fandom girava faz algum tempo já, tirando-os da zona de conforto e embaralhando todo o jogo, numa montagem pensadamente confusa em um primeiro momento, e porque não, agressiva. Em Redo, gosto de como ele trabalha duas das principais personagens da franquia. Asuka, o ideal platônico, com a alma condenada e mente quebrada pelos Anjos, agora exibe um semblante cansado. Rei, sua garota idealizada subserviente, realmente é bem menos simpática que a “original” e muito mais atormentada em questões existenciais. Além de Shinji, claro, pela primeira vez em um Rebuild tendo a mente estuprada por tudo o que é lado. 


As criticas no Japão estão bem polarizadas, há diversos relatos de quem saiu do cinema sem entender nada e se questionado o que acabou de ver. Oras, parecido com o que eu e muitos também sentiram. Meu cérebro doeu. Fiquei chocada. Depois fiquei rindo. Foi uma experiência incrível. Eu precisei de um tempinho para digerir tudo o que acabara de ver, e embora ainda não conseguisse pensar logicamente, o meu corpo e minha mente estavam em êxtase. Eu acabava de ter uma de minhas melhores experiências cinematográficas. Em meio a toda essa polarização de criticas, é impossível não pensar que a série clássica foi alvejada pesadamente quando os últimos episódios foram ao ar, por Anno ter se recusado a dar o que o público queria.

Claro que as criticas são compreensíveis, afinal, Redo faz romper com tudo o que se entende como Evangelion, se transformando em um típico blockbuster hollywoodiano pirotécnico, daqueles bem comerciais e popicões. Os personagens, que sempre foram o grande trunfo da série, com exceção de Shinji, agora se sentem bidimensionais e vazios. Suas motivações foram alteradas e não sabemos o que exatamente os impulsiona agora. A ação é impressionante, levam vários minutos em piruetas, acrobacias vertiginosas, explosões; uma orgia visual com animadores em estado delirante ao criar sequências visuais que dão nó ao cérebro, com uma riqueza de detalhes pouco vistos em longas animados, que pra ser devidamente apreciado pede algumas pausas pontuais.  As rotações aplicada pelos animadores é mesmo alucinante, com um 3DCG tão esplendoroso, que se misturou facilmente a animação tradicional.


Vibrante, mas visualmente confuso e difícil de seguir, os Anjos ficaram tão abstratos que se tornaram desinteressantes. A ação é, novamente, explosivamente vibrante, uma das melhores animações que você vai encontrar em um longa metragem, mas sente-se a falta de violência puramente emocional. A trilha sonora do sempre ótimo Shiro Sagisu é efetiva em passar esse feeling.

Mas é um erro analisar Redo irrestritamente como um filme isolado, porque ele faz parte de uma ideia que ainda não chegou ao fim. Originalmente fora planejado para ser exibido em simultâneo com o quarto e último – talvez isso fizesse toda a diferença na forma como este filme é sentido, mas não tira seus méritos de ser uma instigante peça ensaiada por Gendo, que só saberemos ao certo do que se trata no capítulo final, enquanto, continuará a causar discussões. Em última análise, Redo possui uma cenografia pós-apocalíptica muito agradável, do qual nunca havíamos visualizado antes. Não de forma tão expansiva.

E a música tema, Sakura Nagashi? Com ela, me senti completamente envolvida novamente em todo aquele lamento. 



Nota: 09/10
Estúdio: Khara
Diretor Chefe: Hideaki Anno
Direção: Kazuya Tsurumaki, Mahiro Maeda, Masayuki
Roteiro: Hideaki Anno
Ano: 17/11/2012

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