Tsubasa Hanekawa refletida sob outra ótica, que não aquela
anterior.
Este artigo possui
spoilers. E está extenso, leia ouvindo música ou tomando algum chá. Grata.
Aquela garotinha bonita, quietinha, estudiosa, que pouco
fala sobre si, mas está sempre ostentando um enorme e disposto sorriso na face;
você sabe realmente quem ela é? Como ela se sente? Seus pensamentos mais
obscuros? Que aquele sorriso não representa toda sua vida? Se aquela pessoa
convencida, descolada e articulada na verdade sofre de uma terrível
insegurança? Não sabemos. Não tem como
saber, a não aquelas pessoas mais próximas. Talvez somente sua família. Costuma
se dizer que ninguém conhece os defeitos de alguém tão bem quanto sua família,
e que sua família não conhece tão bem sua virtudes quanto alguém de fora. Todos
carregamos uma máscara, conscientes ou não. Seu comportamento [modo de se
vestir, de falar, de se portar publicamente] ou seus pensamentos mais íntimos
que você não permite passar da boca para fora inerentemente irá criar esta
mascara e criarão imagens pré-concebidas suas. Quem nunca passou por algo assim,
de alguém se surpreender com um palavrão dito, só porque você passa uma outra
imagem?
Se revelar no mais profundo intimo, é se despir. Em
Nekomonogatari compreendemos Hanekawa através de um contraponto. Quando seus
conflitos chegaram num aspecto psicologicamente sufocante, ela encontrou uma
válvula de escape em que pudesse descarregar todas as suas frustrações e
estresse, distante daquela fachada limitadora. Ela se despe desta casca
conservadora, que lhe impõe aspectos de fragilidade, de submissão, de sorrisos
plásticos e posturas de boa moça impecável. Como Black Hanekawa ela é livre, descarada,
sem papas na língua e é quem domina e mostra as garras desta vez.
Nekomonogatari é sobre os nove dias durante o Golden Week em
que Arararararararagi Koyomi-oniichan (Hiroshi Kamiya) precisa lidar com Hanekawa Tsubasa (Yui Horie) possuída por um kaii que se descobre ser o gato branco sem cauda morto por atropelamento que os dois haviam enterrado anteriormente.
Algo que parecia trivial, se transforma em mais um jogo subversivo em que a
menina se transforma num monstro e Araragi é aquele homem que elas desejam que
venha lhes salvar. Este arco se coloca cronologicamente entre Kizumonogatari (O inicio das crônicas sobre monstros que
possuem belas garotas, prometido como filme pelo estúdio Shaft e que só Deus e Akiyuki Shinbo sabem quando irá sair) e Bakemonogatari (Bakemonogatari: Uma Sátira ao Gênero Harém?). Como se nota, há
muitos flashbacks interligando os eventos deste arco com os ocorridos em Bakemono,
além de passagens que só poderemos conferir em Kizumono. Nekomono Black fora
lançado na virada de 2012 para 2013 como um especial longa metragem de cerca de
1 hora e 40 minutos na virada de ano e lançado posteriormente em formato de
DVD/BD (aka, OVA’s).
Navegando casualmente no Pivix, encontrei essa montagem feita por um membro de lá, que ilustra exatamente o que eu penso sobre a visão de Shinbo com relação à Hanekawa. Fora isso, a interpretação do afresco é um bônus muito bem vindo. Por isso traduzi, é só clicar na imagem para ampliar.
Há um ponto em comum entre santidade e luxuria – Hanekawa,
ao menos na visão de Shinbo, se assemelha em perfeição a Jesus. Uma perfeição
que fere a ela e a seus familiares; afinal, eles são os únicos que conhecem a
Hanekawa despida de qualquer casca por serem aqueles que convivem com ela a
maior parte do tempo. O maior opositor da santidade é o corpo, que simboliza os
pensamentos mais promíscuos e degenerados quando fetichizados ou despidos. Supõe-se
então, desde os tempos primórdios, que a mulher deve se vestir “adequadamente”
em recintos sociais para que não atraia pensamentos maliciosos. Um pensamento
que atende pelo estilo de roupa conservadora de acordo com cada época. A densa
história dos Borgia no período mais negro do vaticano retratado por diversos
autores desde então, denunciando a podridão da monarquia; os autores franceses Flaubert
e Baudelaire que escandalizaram a sociedade francesa ao expor a depravação em
oposição à repressão dos conservadores; a ode de poesia maldita do conde de
Lautréamont ao culto à satisfação da dualidade amoral, seguindo o mesmo refrão
do hino à beleza corrompida de ‘As Flores do Mal; a antítese de castidade e
promiscuidade de Marquês de Sade; etc e etc. Autores que se empenharam em
esfregar na cara da sociedade sua hipocrisia.
Tudo isso foi para chegar neste ponto: houve um tempo em que
os homens andavam nus sobre a terra, mas tão logo a decadência fez com que se
escondessem de vergonha um dos outros, em que corrompidos, não aguentariam
olhar para a pureza do outro, sem se sentirem agredidos e provocados (é com base neste conceito, em que os
deuses são descritos como entidades que andam e interagem uns com os outros,
nus). Nekomono Black faz esse paralelismo entre castidade/pureza e luxuria
como duas faces da mesma moeda (e de
fato, a pureza infantilizada atrai a luxuria. Muitos costumes culturais hoje
tidos como comuns nasceram deste inconsciente desejo). Eu não a conheço o
suficiente para dizer que Hanekawa esconde seu verdadeiro eu, mas posso dizer
que ela o resguarda/protege sob a fachada de uma comportada e simpática
representante de classe. Em uma determinada cena, onde Hanekawa conta sobre os
maus tratos que recebe dos pais, ela continua agindo como uma boa moça, ainda
que não diga uma mentira sequer, apenas praticando a omissão. Na sequência,
Shinbo mais uma vez, usa de muitos simbolismos para contextualizar e auxiliar a
interpretação. Hanekawa e Araragi estão andando, com ela lhe contando sobre o caso,
enquanto lhe permite acesso às informações; se mantêm atrás. Quando chega num
ponto em que ela não permite mais acessos ao seu intimo, o ultrapassa e se
distancia, com os faróis de um carro [que anteriormente piscavam em amarelo] piscando em vermelho, indicando perigo.
Você vê. É Hanekawa fugindo e se afastando do que a aflige de qualquer chance
que alguém possa ter de descobri-la. Quando Hanekawa enterra o gato, não é
porque sente pena, ela o faz mecanicamente, seguindo um protocolo
comportamental, mas sem quaisquer sentimentos. O gato para ela é como se fosse
um objeto qualquer fora do lugar, o que expressa sua frieza, embora quem a
observe terá a ideia errada. Sua bondade, os conselhos que emite em Bakemono,
apesar de não ser dito claramente, é Hanekawa representando um papel que
mascara seu verdadeiro eu, pois ela sabe que todos teriam a mesma reação
inicial que a de Araragi ao descobrir que não havia bondade alguma naquele
gesto de enterrar o gato. Então quando questionada, ela apenas esboça um
sorriso com alguma evasiva. Ela não mente, mas se omite.
Assim sendo, nada melhor para representar esse caráter dúbio
de Hanekawa que a imagem popular que a sociedade tem dos gatos (ainda que não represente a verdade):
cínicos, falsos, frios, rebeldes, indomáveis, elegantes, atraentes, manipuladores,
graciosos e selvagens. Mostra-se como verdadeiramente é, uma pervertida (não apenas na conotação sexual, mas de
degeneração moral também segundo a ótica da sociedade). Como Black
Hanekawa, ela até mesmo mostra seu amor por Araragi, algo que nunca colocou
antes em palavras. Como já de praxe, descobrimos que tudo não passou de uma
farsa. Hanekawa sempre esteve no controle, reforçando a necessidade que todos
possuem de utilizar máscaras, seja para si próprio, ou para os próximos. Como
já dito algumas vezes durante as Monogatari Series, kaiis são monstros que
refletem o verdadeiro espirito da pessoa possuída, “E assim começou a história de
kaiis criando kaiis” – podemos ler como pessoa criando seus próprios
monstros (Nos perderemos entre monstros
da nossa própria criação, já disse um grande poeta).
Isso nos leva à “Então, não vai mesmo, ser meu herói...”,
um lamento de Hanekawa. Araragi está
disposto a dar sua vida pela da neko, mas não a dar lhe seu amor romântico. Em
interação prolixa com Tsukihi ( Yuka Iguchi -- algo
muito bem vindo em um dos melhores diálogos de Nekomono Black, tendo em conta
que em Nisemonogatari é Karen -- Eri Kitamura -- quem rouba os holofotes), fora o jogo
subversivo de fetiches incestuosos, a retorica dos irmãos sobre o amor baseado
em luxúria e o romântico é o que define essencialmente Nekomono Black. A todo o
momento há um link com Bakemono, mas é na interconexão com Nisemono que enxergamos
claramente a relação de Araragi com Hanekawa e Senjougahara (Chiwa Saito).
Em Nekomono, Araragi afirma “só ela pode salvar a si mesma”,
em relação à Hanekawa. Em Nisemono, é a vez de Oshino dizer para Araragi o
mesmo que ele lhe havia dito em Nekomono, com relação à Senjougahara. Porém, o
roteiro subverte a vontade dele, com Senjougahara superando por si própria o
seu problema [narrado em Bakemono] e Hanekawa é quem acaba salva por sua
intervenção. O que podemos tirar disto é a vontade de Araragi em ser o príncipe
que Senjougahara queria e o amigo que Hanekawa precisava ao lhe dizer não, mas
estender a mão em auxilio a um mal que ela não poderia superar sozinha. Para
Araragi, Hanekawa é superior à Senjougahara em todos os sentidos, então, por
quê? Por uma ótica fria, Araragi sente que com Senjougahara, ele pode fazer o
jogo até onde ela quiser, enquanto se mantém no controle absoluto, o que não
aconteceria [e não acontece] com Hanekawa. Senjougahara, a despeito de toda a
pose que ostenta, é dependente e carente, teoricamente tudo o que um homem mais
aprecia numa mulher, enquanto ele sente que Hanekawa é autossuficiente. Romanticamente, você pode olhar como os
sentimentos de Araragi por Hanekawa sendo muito mais intensos por transcender o
sentimento romântico, sendo a amizade um sentimento muito mais forte que o amor
carnal. Com Senhougahara ele pode jogar o jogo do relacionamento romântico e
interpretar papéis. Novamente, é algo
calculado, com a neko-chan esse jogo seria complicado, mas o amor romântico é
uma fruta que se faz melhor saboreada quando madura, logo, os laços entre os
dois se tornarão cada vez mais sólidos e sinceros.
Nisio Isin faz em Monogatari Series um astuto desenho do
pensamento médio japonês por uma ótica objetivamente masculina, e eu nem acho
que se restrinja ao pensamento otaku. E sua relação... Hmm... Com as garotas do
seu harém, embora toda a extravagância é bem comum; seu relacionamento oficial
é com a mulher ideal, o que não impede que flerte com os outros arquétipos dos
sonhos do homem japonês – a lésbica, a loli, a yandere, a peituda, dominadora e
etc. Claro, há um jogo subversivo, e é este criativo uso das linguagens aliados
à parafílias/fetiches otakus que faz de Isin um autor fora de série.
Bem, falei tanto que nem sobrou espaço para comentar do
corpo maravilhoso da Neko Hanekawa (assim como os cabelos, lindíssimos) e suas lingeries estimulantes. Nekomono
Black faz um misto da narrativa de Bakemono com Nisemono. O ritmo é mais lento
e mais casual que em Nise, se aproximando mais da direção artística de Bake,
com estética lúdica que faz muitos usos da emblemática artwork característica o
estúdio Shaft, vulgarmente chamados de “slides show”, em oposição à animação
bem polida e frenética de Nise. Assim
como essa série leva a marca que Shinbo impôs para as Monogatari Series; letreiros, os
cortes abruptos de câmera, as alternâncias de estilo artístico, as diversas
referências à cultura pop (dessa vez foi com ‘As Meninas Super Poderosas’ e um repeteco com o Joe do amanhã, Ashita no Joe) e o uso diverso das cores e a
iluminação para subliminar o emocional em determinado contexto, e claro, as
geometrias exóticas minimalistas na construção do cenário como artificio sacana para poupar
grana e ainda soar cool – Shinbo é mesmo um discípulo da velha escola.
Nekomono ainda traz muitos dos solilóquios e diálogos
espirituosos (com Tsukihi e Hanekawa na parte final, são os momentos altos). De um modo geral, eu acredito que esta série soube utilizar o
fanservice de um modo igualmente criativo ao de Nise, mas sem soar agressivo (o que é irônico, afinal, tem uma garota
gostosa andando de lingerie em poses provocantes por boa parte do tempo).
Aquela coisa soft porn, de trabalhar a perversão e tensão sexual, de acordo com
o imaginário. Desse modo, você mostra uma calcinha preta rendada, o bico de um
seio estrategicamente sob um objeto, as marcas da roupa intima sob a vestimenta
tradicional e assim, estimulando a mente. Eu tenho certeza que muitos dizeres
em forma de brincadeira sobre fap envolvendo as garotas de Monogatari, são de
fato executadas de modo hardcore, LOL. Enfim, a montagem de Nekomono é
envolvente (o modo como se vincula à
Bake é sensacional), mas foi um prologo que não me instigou tanto quanto
anteriormente, provavelmente por ser um material bem mais simples e direto ao
ponto. Que venha Nekomonogatari White.
Nota: 07/10
Direção: Shinbo Akiyuki, Tomoyuki Itamura
Roteiro: Shinbo Akiyuki, Fuyashi TouNota: 07/10
Direção: Shinbo Akiyuki, Tomoyuki Itamura
Estúdio: Shaft
Produção: Aniplex, Kodansha, SHAFT
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