Águas, céu azul, horizonte verde, pessoas vivendo alegremente e... Gen Urobuchi?
Suisei no Gargantia narra a vida do tenente Ledo (Kaito Ishikawa), uma criança militarizada que nasceu e cresceu num futuro distante de uma sociedade militar que desde que se entendem por gente, guerreiam no espaço com seres alienígenas chamados Hideazeus (uma forma de vida estranha com diversas formas orgânicas, de plantas à caracóis). Com o planeta terra entrando numa terrível era glacial, grande parte da humanidade foi extinta e submersa pela água, sobrando apenas aqueles com poderes aquisitivos que se refugiaram no grande encouraçado espacial Avalon e os que permaneceram na terra sob condições precárias. Buscando expandir seus limites a procura de um lar, fora criada a Aliança Intergaláctica Humana, que deve sempre procurar avançar e reprimir qualquer espécie que tende deter os avanços da humanidade. Todas as crianças frutos de Avalon precisam estar aptos desde muito novas para prestar serviço à causa, os que nascem doentes ou sem capacidade para lutar pela humanidade, são descartados. No interior de uma Machine Calliber com inteligência artificial, Ledo em mais uma guerrilha espacial com as Hideauzes, ao ir salvar seu capitão acaba sendo sugado por um buraco de minhoca, que o leva para um planeta esverdeado cercado de águas por todos os lados e com a humanidade vivendo em plataformas flutuantes. Ledo vai descobrir neste planeta e com seus habitantes nativos, que a vida humana pode ter muito mais significados do que reza a cartilha da Aliança Intergaláctica.
Eu sei que ao olhar para essa sinopse e as lindas paisagens desta
série, você imediatamente irá associá-la ao filme pós-apocalíptico Waterworld -
O Segredo das Águas (1995), mas quão
surpreso irá ficar ao descobrir que ela está muito mais para o Avatar (2009) de James Cameron e para o anime Aria
the Animation (2005), com isso de
descobertas de novas culturas e os conflitos que isto traz.
Gen Urobuchi, ao lado de um dos produtores da série Nao Hirasawa e do dublador de Ledo, Kaito Ishikawa, disse em entrevista ao site
Otaku Mode que a história para Suisei no Gargantia que ele tinha no início
era diferente do que ela veio a se tornar depois da entrada do diretor Kazuya Murata (Eureka Seven) no projeto. Em outra entrevista, Murata diz que sempre sonhou com uma
história que se passasse em um planeta submerso com plataformas flutuantes.
Quando convidado, trouxe novas ideias para o conceito e Urobuchi se viu
num dilema: como juntar dois argumentos tão diferentes? Tantas idéias em um
produto conciso? Nesta entrevista, Urobuchi enaltece a figura da profissão de
diretores como maestros absolutos de uma obra, sendo que o roteiro é quem deve
se sujeitar ao que ele quer, e não o contrário, ao fazer um paralelo
interessante entre ser um escritor de romances e ser um roteirista de um
produto audiovisual. E ele está correto. Num show, a figura do diretor acaba
sendo a mais importante para o resultado final de uma obra, afinal, a história
passa a ser dele. Mas eu penso que um bom diretor é o que consegue tirar o
melhor que o autor tem para oferecer, fazendo com que soe paradoxal uma obra
entre um autor criativo e um diretor que possuía uma assinatura. E Murata se
mostrou um bom diretor técnico, bom entendedor dos meandros de sua profissão,
mas sua visão critica foi nula ao ponto da história se perder e só se reencontrar
novamente no último episódio.
Com essa entrevista, é mais fácil entender o porquê deste
amontoado de conceitos introduzidos em Suisei no Gargantia. A série trata de
todos os temas recorrentes de Urobuchi, ao mesmo tempo em que vai mudando
abruptamente o tom e o ritmo ao ponto de gerar um contraste interessante de
coisas que você não veria normalmente numa série escrita somente por ele (nesta série, Urobuchi conta com mais
alguns roteiristas auxiliares, só tendo escrito diretamente 2 episódios);
em parte por conter muito do espírito do Murata (com relação às cenas de ação). Como resultado, há uma combinação
estranha entre diversos gêneros, de slice of life à sci-fi drama, com direito à
um quê de horror psicológico em determinado ponto de uma das diversas tramas
que o enredo tenta, porcamente, cobrir. O maior problema com a série é o fato
de não haver o aprofundamento necessário em nenhuma das tramas de um enredo que
salta de uma história para outra de modo um tanto abrupto e até mesmo
anticlimático. Faltou um maior envolvimento de Ledo com aquele mundo e seus
nativos – como também não é nos dada a possibilidade de conhecermos melhor
aquele povo e seu modo de vida.
A jornada de descobertas e amadurecimento psicológico de
Ledo é individual, mas conta com um cenário belíssimo e diversos personagens
com quem ele irá cruzar que mudará a sua forma de ver as coisas. Ele precisa se
adaptar num planeta que é inverso à Avalon; enquanto esta tinha um alto nível
tecnológico e doutrina hierárquica, o planeta esverdeado de Gargantia é
simples, grandes partes das riquezas da humanidade se encontram submergidas, a
vida humana e o equilíbrio com a natureza são valorizados ao extremo, com cada
gota de chuva sendo recebida com uma festa. É inevitável que vários questionamentos
surjam no processo, mas é através dessa interação na observação que ele e o
machine Caliber Chamber (Tomokazu Sugita em uma ótima interpretação que ofuscou até mesmo o protagonista), irão
entender o significado de uma vida sendo aproveitada ao máximo. Se Aliança
Galáctica tem tecnologia avançada, nosso planeta tem oxigênio em abundância;
este contraste, não apenas de ideologia, no desfecho da série se mostrará algo
importante. Se trata de uma série de contrastes e a escolha individual de cada
um. Também de laços, que pode surgir de onde menos se espera [inclusive de uma
inteligência artificial que irá roubar os holofotes da série].
Chamber, a figura paterna de Ledo? |
A descoberta da sexualidade, da importância do dinheiro, de
uma profissão, das conexões entre as pessoas, do equilíbrio ambiental, do
respeito às culturas de cada povo, das memórias que se cria, de participar
ativamente do processo de evolução de sua sociedade; todos temas tratados com
certa sobriedade até certo ponto. O controle do tema que Murata mantêm nos
primeiros episódios é agradável e por vezes sutil, assim como seu controle
extremamente técnico, que fazem de Suisei no Gargantia um produto áudio visual
belíssimo. Os efeitos de iluminação, seleção de cores, a sonoplastia (que conta com muitos arranjos orquestrais,
boas peças, mas que não conseguem amplificar em nenhum momento o que está sendo
representado no vídeo), ele se mostrou tão atento a pequenos detalhes que
me fazem perguntar o porquê de não ser sempre assim na indústria.
Enquanto no papel é tudo bonitinho, na pratica é possível
perceber até mesmo certas inconsistências na montagem desta história a partir
do momento em que introduz cedo demais novas tramas, resultando em um pacing
horroroso. Os personagens introduzidos se sentem perdidos e sem espaço para brilharem,
particularmente Amy (Hisako Kanemoto),
o interesse romântico e ferramenta importante para as motivações de Ledo, acaba
ficando apenas na casca de garotinha adorável e meiguinha, sem qualquer
complexidade adicionada.
A maior fraqueza de Urobuchi são histórias movidas por
personagens, mas ele costuma manter um bom nível no tratamento dispensado a
seus personagens principais, vide Akane Tsunomori ou Homura Akemi, em
Psycho-Pass e Madoka Mágica. Nas mesmas séries, também sabe trabalhar bem os
conflitos ou relações entre dois personagens, como com Sayaka e Kyoko, ou
Makishima e Kougami. Ou seja, todas as peças que compõe uma boa plot-driven. Em
Gargantia, uma story driven, não há nem mesmo essas boas adições de outras
séries do autor. Os personagens são rasos e o crescimento de Ledo é forçado (temos os motivos, mas falta a boa
progressão quando se trata de um personagem em formação).
Urobuchi diz também que este foi um show pensado para ser
leve e sem grandes complexidades. E ele realmente consegue ser isso, leve,
descompromissado e com um forte apelo para um público geral que normalmente
suas séries não possuem. É um produto mainstream, e como tal, joga na zona
segura sempre e conta com uma estrutura que segue uma fórmula de sucesso que
transformam produções genéricas em grandes arrecadações – que infelizmente
[para eles] não será o caso de Gargantia, por não conseguir se manter fiel à
somente uma base de compradores (há um
forte investimento desde mechas, à garotinhas, ao mesmo tempo em que tentam contar
seriamente a história de um garoto). O character designer do classudo autor
de doujins hentais, Hanaharu Naruko, é prova cabal de como o projeto de
personagens em uma série ditará os seus rumos até o fim. Suisei no Gargantia
tem um apelo sexual para o fanservice, dessa vez apostando mais no público
masculino (ao contrário de Psycho-Pass)
mais refinado que a média, apostando na imaginação dos telespectadores com suas
personagens. Todas as personagens femininas são apenas manequins em vitrines, o
que em parte justifica do ponto de vista de público alvo a forma como são
tratadas pela narrativa (distantes, mas
presentes o suficiente para que fãs suspirem por elas). É este ir e não ir,
esta falta de personalidade, que faz da série um produto medíocre.
Em termos técnicos, a série possui momentos muito bons de
animação, mas não sem tropeçar no 3DCG, que tira o brilho de muitas sequências
bem animadas. O character design, por mais genérico que seja em seus traços, é
bem refinado e esteticamente estimulativo, e como aconteceu em Psycho-Pass, por
ser mais detalhado (inclusive há um
estilo artístico diferenciado para o padrão de personagens de mulheres e
homens, que seguem um traçado diferente dos delas), não consegue se manter sempre
solidamente, principalmente quando a sequencia de ação da cena é mais dinâmica.
Enfim, Suisei no Gargantia é o primeiro trabalho de Urobuchi
fora de sua zona de conforto, e eu diria que isto não significa nada, uma vez
que ele só criou a estrutura do enredo e escreveu apenas dois episódios, que
não diferem em nada de tudo o que ele já fez antes (e ainda por cima introduziu precocemente a linha do plot, embora isto
seja justificável devido ao pouco tempo da série, não é menos criticável).
O Urobuchi novamente pegou a todos nós com mais uma trollagem! Infelizmente
dessa vez o resultado foi bem mediano. Ele diz que queria criar uma história
simples, mas é importante entender que histórias simples são mais complexas de
se criar bem do que se imagina. É como a boa comédia. Pergunte a um autor e a
um ator o que é mais complexo de se criar, um drama ou uma comédia e ele
responderá a segunda opção. Que ele volte a fazer o que faz de melhor, de
verdade. É sintomático pensar que atualmente Urobuchi seja o único na indústria
de animes fazendo bem histórias mais obscuras e com uma imaginação peculiar
para enredos, batendo de frente com o prato principal da casa (e seu nome é o único que ainda consegue
vender bem esse tipo de produto, por enquanto). Então, que as menininhas e
as fatias de vida fiquem para quem realmente sabe fazer isso bem. Ambos os
públicos agradecem.
Nota: 05/10
Ano: 2013
Episódios: 13
Estúdio: Production I.G.
Direção: Kazuya Murata
Argumento: Gen Urobuchi
Roteiro: Gen Urobuchi, Daichiro Tanimura, Gan Saaku, Norimitsu Kaiho, Torico Nanasino
Recomendação de Leitura Complementar:
-Comentários: Suisei no Gargantia #13 – Lenda do Planeta Verdejante
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Nota: 05/10
Ano: 2013
Episódios: 13
Estúdio: Production I.G.
Direção: Kazuya Murata
Argumento: Gen Urobuchi
Roteiro: Gen Urobuchi, Daichiro Tanimura, Gan Saaku, Norimitsu Kaiho, Torico Nanasino
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