E se você pegasse uma rota que te levasse para uma dimensão alternativa do seu mundo?
Crescer é difícil, tudo à sua volta começa a mudar, porém, não é só o mundo à sua volta que está mudando tão rapidamente, mas a sua perspectiva de como vê o mundo.
Crescer é difícil, tudo à sua volta começa a mudar, porém, não é só o mundo à sua volta que está mudando tão rapidamente, mas a sua perspectiva de como vê o mundo.
Takako Shimura é uma autora conhecida por seus tópicos LGBT,
em especial, transgender e lesbianismo. Chiya Fujino, uma autora premiada de
literatura no Japão, é transsexual, e é conhecida por refletir isto em suas
obras. Logo, um encontro entre essas duas peças é de se imaginar que originaria
em um produto carregado, certo? Errado. Ao menos, a coisa toda não vai
exatamente por este lado, embora se note claramente algumas sutilezas aqui e
ali, que trataremos logo a seguir. Route 225 é uma adaptação de um livro
infanto-juvenil de autoria de Chiya Fujino pelas mãos da Shimura-sensei. O
mangá veio à luz na esteira do filme live action que estreou nos cinemas
japoneses em 2006, e esses mangás que surgem como adaptações de outras obras
como uma forma de marketing ou “capricho” para os fãs, não tendem a durar,
geralmente, mais do que 2 edições. Neste caso, é somente 1 e dá pra sentir seu
caráter sintático. Também se diferencia das outras duas mídias por suavizar a
trama e deixá-la mais doce. Claro, é da Takako Shimura que estamos falando. A
mesma de Aoi Hana e Hourou Musuko, duas obras que tratam de temas pesados de
um modo tão suave como o cair de pétalas pelo balançar do vento numa flor.
Route 225 narra às desventuras da garota Eriko e de seu
irmão Daigo Tanaka, respectivamente [14 e 13 anos], quando ela é incumbida por
sua mãe de ir buscar seu irmão menor, por ele estar demorando a chegar da
escola. Ela se irrita por ter que sair do sofá e da frente da TV para ir
desempenhar uma função de babá, mas segue suas ordens, inclusive atenta à
recomendação de sua mãe em levar um guarda-chuva, porque iria, de certo,
chover. Ao encontrá-lo numa balança de praça, amuado por ter sido vitima de
bullying, os dois seguem o caminho de volta para casa, observando as belas
paisagens, os prédios ao redor, à geografia aconchegante, quando percebem que
estão andando em círculos. Para Daigo, que é fissurado em ficção cientifica,
histórias sobrenaturais e teorias de conspiração, isto se transforma num
intrincado thriller de suspense quando estranhos eventos começam a ocorrer,
como um mar aparecendo indevidamente bem diante de seus olhos num bairro
distante do litoral, pessoas que deveriam estar mortas aparecendo vivinhas da
silva e quem deveria estar viva, na realidade já se encontrar morto. Para a
cética Eriko, tudo isto é viagem da cabeça fértil de seu irmão, mas o quão
surpresa você acha que ela vai ficar ao perceber que está numa realidade
paralela em que seus pais “não existem” e tudo neste mundo, apesar de igual
visualmente, está diferente?
Para mim, esta seria só mais uma história usual da
Shimura-sensei, sobre conflitos da puberdade e inadequação sexual, apesar de
isto ainda ser observável, fiquei bastante surpresa ao ver que na camada
exterior é bem diferente de tudo o que ela havia feito até então, afinal,
estamos falando de ficção cientifica. Ou melhor, fantasia cientifica. Eu peguei
este mangá, sem ao menos ler a sinopse (recomendo vocês fazerem isto algumas
vezes, terão ótimas surpresas), então fiquei realmente surpresa ao ver todos
estes elementos fantasiosos para um autor a que nunca saiu do ordinário
cotidiano. Eriko é a típica personagem feminina da Shimura-sensei; gênio forte,
impulsiva, deslocada socialmente embora faça amizade facilmente, esteticamente
feminina, mas com modos socialmente atribuídos a garotos, dificuldade em
demonstrar afetividade e seu eu interior, fala o que pensa sem titubear, além
de se vestir basicamente. Em outro ponto, Daigo é o típico personagem masculino
da Shimura-sensei; delicado, sensível, inabilidade social, instável, tímido,
retraído, extremamente educado, bom em serviços domésticos e se veste e se
comporta de um modo atribuído a garotas. Com Shimura-sensei, são elas que os
protegem. Elas são impulsivas, e eles ingênuos. Eles que influenciam no
crescimento pessoal delas. E são com eles que nossos corações se enchem de
calor.
Abaixo, uma imagem de Saori Chiba botando pra foder em Hourou Musuko, mais abaixo Eriko em uma cena similar em Route 225. Em ambas as versões, as duas garotas almejam se vingar daqueles que praticaram bullying.
Vê-los por um capítulo inteiro através de ruas com um
entrosamento típico de dois irmãos, em diálogos ao primeiro olhar, fúteis, mas
que revelam muito do cotidiano dos personagens é deliciosamente degustativo. O
modo como ele vai à frente, como que com vergonha de encará-la e de colocar-se
de igual para igual, contando sobre a pichação em sua camisa com os dizeres “Eu
sou oito vezes pior do que a dioxina”, enquanto ela o cutuca por trás com o
guarda-chuva e as sobrancelhas retorcidas como que desaprovando a atitude
passiva dele, reflete perfeitamente a tônica entre dois irmãos que se dão bem,
mas são completamente diferentes e conflitantes entre si – e isto gera um
contraste em que o mais velho sempre irá olhar o menor com certa impaciência.
Daigo a diz que certamente ela também já passou por isto, relutando no
sentimento de inferioridade ao se contrastar com ela, mas Eriko retruca que não
(ela tem seus próprios problemas de pré-adolescente, afinal). O próprio
percurso para casa, Shimura faz questão de recriar detalhadamente o cenário que
se passa a ação. Não é um detalhamento de tornar a arte poluída visualmente,
mas de dar personalidade ao cenário ao ponto dele até se tornar um personagem.
O balanço em uma praça central, os simples, mas, luxuosos prédios com
apartamentos pequenos, as casas, as ruas estreitas, os poucos transeuntes
andando por elas. É um acanhamento que ganha todo um significado através das
outras camadas do roteiro (falarei a seguir). Deste modo, as descrições de
Eriko e seu senso de observação de cada detalhe, desde a casa em que ela
fantasia com Daigo em pedir casualmente para usar o telefone para falar com os
pais [que estavam perdidos], e então por um acaso então eles seriam convidados
para comer um delicioso curry, ou mesmo quando percebem que estão perdidos
andando em círculos e o desespero bate forte. Estes detalhes fazem com que a
história ganha um tom de fábulas idilicamente urbano.
Foi algo que me fez devorar as páginas, pelos eventos
narrados serem muito factuais. Quando nos damos por perdidos, realmente
começamos a reparar mais à nossa volta, e a fantasia com a romântica visão dos
estranhos acolhedores deixa um gosto doce e amargo, porque logos eles
precisavam acordar para a realidade. Fica ainda mais divertido quando surgem os
eventos [que parecem] sobrenaturais (que eu vou evitar entrar em detalhes o
máximo que puder) e Eriko lentamente precisa ceder às teorias especulativas do
irmão sobre “world line b” e “world line a”, na tentativa de encontrar uma
forma reverter àquela situação.
Mas Route 225 não é sua SF tradicional, está mais para ‘A
Viagem de Chihiro’ ou Toki wo Kakeru Shoujo. Então, não espere respostas
fáceis e objetivas. Quer dizer, elas são fáceis, mas é preciso outro olhar para
pegar as sutilezas e adentrar nas camadas do roteiro. A própria narrativa da
Shimura, que é caracteristicamente confusa em passagens de tempo, vai te exigir
um pouco mais de atenção na leitura e na ótica de cada composição
[principalmente no capítulo 10, em que a história vai para trás e para frente
em poucos quadros] das páginas para compreender as voltas do roteiro. É uma
história simples que pede a sua completa imersão para não se tornar confusa e
sem sentido, isto pode ser um ponto positivo ou negativo, variando de pessoa
para pessoa.
Route 225 é uma alegoria sobre crescimento que utiliza a
clássica ferramenta de realidades paralelas ou viagens no tempo para uma
história que no fundo é só um coming-of-age. Exemplos não faltam, além dos dois
citados acima, Suisei no Gargantia é um que mostrou que dá pra fazer de tudo
usando esta ferramenta para contar a complexa passagem da adolescência ao mundo
adulto. Route 225 é o ponto de ramificação do mundo “a” para o mundo “b”, uma
trajetória que os personagem tomam sem perceber e quando se assustam, se
deparam com um mundo estranho, apesar de ser o mesmo de sempre. Vai além, a
história cobre dos 14 aos 15 anos de Eriko, com isto o spoiler já está
estampando no título. “Route 225” é um trocadilho fonético com a raiz quadrada
de 225, que obviamente é 15 [pois, 15x15=225].
A chave do mistério é a própria Eriko. A trama adaptada por
Shimura explora as malhas da estrutura familiar através de uma fabula poética
sobre o caráter mutante de uma garota que saíra da puberdade e adentrava cada
vez mais fundo no estranho universo da adolescência. Há sinais de que Eriko e
sua mãe viviam diversos conflitos, então é muito interessante vê-la enfim
saindo daquela casca de adolescente que não está nem ai e demonstrando o quanto
sente falta da mãe. Essa nova realidade simboliza a passagem dos 14 para os 15
anos de Eriko (é o tempo em que eles permanecessem presos nessa rota), e toda a
carga psicológica que esta mudança traz consigo. A Eriko de 14 vaga em um
espaço diferente, em um mundo sutilmente diferente ao anterior, amadurecendo em
direção à Eriko de 15. Tanto Eriko, quanto Daigo, encontram muitas dificuldades
em lidar e se adaptar a estas novas sutis mudanças, e enquanto ele é afetado
diretamente nas mudanças de sensibilidade da irmã, é nela que podemos perceber
um crescimento realmente sólido, enquanto ele ainda se mantêm ainda preso no
ninho maternal (há um diálogo no último capítulo – não posso recriá-lo por
motivos de spoilers – entre os dois que é contundente sobre essa afirmação),
ela começa a encarar de frente e saber lidar melhor com os seus dilemas
adolescentes que parecem maiores que o mundo. O amor, as relações de amizade, os
laços familiares, o afeto do qual tinha dificuldade em demonstrar abertamente.
Há uma sequência muito sutil em determinado capítulo, em que enquanto Eriko e
Daigo procuravam o caminho de volta da rota 225, começa a cair grossas gotas de
chuva e então o céu desaba torrencialmente em um clímax fantástico. Se voltamos
um pouco lá atrás, foi a mãe que aconselhou Eriko a levar o guarda-chuva porque
iria chover, e ela atende o conselho mesmo sem levar fé em sua previsão
materna. É como se Shimura-sensei dissesse “olha, dê mais ouvidos aos conselhos
de suas mães, sua sabedoria pode lhe erem úteis mais à frente”. Bem, não sei se
interpretei corretamente...
Há termos que eu não estou bem certa de onde eu ouvi, mas
que diz sobre “pessoas nas fronteiras” na visão da psicologia, em que uma
pessoa quando se move de um grupo para outro grupo social, não consegue se
adaptar bem às novas normas, não pertence completamente à população de ambos,
com esta autoconsciência se tornando uma espécie de limbo instável. É o que Eriko
e Daigo sentem, e não tão diferente de quando saímos pela primeira vez da
proteção materna e vamos para a escola (por isso tantas crianças choram em seus
primeiros dias ao serem abandonadas pelas mães num ambiente fora de sua zona de
conforto. Eu também chorei, hahahah) ou de quando largamos a faculdade e nos
deparamos estar por nós mesmos, como foi com Eriko e Daigo quando viram que
seus pais tinham desaparecido naquele mundo (spoilers matadores: mas
eles voltam a fazer parte de suas vidas no último capítulo quando Eriko
completa a sua jornada de auto-descobertas).
É uma boa experiência principalmente para quem está
condicionado às histórias de sempre da Shimura-sensei, e um bom pontapé inicial
para quem não a conhece ainda, afinal, tudo o que ela aborda em suas histórias,
ela o faz aqui, mas talvez com mais poesia. Por exemplo, Daigo claramente sente
atração pelo sexo oposto, assim como se sente melhor se vestindo com mais
delicadeza, e que o bullying sofrido através de um colega de quem sente afeição
está intrinsecamente interligado com seu comportamento. Seja como for, a única
ausência sentida aqui, é um espaço maior paras as reflexões internas dos
personagens dentro da história, que se limita a volume e consequentemente
limita-se a si mesma em termos de conteúdo.
Nota: 07/10
Autora: Takako Shimura
Ano: 2007
Demografia: Shounen
Revista: Shounen Sirius (Kodansha)
Volumes: 01 (finalizado)
Onde encontrar: Não há em português
MU: http://goo.gl/vZUTuj
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Nota: 07/10
Autora: Takako Shimura
Ano: 2007
Demografia: Shounen
Revista: Shounen Sirius (Kodansha)
Onde encontrar: Não há em português
MU: http://goo.gl/vZUTuj
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