sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Éden - Um mundo infinito!

Saudações do Crítico Nippon!


Éden foi a melhor descoberta em mangás desde que escrevi sobre Gantz. Compartilhando de uma trama envolvente e personagens ricos e tridimensionais, esta obra é fabulosa. Escrito e desenhado com maestria por Hiroki Endo, é um thriller pós apocalíptico único e fascinante, que foge de tudo que o Cinema e as HQs atuais tem oferecido sobre o tema. E se no início parecíamos estar lendo um mangá de "Eu sou a Lenda", em um mundo vazio e fantasma, em instantes seu universo é gradualmente apresentado e já nos damos conta da dimensão daquela trama, nos envolvendo com seus heróis e antagonistas (e vilões!) e isso tudo com uma fluidez incrível e natural. É uma obra extremamente madura e que parece nunca se perder em seu roteiro, mesmo em sua montanha russa de personagens e locações tão variadas quanto os filmes do James Bond.


(Este artigo irá até o volume 22 publicado pela Panini no Brasil)



O mangá inicia na instalação militar Éden, onde habitam três pessoas que acreditam serem as últimas no mundo graças a proliferação do vírus Closer. Enoa e Hannah (que são imunes ao vírus) e o cientista infectado Layne. Após quase um volume inteiro só com eles e alguns flashbacks, outros seres humanos aparecem, pertencentes à organização Nomad e à Propater. Entra em cena também o robô com nome de anjo, Querubim, e a história dá o seu primeiro salto no tempo onde encontramos logo o filho de Enoa e Hannah, o também imune Elia. E a partir daí a trama cresce de forma exponencial e só pisa no freio pouquíssimas vezes. 

As referências mitológicas e de diversas crenças são fartas, e você só precisa jogar no google todos os nomes citados no parágrafo anterior para ter uma noção. Há alguns momentos mais escrachados, como na referência do casal principal ser uma espécie de Adão e Eva (e pior que não são nem perto disso), mas é apenas um pecadilho. Construindo diálogos com calma e naturalidade, envoltos por um clima melancólico, Hiroki não parece ter pressa nenhuma, acreditando plenamente que o seu mundo e seus personagens são suficientes para nos interessar (e são. E muito). Suas conversas são sempre bonitas e jamais soam mal construídas ou infantis. Muito pelo contrário, como no momento em que Elia sente pena de um cadáver devorado por um cachorro, seu robô Querubim responde: “Seja comido pelos cães ou pelos microorganismos da Terra, para o ciclo biológico é a mesma coisa”.  

Adentrando devagar em uma narrativa que remete claramente a opressão dos países super desenvolvidos sobre os emergentes, explora inúmeras questões como religião, etnia, economia, pesquisas científicas, e qualquer desculpa que sirva para nos rechear com cenas de ação e diálogos inteligentes. Provando uma maturidade incrível ao tratar de assuntos e referências tão delicadas, Hiroki Endo constrói tudo com cuidado e expande seu mundo vagarosamente. Assim, se no início não passa de um pós apocalíptico mais do que explorado por outras obras, imediatamente ganha contornos inimagináveis, com problemas sociais e questões do mundo real.

 

Deste modo, se em um momento estamos isolados na instalação Éden e caminhando por megalópoles inteiras abandonadas quase fantasmas, em um clima assustador, imediatamente somos transportados para florestas detalhadas; em seguida para desertos secos e rochosos, vastos porém sempre perigosos; depois para cidades grandes e movimentadas, em um cotidiano corporativo e extremamente tecnológico; para depois sermos transportados novamente a inúmeros volumes morando em um prostíbulo e uma parte menor e mais pobre da cidade; para culminar em diversas tramas rápidas que envolvem todos estes cenários em sequência rapidamente.

Merecendo todos os créditos do mundo, o autor desenha esses ambientes extremamente diferentes e únicos, sendo muito marcantes. Tudo é feito em detalhes e com uma riqueza ímpar, é impossível não mergulhar em cada cenário. Sentir a secura incômoda do deserto; o caos e barulho das cidades grandes; o poder exercido por laboratórios tão detalhados e criativos; a inquietude e frieza na trama das prostitutas; e o medo e suspense das regiões ainda contaminadas pelo vírus Closer e suas consequências.



E se no primeiro parágrafo deste texto citei Gantz, creio que posso muito bem puxar outro que escrevi recentemente: Black Lagoon. A diferença é que em todos os detalhes que estes dois erram, Éden acerta e ainda traz as partes que já eram boas. Por exemplo, os inúmeros personagens que conhecemos e crescemos com eles, passando a nos importar (e é absurdo a facilidade com que nos envolvemos com estas criações de Hiroki Endo) só para vê-los mortos de forma brutal e crua algumas páginas (ou volumes) depois (algo que Gantz fazia muito conosco). Isso torna a história sempre inesperada e com riscos reais, sendo impossível julgar com antecedência as ações e o futuro de qualquer um. Tais mortes nunca são lamentadas com maior ênfase ou aprofundamento, apenas sofremos o choque e a história continua seguindo e nos apresentando novos sem perder o ritmo.

Também temos a trama de terroristas e trabalhos do submundo quase que o tempo inteiro (algo que Black Lagoon girava em torno), embora aqui seja muito mais ampla e envolvente, e com personagens incrivelmente mais ricos e complexos. "Vilões" capazes de ações extremamente desumanas e cruéis, ganham volumes inteiros para desenvolvimento e uma leve simpatia. Assim, nunca temos certeza de nada e sempre esperamos uma motivação maior por trás de cada um (e sempre somos recompensados). É uma montanha russa de emoções, de choques, de descobertas e afetos inesperados.  


















Também podendo ser comparado com Black Lagoon, a quantidade absurda de tiroteios, só que incrivelmente melhorados e tensos. E esse certamente é um dos conflitos mais difíceis de fazer em qualquer mídia (animes, filmes, livros), sendo um verdadeiro prazer encontrar algo tenso nesse sentido. Se em BL tínhamos personagens um de frente pro outro atirando e ninguém acertando, e era quase impossível ter a dimensão espacial do local da luta e da posição de todos, aqui não: temos a dimensão mais do que exata dos locais (mesmo sendo tão amplos!), gerando tensão justamente por sabermos onde cada um está indo, quais irão se encontrar, a expectativa de como será o embate, etc. Assim, quando os conflitos começam, Hiroki utiliza sabiamente objetos de cena, movimentos de personagens que soam plausíveis e, como já falado, um número incrivelmente grande de sacrifícios.


Como se já não bastasse, após nos presentear com algumas das cenas mais tensas no deserto com a organização Nomad (de todas do mangá, acho que essa primeira é minha favorita, com inúmeras reviravoltas), Hiroki resolve mostrar que é excelente com artes marciais e facas também. E - perdoem minha repetição – se em BL também havia personagens com kunais ao longo da guerra de armas de fogo, soando absurdo e impossível, aqui os personagens as usam em conjunto com as pistolas. Assim, o personagem Kenji parece um verdadeiro profissional, combinando golpes físicos, facas e fogo conforme a necessidade e oportunidade. Embora, sem soar apenas um super homem de quadrinhos fazendo coisas impossíveis como os da Lagoon Traders. Apenas... altamente treinado.

















Combinando uma arte fabulosa, com enquadramentos e câmeras em ambientes leves e agradáveis, porém recheados e fascinantes, com um roteiro de primeira. Como as já citadas referências a diversas questões mundiais e políticas entre nações, passando pelas mais “simples” como tratar da integridade e respeito das prostitutas, a ideologia por trás dos terroristas, e até mesmo a homossexualidade no exército. Confiando plenamente no leitor, as informações em momento algum vem mastigadas, precisando um esforço mínimo para nos situarmos nas organizações e lógica de suas ações. Por exemplo, o destino do casal Elia e Helena é incerto por um tempo após o salto de 4 anos na história, até que em um breve comentário nos situa no que aconteceu entre eles e pronto.

Falando em Elia, o garoto possui um arco realmente fascinante (como toda sua família em maior ou menor grau, diga-se de passagem). Seu início é apagado e calmo, ofuscado por inúmeros personagens secundários que ganham amplo espaço para desenvolvimento. Por alguns momentos acreditei que fosse impossível ele se recuperar. E como eu estava errado. Possuindo uma sombra de Rock (Black Lagoon, desculpa), o jovem garoto inseguro e sem maiores forças, se transforma completamente. Acompanhamos o descobrimento de sua sexualidade, sua determinação para com os empecilhos que surgem, exploramos sua frieza no longo encontro com a meio-cyborg que lhe conta uma extensa história sobre um dos vilões, sua primeira execução (e é incrível notar na execução de Pedro, como Elia matou todas as pessoas ao redor deste, para machucá-lo emocionalmente antes do golpe final), até se tornar um membro completo da organização de seu pai. Com treinamento físico e em armas, muito mais seguro de si, cheio de mulheres (e drogas) nas transas, repleto de assassinatos no currículo. Enfim, tudo se multiplicou embora ainda estejam lá traços da bondade infantil que vimos nos primeiros volumes, sendo um prazer imenso acompanhar essa evolução toda.






Em suma, Éden é uma obra completa e com pouquíssimos pontos negativos. Trazendo inúmeros atrativos no que diz respeito a mangá em si, todos feitos com maestria, de batalhas explosivas, e lutas físicas, e cenas de sexo, robôs e cyborgs poderosos, apocalipse, e muito, muito sangue. Aliás, isso é algo que fica cada vez mais intenso à medida que a história avança. Inúmeras cenas de pessoas decepadas, ossos, tripas e tudo que for possível desenhar, sempre dentro de um contexto envolvente. Nos transportando para dentro de sua trama e não abandonando por um segundo sequer, estamos sempre fascinados no roteiro e no visual do que aparece em quadro. Hiroki Endo certamente já criou sua obra mestre e pouquíssimas obras conseguem manter esse nível de qualidade hoje em dia.






(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)

@PedroSEkman

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