O novo anime da popular franquia, que estreou comemorando os 25 anos da série original.
Eu tenho a impressão que não se faz justiça a JOJO com
discussões e analises. É algo que não se coloca em palavras, mas se sente. À
medida que esse sentimento explode no peito, o corpo perde o controle e quando
se percebe, você já está surtando e gritando JOOOOOOOOOOOOOOOOOOJOOOOOOOOOOOOOOOOOOO
ou outro comportamento memetico dos personagens. Parece justo se você pensar
que a obra tecida por Hirohiko Araki foi um esponja absorvente, que além das
diversas influências da cultura pop ocidental, se espelhou no feeling do velho e clássico battle
shounen, que nas antigas ainda era
bastante concentrado no espirito “Nekketsu”, que é a característica do
protagonista ter o sangue ardendo, pegando fogo nas veias. Ardor, paixão,
entusiasmo, o que resultava em protagonistas/antagonistas esquentadinhos e
orgulhosos em obras orientadas pro publico masculino, e especialmente no battle
shounen em muito testosterona e músculos. E claro, os gritos passionais fazem
parte do processo.
Você pode perceber que em Kill la Kill, Kaiji, Jojo, entre
outros, os personagens ou o narrador tem um estilo de comunicação GRITADO durante
os momentos mais intensos, é como se você pudesse sentir gotículas de saliva se
agitando para fora da boca deles e resvalando na sua face. É uma atitude passional
que demonstra a emoção dramaticamente, algo comum na escola de atuação japonesa
clássica e absorvido naturalmente na sociedade (você nunca se perguntou porque só em animes tem personagens gritando “EEEEHHHHHH”
ou “AAAAAHHHHH” diante alguma surpresa antes de fechar a cena? É uma forma de
expressar emoção dramaticamente), especialmente em sua antiga geração, que
se identificava com esse espirito aguerrido. Animes e mangás sendo um meio onde
as emoções tendem a ser ampliadas para efeito dramático, fazem dessas
expressões onde se coloca todo o sentimento naquela exaltação, algo por vezes
caricatural. Mas eu acho bastante divertido quando vejo esses personagens
berrando e quase tendo uma parada cardíaca de tanta excitação, eu me sinto
ainda mais envolvida e com vontade de também colocar para fora aquela emoção. É
por isso que entoamos com tanta paixão palavras como JOOOOOOOOOOOOOOJOOOOOOOOOOO,
DIOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO, KAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAJIIIIIIII. Isso
significa que há uma boa conexão entre a obra e sua audiência.
O mangá original de JOJO é de 1987, época em que o battle
shounen atual começou a despontar, mas ele sempre pareceu ter um valor estilístico
singular ao mesmo tempo em que sua arte e narrativa emulava a escola de Hokuto
no Ken – ao menos, é a impressão que ficou em mim. Enquanto assistia o anime de
2012, em meu primeiro contanto com a obra, fiquei pensando qual teria sido a
intenção do autor na época. Digo isso porque JOJO me soa autoconsciente em seu exagerado
melodrama, expressões, nas ações afetadas dos personagens e na forma como
utiliza o tropo de battle shounen. A narrativa é empregada de modo satírico,
mas as tramas se desenrolam na forma mais clássica possível. Além do mais, a
violência, o melodrama que envolve a figura trágica do herói, a rivalidade
entre dois homens que extrapola todos os limites, o orgulho masculino, a mulher
sempre em segundo plano, o coração da donzela e enfim, a testosterona evaporando
pelos poros é uma das características marcantes da década de 80, elevado por ícones
do cinema MACHO americano. É bater o
olho e perceber que JOJO não apenas é uma obra oldshool, como também faz disso
o seu alicerce de sustentação. Parece refletir os gostos do seu criador,
abrangendo uma gama de influências fantástica.
E é ai que seu autor acerta ao estabelecer uma narrativa que
sabe tirar sarro de si mesmo e se divertir com isto, é a satirização que faz
com que a obra não soe datada e com uma narrativa leve. Afinal, as tramas que
compõe o cenário de JoJo's Bizarre Adventure são densas e pesadas, se
analisadas com frieza, mas na forma como o autor emprega sua narrativa, elas se
tornam over ao ponto de você não
encarar com tamanha seriedade, embora ele demonstre respeito por essas tramas e
seus personagens imprimindo urgência dramática em suas ações – é por isso que eu,
você e acredito que muitas pessoas, possam comprar os conflitos e motivações
dos personagens, pois há conexão! É dessa conexão que surge a fervura no sangue
e a dificuldade de se assistir a série passivamente. E bem, eu gosto muito de
como o autor sabe tirar proveito desse elemento cômico. Falo disso mais
adiante.
Adaptado do cultuado mangá serializado na Weekly Shonen Jump
de 1987 a 2004 (passando então para uma
revista mensal, de onde já passa de 100 volumes), JoJo's Bizarre Adventure narra
a história da família Joestar em suas aventuras
bizarras que atravessam várias gerações, com uma diversidade enorme de
ambientes, que podem saltar de uma Inglaterra vitoriana à um Estados Unidos no período
da Segunda Guerra Mundial, atravessando países e muitas gerações em poucos
arcos. Cada arco abrange uma geração da família Joestar, o que faz a história
se sentir sempre revigorada e diversificada. É interessante, essa formula é uma
gama de possibilidades para seu autor, como por exemplo, ele pode encerrar a
saga da família Joestar num futuro tecnológico, contrastando com o primeiro
arco que se passa em 1880!
O primeiro arco de JOJO, denominado Phantom Blood, ao
contrário da opinião de muitos, para mim foi o melhor, o que mais gostei. A
trama que estabelece o conflito que irá envolver diversão gerações e muitos
protagonistas e personagens é a que possui os conflitos mais palpáveis. Também,
dessa primeira temporada, é a que possui a dupla mais carismática e com melhor
desenvoltura. Jojo (Kazuyuki Okitsu)
e Dio (Takehito Koyasu) estabelecem
uma dualidade antológica, propiciada pela excelente química entre os dois
personagens, que incendiavam a tela toda vez que o ecrã capturava a imagem dos
dois. Jojo e sua ingenuidade angustiante é um bom mocinho, bom até demais, no
entanto, ele supera suas fraquezas e aprende através da dor e das traições a
ficar cada vez mais forte e esperto; mas o charmoso e manipulador Dio Brando
com suas poses extravagantes e sotaques afetados, roupas estilosas e torneadas
no seu corpo virial bem definido é o que me fazia ovular e sentir um fogo
queimando de baixo pra cima. E eu sei que não estou sozinha nessa, não só as
mulheres, mas vários machos por ai também sentiram o mesmo, eu sei que heterossexualidade
não existe quando Dio está bem na sua frente. O cara era um mal caráter,
canalha, mas todos se deixaram cair na sua lábia.
Isso só foi possível porque Jojo foi o extremo oposto – e não
que ele fosse um personagem ruim, afinal, suponho que a maioria torcia por Jojo
assim como eu – e por eles se completarem, é como se fosse um yin e yang. O drama trágico de Jojo foi,
de certo modo, comovente e digno de todo afeto, e Dio, por mais caricatural que
fosse é uma vilão que tem camadas humanas, e, portanto passível de compreensão.
É por essa boa construção de conflitos que o episódio final da primeira parte desse
arco é emblemático e com uma atmosfera inebriante, com direito a Jojo e Dio
andando sobre as paredes e teto de uma mansão em chamas, travando um duelo
sangrento, sambando na cara da lei da
física. Compreensível toda a fúria de Jojo, já que Dio é um vilão inescrupuloso
e deliciosamente sádico. O cara foi capaz das piores barbaridades possíveis,
como... Como... tirar a virgindade da boca do interesse romântico de Jojo!
HAHAHAHAAHA
É desse nível de alopração que falo, o autor cria esse tipo
de situação, em que um simples beijo se transforma num conflito melodramático que
irá separar por anos o herói da mocinha. Mas até isso é bem pensado, porque se
trata de uma época em que essas eram tradições e tabus culturais que poderiam
denegrir para sempre o futuro de uma mulher, que deveria se manter donzela em
todos os sentidos para o seu prometido. O autor aproveita essa multidiversidade
cravada em cada período histórico em que a história se passar para tirar o
melhor proveito possível de determinadas características da época. No segundo
arco, Battle Tendency, por exemplo, há um exercito nazista estereotipados,
boçais e incompetentes, embora se achem superiores. O autor dá um jeito de zoar
com todos, chegando ao ponto de transformar um deles em uma ciborgue (acreditem, estou dando gargalhadas nesse
momento) que só aparece para ser estraçalhado!
Battle Tendency é o ponto fraco de JOJO 2012 (embora muitos irão discordar de mim,
afinal, é o arco com maior porradaria
e ação), com menos equilíbrio e alternando mais entre bons e péssimos
episódios, ótimos momentos e momentos medíocres. O motivo? Apesar de ser um
arco que expande o mundo, traz novos personagens e entrelaça diversas tramas do
presente e do passado, Battle Tendency é extremamente repetitivo, com tramas
espichadas desnecessariamente. Joseph Joestar (Tomokazu Sugita), a principio, é um bom personagem e o completo
oposto de Jojo. O que teoricamente é ótimo, e além do mais é um personagem com
a fraqueza e o bom coração de Jojo, mas com o carisma e a malandragem de Dio,
ingredientes bem vindos numa sociedade que é diferente da anterior e traz
consigo os problemas que são muito mais comuns na sociedade moderna, como quadros
familiares alterados/quebrados. Esta que
é uma dádiva dos tempos modernos que o autor captura perfeitamente (dica: A Relação Entre Pais & Filhos nos Animes).
Porém, Joseph não tem bons rivais, e quando os encontra,
eles são bons demais... Mas tão bons e tão superiores, que para Joseph vencer
se faz necessárias diversas trucagens, e se a principio a malandragem e
esperteza do personagem faz a diferença e suas vantagens soam naturais, com o
passar do tempo as situações que envolvem ele contra deuses (isso mesmo, deuses!) vão se tornando
cada vez mais implausíveis dentro do contexto estabelecido. O roteiro se vê na
necessidade de diminuir gradativamente, mas de modo perceptível, a diferença
entre eles, o que francamente foi absurdo e nem mesmo a desculpa satírica consegue
salvar esse desenrolar. Em nenhum momento se nota plausivelmente o crescimento
do poder de Joseph, é o inverso, são os deuses que parecem diminuir
inexplicavelmente.
Claro, não entro no mérito das cenas de batalha serem ou não
empolgantes, porque a grande maioria são de tirar o fôlego. Há diversos
momentos singelos como a amizade de Joseph com Caesar Zeppeli (Takuya Sato), algo que começa com uma
intricada rivalidade e vai se tornando uma densa amizade de aflorar a pele,
algo bem típico do battle shounen. Também é típico a honra entre rivais, e Joseph
encontra alguns pelo caminho que tornam o seu desfecho algo um tanto quanto
emocionante, por mais estranho que possa parecer, se tratando de JOJO. A
própria luta que antecede o final, entre Joseph e um deus é de um desfecho
alucinante de corroer o coração e fazer com que torcemos ainda mais por ele na
luta final. O primeiro deus místico tem suas fraquezas bem exploradas, enquanto
os outros são descritos como um poder colossal em que o simples vento poderia
cortar um ser humano, só lutavam à noite, e teoricamente invencíveis, um duelo
justo com tais seres é algo que um cara inexperiente como Joseph não
conseguiria sair em vão, sem auxilio, mas acaba que todo os personagem são mais
como escadas e é ele quem resolve tudo que precise/possa ser resolvido no braço.
Diferente do duelo entre Jojo e Dio, em que mesmo quando
este ganha poderes sobrenaturais, é ainda humanamente alcançável e com emoções
humanas capazes de o trair. Enfim, poderia ainda somar na lista negativa de Battle
Tendency a forma humilhante como um personagem do nível de Lisa Lisa (Atsuko Tanaka) é retratada pelo
roteiro. Não bastando sua derrota vexatória e sua subutilização [a despeito de
toda pompa que a narrativa faz questão de propiciar a ela], a personagem ainda
é humilhada e fragilizada ao se ver nua e indefesa, tendo que contar com o
auxilio de dois marmanjos. Por um lado é compreensível que mulheres não tenham
destaque ou mesmo voz ativa na narrativa, seja por questão de contexto
histórico ou por questões editoriais e demográficas que limam de personagens
femininas sua individualidade, porém, a escrita para a personagem de Lisa Lisa
não faz o menor sentido. O autor a descreve poderosa e enaltece suas
qualidades, mas quando é necessário colocar isso em prática, ignora o que fora
dito anteriormente, a tratando como uma incompetente e patética mestre, porque é
assim que Lisa Lisa é desenvolvida. Que me desculpem os fãs, mas ela só tem pose, no fundo, não difere
nada de uma Saori Kido (Cavaleiros dos Zodíacos)
ou Asuna (Sword Art Online). Por
mais que tenha justificativas editorais ou demográficas, narrativamente é
contraditório e pobre. E é só uma das muitas crises de Battle Tendency, que
ignora o que lhe convém.
Bom, não deixei muito espaço para comentar a parte técnica,
mas todo mundo que assistiu sabe, e quem ainda não viu, eu digo que foi uma
adaptação feita com paixão por uma staff fã do mangá original, como comenta o
diretor nessa entrevista. É perceptível o esmero desde a escolha da arte
visual à trilha sonora. Segundo o diretor Naokatsu Tsuda, ele consultou
diretamente o autor original Hirohiko Araki, perguntando-o que tipo de musica
ouvia na época que elaborou os primeiros rascunhos do mangá, no qual este fez
uma lista e entre ela, estava Roundabout, da banda Yes – essa música, que é um
dos clássicos do rock, se alinhou tão perfeitamente à atmosfera de cada
encerramento, que até parece ter sido composta especialmente para o anime que
estrearia 41 anos depois: eles ainda fizeram várias versões, ora utilizando
apenas o instrumental, ora alterando os tempos da nota, que por vezes ressoava melancólica,
outras vezes enérgica.
Para a abertura, como tinham muito pouco tempo, mas queriam algo diferenciado, a fizeram em 3DCG utilizando um programinha gratuito chamado
LightWave 3D, e apesar do tempo escasso, fizeram um excelente trabalho de
composição, aplicado algumas camadas desenhadas em 2D e emulando a estética de
uma revista em quadrinhos. Aliás, este é um dos aspectos que mais amo o anime
de JOJO: sua composição visual. As onomatopeias, que são utilizadas no
audiovisual para dar peso dramático e gravidade, as texturas típicas de animes
oldschool que casaram muito bem a narrativa da série. Animes com baixa animação
tendem a usar muitos recursos estilísticos para compensar os poucos frames,
alguns chegam a se parecer com um “mangá tv”, é o caso de Kill la Kill, por
exemplo, apelando para estética de quadros bem desenhados e estáticos/ as vezes
tremidos. No caso de JOJO, a experiência realmente soa com uma paginação de
quadrinhos, o que achei muito bonito. O que Naokatsu Tsuda fez foi um trabalho
que vai além da simples adaptação de seguir quadro a quadro do mangá, ele
buscou traduzir a série para uma nova mídia, lendo e buscando referências, ao
invés de simplesmente replicar o que o autor fez. Isso certamente fez uma boa
diferença no que se vê em cena.
Nota: 08/10
Direção Geral: Kenichi Suzuki
Direção: Naokatsu Tsuda
Roteiro: Yasuko Kobayashi
Episódios: 26
Tipo: TV
Perfis: MAL, ANN
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