quinta-feira, 13 de março de 2014

Dallos (1983): O Primeiro OVA

O velho sonho do homem de explorar o espaço.
Como se Originou

Quando se questiona sobre qual foi a melhor década para os animes, chega-se a conclusão que cada uma tem a sua própria característica marcante e que representa um ponto de viragem para a indústria. Foi assim nos anos de 1960, 70, 80, 90, 2000; mas sem dúvidas os anos 80 são a década de ouro para os animes. Antes do seu colapso econômico nos anos 90, o Japão gozava bons momentos no inicio da década de 80, e isto influenciou bastante a indústria do entretenimento. Enquanto as colegiais revolucionavam ao seu o quadro sócio-político (dica: KILL la KILL - O Poder do Uniforme Escolar), a indústria de animes também vivia o seu boom, agora com um grande fandom formado principalmente por franquias como Gundam e Space BattlershipYamato, impulsionando o mercado, que viu na necessidade dos fãs por conteúdo, uma fonte de lucro. Foi quando surgiu uma grande variedade de animes, e também cresceu em quantidade. Os aparelhos de VHS estavam em alta, e enquanto Osamu Tezuka reinou nos anteriores com seus animes experimentais, via-se a partir de então a necessidade de alçar voos maiores, o surgimento de animes produzidos especialmente para esse formato, era então apenas uma questão de tempo. 
Segundo a Wiki japa, o projeto de Dallos surgiu originalmente em 82 com a Bandai querendo produzir uma série de tv que propiciasse a venda de cacarecos. Com o estúdio Pierrot incumbido da missão, o jovem Mamoru Oshii, até então associado ao estúdio, se juntou ao seu mentor Hisayuki Toriumi no processo de trazer Dallos à vida. Porém, a Bandai teria se mostrado cética quanto à rentabilidade de uma história como a de Dallos, e para diminuir os custos que a compra de slots televisivos representariam, optou pelo lançamento em VHS. A Bandai criava então um inédito formato chamado OVA, que a colocava na dianteira da concorrência.

Vale salientar que anteriormente se lançavam animes em formato VSH, mas nunca produzidos especialmente para o formato. Dallos, tendo seu primeiro volume (de quatro) lançado oficialmente em 83, foi um fracasso em vendas (com custos de produção beirando 1 milhão de dólares e arrecadação média de apenas 20 mil dos quatro volumes). Bom, o pioneirismo nem sempre é coroado com glórias. Mesmo o lendário Astro Boy, fora criticado e vitima de preconceito pela grande parte dos animadores na época que se recusaram a trabalhar no anime, devido à sua limitação de animação – isso antes de virar lenda e fazer história, com a poderosa Toei aderindo ao novo padrão televisivo para animes.

DALLOS: 1983/84

A história original é de Hisayuki Toriumi, inspirada no romance de Robert A. Heinlein; The Moon is a Harsh Mistress, de 1966. O romance, que traz a história de uma guerra de independência de uma colônia penal localizada na lua, nos anos 2075 e 2076, é tido como um dos primeiros ao estilo cyberpunk. Mas isso não importa aqui, e sim Dallos, que foi dirigido por Mamoru Oshii, que também escreveu os roteiros ao lado de Hisayuki Toriumi. A história de Dallos é muito simples:

Num futuro não tão distante, a humanidade entrou em crise quando viu seus recursos naturais esgotados, foi quando surgiu a ideia de enviar seres humanos para a Lua, escavando recursos minerais e enviando-os para a terra, para que esta pudesse se reequilibrar. Essas pessoas passaram a ser escravizadas na Lua, numa nova sociedade que se transformara em um regime totalitarista. Dallos é o nome de uma estrutura tecnológica antiga encontrada por colonos da Lua, que passam então a adorá-lo como um deus, formando um culto em torno de sua possível mitologia. Gerações se passam, a Lua se transforma num mundo tecnologicamente desenvolvido, no entanto, as pessoas ainda continuam sendo oprimidas, regidas por um retaliativo regime militar. Os nativos da Lua, chamados de lunares (ou seja, aqueles que nasceram em solo lunar) entram em guerra com os chamados terrestres. Os atos de terrorismo de lunares contra o Governo Federal da Terra se agravam quando eles sequestram Melinda Hearst (Yoshiko Sakakibara), noiva do comandante Alex Riger (Shuuichi Ikeda), que em troca de sua liberdade, pedem a independência da população lunar. 
Dois dos aspectos mais atraentes de Dallos é ambiguidade de seus personagens e o complexo sistema sócio-político lunar. A camada politica é bem extensiva, e infelizmente, Dallos sofre com um ritmo apressado pela necessidade de entregar uma história no prazo de quatro episódios de 30 minutos. E são tantas personagens e tantas tramas que são reduzidas a diálogos expositivos, além de cortes abruptos na narrativa sequencial, que no fim só pude lamentar pelo resultado final aquém da ambição do projeto.

A estrutura do mundo de Dallos é fascinante em sua infraestrutura. A começar pelo design do cenário futurista que vai desde a cidade que abriga os colonos lunares que vivem em regime de semiescravidão (de certa forma, uma evolução com relação aos primeiros habitantes), a MONOPOLIS; que mais se assemelha a um conglomerado de favelas em um distrito claramente reservado àqueles de posição social inferior – à grande metrópole onde vivem os lideres políticos e os cidadãos de classe elevada. Não são necessárias palavras, a imagem demonstra o contraste social que existe ali. A tecnologia é o aspecto mais chamativo da metrópole, enquanto no bairro dos operários os únicos de indícios de tecnologia, são as defasadas. O experiente diretor de arte Mitsuki Nakamura (Dirty Pair, Mobile Suit Gundam, Megazone 23) fez um ótimo trabalho aqui, provavelmente inspirado em clássicos do cinema de ficção cientifica.

A tecnologia de Dallos é outra coisa que chama bastante atenção pelo trabalho de imaginação do mecha design. Claro, soa um pouco datado atualmente e bastante pseudocientífico ver mechas com pernas tão esguias que desafiam as leis da física, mas componentes como os cachorros atrelados a apetrechos de tecnologia futurística que os transformam em cães-cyborgs é algo que ainda hoje tem seu charme. Aliás, a narrativa não respeita princípios da lei da física, como o fato de não haver gravidade na lua. Problema? Nenhum. No contexto da série, a ausência desses elementos é fundamental para se estabelecer a ação física dos personagens. 
A animação não é grande, mas há bons momentos de ação com ótimos desenhos de storyboard. Vi Oshii se gabando em alguma entrevista que não me lembro qual é, que ele realmente era bom em sequências de ação. Aqui podemos ter um vislumbre do que veríamos em muitos animes seus posteriores. Igualmente regular é o character design (que apresenta muitas caracteristicas dos anos 70) e a trilha sonora.

O protagonista é Shun Nonomura (Hideki Sasaki), que sob as asas de Doug McCoy (Tesshô Genda); o líder dos rebeldes resistentes – acaba se apaixonando por Melinda, que de certa forma demonstra interesse nele, estabelecendo uma espécie de triangulo amoroso não declarado com Alex. Não é algo que chegue a ser desenvolvido, assim como a potencial rivalidade entre Alex e Shun, que não possui força dramática alguma. Alex é de longe o personagem mais multifacetado de Dallos, embora acompanhar seu desenvolvimento possa não ser uma tarefa fácil, uma vez que os conflitos psicológicos do personagem carecem de maior naturalidade e melhor timing. Da faceta de líder ambicioso e abnegado a um resignado mártir politico, são mudanças que quando ocorrem nele sempre soam abruptas. De qualquer forma, é um personagem fantástico em sua capacidade de planejamento e postura cênica, com aquele ar excêntrico que salta às vistas. Shun por outro lado, passa a maior parte da história apagado, indeciso e sendo eclipsado ora por Doug McCoy ora pelo próprio Alex.

Mas é compreensível, enquanto Alex e MacCoy são a força propulsora do enredo, Shun é o típico personagem que se mantém intocável em sua inocência, indeciso sobre que rumo tomar. As tramas que poderiam lhe dar força dramática dentro da história, são reduzidas ao extremo e o personagem passa a maior parte do tempo apagado, só voltando à tona no ultimo volume, em sequência emblemática onde ele passeia por um cemitério com corpos dos primeiros colonizadores da lua vitimas da tecnologia, ao lado de seu avô. Nessa sequência ele enfim decide que rumo tomar de sua vida, frente à ambiguidade daquele conflito que já perdura gerações. 
Enfim, só comentei aqui os personagens mais centrais, mas todos carecem de melhor desenvolvimento em suas inter-relações e conflitos, para que suas motivações possam ter alguma força na tela, porque o conceito é ótimo. Aliás, gosto muito de como a maioria dos personagens são adultos acima dos 21 anos, com exceção de Shun e sua amiga apaixonada Rachel (Rumiko Ukai), com 17 e 16 respectivamente. Como de costume nas obras de Oshii, Dallos não apresenta um desfecho conclusivo e tampouco deveria. O culto em torno da entidade misteriosa de Dallos é outro elemento característico de Oshii acerca de religiosidade. Nesta obra, acredito que ele desempenhe uma alegoria da ingenuidade dos colonos lunares veteranos acerca da prestação de serviços à sua mãe terra. Também representa a natureza ambígua da série, pois quando Dallos [os restos de um ser mecânico altamente desenvolvido] ressurge de seu sono, não acepção de vitimas, a despeito das esperanças depositadas nele, representando a tecnologia destrutiva fugindo do controle do homem.

E o Que Veio Depois

Dallos pode ter sido um desastre em termos de venda e consequentemente, nada popular, mas este não foi o fim dos OVAs – ainda. O pioneirismo é de Dallos, mas foi Megazone 23 de 1985 – que também fora planejada originalmente com uma série de tv, mas perdera os patrocinadores no meio de caminho e foi remodelada para o formato OVA –  que foi um sucesso e a primeira série de OVA rentável.

O motivo dos OVAs terem se tornado febre durante os anos 80 está na liberdade e facilidade em torno deste formato. Estavam livres das censuras da tv, com mais liberdade criativa e distante das exigências comerciais dessa mídia. Muitos aderiram, é verdade, mas a grande maioria eram produções de baixo custo e logo se tornou comum variadas adaptações. Podemos assumir que projetos originais eram mais ambiciosos e apresentavam mais riscos.

É um interessante contraste com a ideia que originou os OVAs [Original Video Animation], de animes originais produzidos para o formato, com a indústria apontando como um produto destinado para o varejo, sem antes ter sido vinculado à tv ou cinema. A crise econômica que se prenunciava tem seu papel importante nessa reviravolta, mas não apenas isso. Um OVA pode ser uma série, como Legend of the Galactic Heroes; a mais longa série em OVAs (que a proposito, era uma adaptação), um episódio, um longa-metragem. Os anos 90 representaram a morte lenta dessa febre dos OVAs. Isso era inevitável, com o aumento e popularidade das tv’s a cabo [a partir de então já não havia mais porque temer censura], a estreia de slots de animes na madrugada, a diminuição gradativa no numero de episódios de animes [com o cour de 12/13 episódios se popularizando], se tornado um modelo mais econômico e de menor risco. No final dos anos 90 e nos 2000, o OVA ganharia nova vertente e um novo capítulo em sua crônica, bem diferente do que fora idealizado inicialmente. Assim sendo, os anos 90 tem um papel importante em como a indústria de animes é atualmente.

Em tempo: muitos consideram Midori Neko (The Green Cat, já comentado aqui), como o primeiro OVA, embora não seja reconhecido oficialmente. 

Nota: 06/10
Direção: Mamoru Oshii
Roteiro: Mamoru Oshii, Hisayuki Toriumi
Estúdio: Pierrot
Episódios: 04
Tipo: OVA



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