Falar de Steins;Gate sem surtos, isso é possível? (ALERTA DE SPOILERS A SEGUIR!)
Steins;Gate Fuka Ryoiki no Déjà vu (Domínio Sobrecarregado de Déjá vu) é um filme romântico, um puro
fanservice para os fãs do anime e principalmente do casal Kurisu (Asami Imai) e Okabe (Mamoru Miyano), e com isto relega em
segundo plano as questões cientificas e suas implicações. O novo capítulo é um
argumento criado por Chiyomaru Shikura (o
mesmo responsável pelo conceito original de Robotics;Notes) da 5pb.,
especialmente para o longa metragem e com o roteiro de Jukki Hanada, principal roteirista
da série de tv. Faz parte do fanservice também a inclusão de algumas cenas do
game original que ficaram de fora da adaptação para tv anime, como a Nae versão
yandere (na verdade, ignorada, porque supõe-se
que Okarin chegou a viver todas essas versões).
Mesmo centrando-se na figura de um casal tão genuinamente carismático
e explosivo como Okarin e Kurisu-tina, a força de Steins;Gate vem em
consequência da inter-relação que o protagonista mantêm com os outros
personagens e sua dramática tentativa de tentar salvá-los dos eventos que se sucedem.
É isto que gera a empatia em primeira instância, ao vê-lo gradativamente perdendo
o controle e a racionalidade. É então que a Kurisu se torna uma personagem de
extrema importância nessa equação, embora nunca seja uma personagem possamos “ouvir
seus pensamentos” na série, mantendo uma certa distância, isto não afeta o
enredo; que além da química, é vista pelas lentes de narrador do Okarin. A
narrativa cientifica da série é super simples e acessível, mas sem furos. No anime,
é usada principalmente como catalizador para os conflitos dos personagens que
se entrelaçam à Okarin: em suma, ele é sempre arrastado por conflitos dos
outros, que por serem importante em sua vida, o toma como algo seu. Todas essas
engrenagens foram essenciais para fazer o chão otaku estremecer em 2011, ano em
que o anime foi ao ar e surpreendeu a todos com ótimas vendas em uma produção
mediana.
Já em Fuka Ryoiki no Déjà vu, como não poderia deixar de
ser, a ficção cientifica continua desempenhando papel de catalizador, no
entanto ignoram-se diversas implicações obvias nas ações da Kurisu para se
abraçar o melodrama romântico. Em determinado momento, Suzuha (Yukari Tamura) dá um tapa na face de
Kurisu, que se recusa a voltar no tempo para salvar Okarin, e lhe passa um sermão
de que no futuro ela construirá diversas vezes uma máquina do tempo para
salvá-lo, mas sempre desistirá no meio do caminho. Foi tão melodramático e
centrado numa ideologia romântica que ignora todo o contexto politico da série,
que por um momento eu torci para que a Suzuha fosse uma espiã da SERN nessa
linha do tempo, manipulando a tsundere-chan.
Nesse epilogo, a história se passa em agosto de 2011, 1 ano
após os eventos da série de tv, em que Okarin enfim descobriu a linha
Steins;Gate, a única que possibilitava conciliar a sobrevivência de Mayuri (Kana Hanazawa) e Kurisu, e salvar o mundo do totalitarismo da SERN. Para que isso
fosse possível, as viagens no tempo nesta word
line não deveriam existir. Aqui não temos D-mail, e como o Okarin salva
Kurisu, a máquina de viagem no tempo não é inventada, John Titor (a nossa amada guerrilheira Suzuha) não
existe, e como tal, como é um futuro de paz, Suzuha não precisará se tornar uma
guerrilheira compondo as forças de resistência à SERN. Porém, Okarin começa a sentir
os efeitos de suas constantes viagens no tempo em outras linhas temporais: seu Reading
Steiner acumula lembranças demais e gera um paradoxo, fazendo com que sua
existência seja apagada da Stens;Gate. No futuro, Kurusi seria incapaz de se
esquecer de Okarin, ainda que as lembranças de sua existência fosse sempre
vaga, fazendo com que construa uma máquina do tempo, que Suzuha usa para viajar
no tempo e fazer contato com ela.
Muito se discute sobre a importância de epílogos numa obra.
Geralmente é um recurso narrativo utilizado para estender um cenário, mostrando
ali algum elemento que tenha um significado mais para o fã do que para a obra
em si. Às vezes são histórias que não cabem no contexto da linha linear da obra,
mas que os fãs gostariam de ver. Por vezes se assemelha a uma licença poética.
Por exemplo: uma trama onde não há espaço para o aprofundamento em relações românticas
ou algo do tipo pós-acontecimentos definitivos da história linear, porque o
autor acha que tiraria muito do timing do encerramento. É quando o epílogo se
torna mais conveniente. Como um extra no DVD/BD, etc. É o que acontece com o
mais novo filme da franquia Kara no Kyoukai, retratando eventos após os
ocorridos finais.
Como epílogo, Steins;Gate Fuka Ryoiki no Déjà vu é
promissor, traz um conceito que a principio não contradiz a série anterior: Déjà
vu. É um tema que sempre me despertou fascínio. Não foram uma, duas, ou três
vezes, mas muitos momentos em que eu pude prever claramente o que aconteceria a
seguir ou ficar com a inquietante sensação de já ter vivido aquele momento. Quando
eu assisti ao filme Déjà Vu, estrelado por Denzel Washington, foi quando
enlouqueci de vez e comecei a duvidar seriamente de que não havia várias
versões minhas por ai. Como deixei subtendido, Déjà vu é a impressão de já ter
visto ou experimentado algo exatamente igual anteriormente. A Ciência tem uma
explicação plausível para o fenômeno, o que não impede que isto dê asas às
nossas fantasias e possa ser usada como pseudociência em obras de
entretenimento. Muitos devem pensar que
o Reading Steiner é uma habilidade especial exclusiva de Okarin, quando na
verdade, no universo da série todos são dotados de Reading Steiner, que na
explicação de Kurisu, nada mais é do que o Déjà vu. Porém, é algo que tende a
ficar adormecido na pessoa, vindo à tona através de lapsos e sensações indistinguíveis
do qual já se vivenciou. O motivo para Okarin se recordar de tudo que vivera é
simples e coerente: ele é o único que atravessou todas as linhas temporais. A
Kurisu da Steins;Gate, embora seja a mesma de uma linha do tempo anterior, não
compartilha as exatas memórias da outra, afinal, ela não vivenciou aquilo (o Reading Steiner é uma puta ferramenta de
roteiro, mas coeso no contexto que é usado).
Mas a despeito da boa premissa, esbarra na falta de tempo (o filme tem uma hora e meia) para se
desenvolver, ou simplesmente faltou ambição, afinal, é só um projetinho para um
produto derivado, não é? Partindo do pensamento de que com fanservice os fãs
não irão se queixar (e pelos números de
arrecadação, a resposta foi positiva. Segundo o ANN, a Famitsu teria informado um
montante de $5,600,000 USD até o momento da publicação - isto porque estamos falando de um filme que em termos de produção está mais para um episódio de anime espichado, ainda que com um melhor acetato do que a série teve). Entre tudo isso,
o maior equívoco do filme foi: a partir do momento que a máquina do tempo foi
inventada e a existência de Suzuha como viajante do tempo se tornou factual, a
SERN deveria ter interceptado essa ação, afinal, se ela o fizera em todas as
outras linhas, porque seria diferente dessa vez? A única coisa que tornou
possível que a SERN não intervisse no futuro da linha Steins;Gate, foi Okarin
ter sabotado a ideia de viagem no tempo.
É uma implicação que o roteiro faz questão de ignorar
completamente. E é uma pena, porque é o senso de perigo real do qual a
narrativa necessitava. Okarin é um personagem simpático e carismático, mas sua
força como narrador vem do seu background e das implicações que suas escolhas
lhe traziam, enquanto Kurisu é reduzida a uma personagem que apenas não consegue
esquecer uma vaga memória de um grande
amor. Cadê a cientista brilhante e lógica, a Suzuha consciente dos riscos de se
alterar o passado? O próprio perigo eminente que é alterar qualquer elemento do
passado! Todos esses traços de personalidade que são marcantes na série
original sofre convenientemente um dislexo nessa sequência. As ações das
personagens, pelo ponto de vista do roteiro, não significam nada para o mundo
da série; e mesmo quando na segunda tentativa de se conectar ao passado, Kurisu
acaba influenciando na morte de Okarin, o ocorrido acaba não ganhado nenhuma
relevância real para a narrativa. Como gosto dos personagens, é algo que me deu
nó na garganta quando vi, por mais que ao fundo acontecessem coisas que me
agradecem, como fã. Aliás, a própria performance de Asami Imai e Mamoru Miyano,
novamente arrancam suspiros.
Mas justiça seja feita, o senso de linearidade como
sequência dos eventos da série anterior, e as sequências de eventos que se
conectam entre si é algo que ainda consegue me fascinar. Tramas de viagens no
tempo envolvem um intricado sentido de conexão paradoxal, um universo onde as
coincidências não existem e tudo tem o seu por que. Okarin é um atrator, uma
singularidade no roteiro, é através dele que todas as tramas se conectam e
consequentemente, os personagens se conhecem.
Muitas turmas de amigos possuem essa figura centralizadora, responsável pela
união e manutenção do grupo. O simples fato de estar lá é motivo suficiente
para atrair os demais. Okarin é fundamental para que Mayuri supere seu trauma.
Sem ele, Mayuri e Daru nunca deverão se encontrar e/ou serem amigos. Sem
Okarin, Kurisu morre, seu pai rouba a ideia da máquina do tempo, o mundo entra
em guerra, entre outras implicações envolvendo outros personagens.
No entanto, o roteiro tem o cuidado de estabelecer o desaparecimento
de Okarin como algo que ocorre após todos esses eventos, e então, ele apenas
vai desaparecendo gradualmente da mente de todos. Notamos isso ao vermos que os
personagens possuem vagas sensações de estar faltando alguém no grupo, como por
exemplo, a Mayuri continuar comprado Dr. Pepper sendo que ninguém ali bebe
deste refrigerante: é o que chamamos de memórias do corpo (acontece quando a mente apaga, mas o corpo ainda se recorda, repetindo
certas ações da qual não compreendemos). Ou quando os personagens têm a
vaga lembrança de já terem vivido algo similar, mas de modo diferente. Ou do
fato de ter sido Kurisu a responsável pela criação do Hououin Kyouma, que
representa toda a ideologia alegórica de Okarin (graças a esse personagem, ele salva Mayuri pela primeira vez e também
se torna uma fonte de escapismo para ele próprio), além de ter sido ela a
garota com quem ele teve seu primeiro beijo, se conectado com algo que ele
havia dito na série anterior.
É um baita fanservice, porque sempre me foi evidente que o
Okarin estava blefando que não era mais virgem de boca, mas se tudo se encaixa,
não tenho porque me queixar, pelo contrário, é uma das minhas quatro sequências preferidas do filme (as outras trêss são: Kurisu bebada, a declaração seguida de beijo e o abraço de Okarin em Mayuri). Uma pena que sejam breves sinapses
e não dê pra dizer isso sobre a narrativa como um todo, que deixa
incongruências que não podem ser ignoradas. Aliás, Okarin não deveria manter
lembranças de algo que não vivenciou ainda, ao ter consciência de que iria
desaparecer, na primeira volta no tempo de Kurisu. O filme usa muito desses
elementos contraditórios para criar efeito narrativo e termina como algo a ser
ignorado, para o bem da série original.
Nota: 06/10
Direção Geral: Hiroshi Hamasaki, Takuya Sato
Direção: Kanji Wakabayashi
Roteiro: Jukki Hanada
Estúdio: WHITE FOX
Leitura Recomendada:
-Steins;Gate e a teoria do paradoxo (blog El Psy Congroo)
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