terça-feira, 4 de março de 2014

Twilight Q (1987): Fantasia Versus Realidade

A linha entre realidade e fantasia as vezes se tornam muito finas, quase indistinguíveis, um encontro entre dois universos distintos.
Dois episódios distintos, mas apresentando o mesmo tema. No final do post, algumas respostas aos mistérios de cada trama apresentada.

Twilight Q - Episode 1 - A Knot in Time - Reflection

Dirigido por Tomomi Mochizuki (Maison Ikkoku: Kanketsuhen, Twin Spica, Pupa) e idealizado e roteirizado por Kazunori Ito (do primeiro filme de Ghost in the Shell e Patlabor séries), esse primeiro episódio de Twilight Q traz a história de uma garota chamada Mayumi (Mako Hyodo), que durantes as férias numa praia, ao lado de sua amiga Kiwako (MiinaTominaga), acaba se deparando com uma câmera perdida no fundo do oceano em um de seus mergulhos. Mayumi fica aficionada com a possível história por trás daquela câmera fotográfica, e ao ir revelar o filme que esta trazia dentro de si, se surpreende ao ver uma foto sua abraçada a um homem que ela não se lembra quem é. As coisas vão ficando ainda mais estranhas quando ao investigar, ela descobre que a câmera é um modelo que ainda não foi lançado. A partir de então, Mayumi começa a saltar no tempo, como um pêndulo de um relógio, para frente e para trás, sendo expectadora da sua própria morte e de eventos históricos estudados na escola.

 
Ai você acha uma foto sua com um homem que não se lembra quem é e pensa: "vishe, acho que não deveria ter bebido tanto daquela vez".
A Knot in Time – Reflection é visualmente lindo, detalhadamente colorido e com uma paleta de cores fortes, os planos externos é favorecido por um clima ensolarado, que dá um aspecto tropical à animação e destaca sua colorização. Com a mesma equipe criativa de Kimagure Orange Road, anime que também teve o envolvimento de Tomomi Mochizuki, não é surpreende notar as semelhanças pelas cores e character design. É a cara dos anos 80, e se por um lado é agradável aos olhos, por outro esse episódio acaba por se tornar facilmente esquecível por seu padrão visual genérico, sem nenhuma característica artística que lhe dê alguma singularidade. Ainda assim, entre as duas histórias de Twilight Q, é a com mais possibilidades de agradar ao publico convencional, com sua trama repleta de mistérios, reviravoltas, animação fluida, e uma pitada de romance.

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Twilight Q - Episode 2 - Mystery Case - File 538

Abre com a sequência surrealista de um avião se transformando, peça por peça, num peixe, e desde então, não para mais de surpreender...
Este é o episódio mais chamativo e cultuado de Twilight Q, em parte por levar a assinatura de Mamoru Oshii (e o motivo de este OVA não ter caído totalmente no esquecimento, embora ainda permaneça sendo um trabalho bem obscuro), afinal, para os fãs de animações japonesas, seu nome sempre chama a atenção. E o próprio conteúdo de Mystery Case é algo que foge bastante do convencional, se mostrando um trabalho experimental pouco acessível, o que certamente agrada bem mais aos fãs ardorosos de Ficção Cientifica, por seu teor mais denso.

Mystery Case - File 538 segue um detetive (Shigeru Chiba) que é contratado para investir um velho e uma garotinha (Mako Hyodo) que vivem trancafiados em um apartamento, e acaba descobrindo que essa garotinha tem uma bizarra conexão com os misteriosos desaparecimentos de aviões em pleno ar. De repente, os relatos de aviões se transformando em peixes antes de desaparecerem no ar, passam a fazer um estranho sentido...
 
 Sim, essa é a reação certa.
Esse episódio é surpreendente e proporcionalmente enigmático. Para compreendê-lo completamente, faz-se necessário ter um bom conhecimento dos trabalhos mais filosóficos de Oshii, pois a trama traz consigo enigmas que necessitam ser desvendados, mais do que a própria primeira camada da história que se apresenta. O próprio chegou a dizer que esta se tratava de uma continuação de seu filme anterior, Angel's Egg. Bom, poderia dizer que realmente se assemelha com uma continuação espiritual, só que com Oshii fazendo um exercício inverso do que fez em Angel’s Egg: enquanto este se caracteriza por ser um filme silencioso, sem diálogos, Mystery Case - File 538 é basicamente um looongo monologo de uma carta.

Ao contrário de A Knot in Time – Reflection, a animação aqui não é tão fluida em movimentação na maior parte do tempo, no entanto, Mystery Case se garante com um trabalho artístico estilizado que dá personalidade à obra, tão excêntrico quando seu idealizador. Escrito e dirigido por Oshii, a sintonia entre texto e imagem é fabulosamente expressiva. Com direção artística de Hiromasa Ogura, que tem trabalhos de arte incríveis (Aria, A Letter to Momo, From Up On Poppy Hill, Dead Leaves, FLCL), a paleta de cores desse episódio é mais escura; se assemelhando à própria trama, a animação continua detalhada e suave, ainda que sem a fluidez de narrativa visual do primeiro. A fotografia usa o mesmo recurso de muitos animes, como Uchouten Kazoku, de imagens reais filtradas e saturadas, conferindo um aspecto mais realístico ao cenário. Mystery Case - File 538 é uma peça extravagante e exótica, mais acima de tudo, um trabalho que exige muito do expectador. A recompensa é espetacular, mostrando um exercício criativo de Oshii tão excêntrico quanto ele próprio.
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A história por trás de Twilight Q

Antes mesmo de iniciativas como Anime Mirai (Little Witch Academia e Death Billiards) ou mesmo Space Dandy – que servem de vitrine a talentos da indústria e ao mesmo tempo dão ampla liberdade criativa para seus envolvidos –, no longínquo ano de 1987, surgia Twilight Q, uma ambiciosa série com temática avant-garde encabeçada por ninguém menos que Mamoru Oishii (Ghost in the Shell), que então já era considerado um dos grandes nomes da nova geração (que agora não é mais nova, né, convenhamos!).
VHS!!! Um passado (nem tão) distaaaante!

O título [Twilight Q] e a própria ideologia do projeto, fazia alusão para The Twilight Zone, clássica série de 1959, que aqui no Brasil ficou conhecido como ‘Além da Imaginação’, e ainda prestava homenagem a um tokusatsu de 1966 chamado Ultra Q, que também era inspirado no clássico seriado americano. Acontece que japonês adora Mistério (eu sei, todos adoram, mas lá o gênero é tratado de um modo muito peculiar) e sobrenatural, e The Twilight Zone é uma série de ficção cientifica com abordagem que foge do plano tangível, usando aspectos da Ficção Cientifica como uma metáfora das coisas estranhas que arrebatavam os protagonistas, como viagem no tempo, universos paralelos, vida após a morte, etc. A Ficção Cientifica como um meio, e não o fim. Todo episódio abria com uma narração em off, assim: “Há uma quinta dimensão além daquelas conhecidas pelo homem. É uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito. É o espaço intermediário entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição; e se encontra entre o abismo dos temores do Homem e o cume dos seus conhecimentos. É a dimensão da fantasia. Uma região Além da Imaginação”.

Enfim, foi um seriado importante e influente, e buscando saber mais sobre, fiquei com vontade de assistir (ainda não o vi, mas pretendo). A temática de Twilight Q é bastante similar e aposto que a única coisa em que difere da proposta do seriado, é o fato de ser uma animação com todas as peculiaridades que mídia traz. O projeto, patrocinado pela Bandai Visual e produzido no Studio DEEN, foi planejado para ser uma série de OVAs de longa duração (aparentemente com 8 volumes), mas o valor de produção era alto e o retorno foi ínfimo, levando ao cancelamento com apenas 1 volume com 2 episódios [com cerca de 30 minutos, cada], pela Bandai.

Oh, bem, é fácil entender o porquê da receptividade à Twilight Q ter sido baixíssima ao ponto de não justificar uma continuação do projeto. O nível de complexidade e experimentalismo era alto demais para o público médio, mesmo numa época em que os OVAs ainda estavam em alta. É considerado o propulsor da equipe criativa denominada Headgear, que viria a se reunir pouco tempo depois para produzir outras séries, entre as quais, Patlabor. Com nomes de peso, como Mamoru Oshii e Kazunori Ito, o compositor Kenji Kawai; esse coletivo criativo é similar à Izumi Todo (do estúdio Toei, que deram a luz a Kyousogiga) e Be-Papas (Shoujo Kakumei Utena), onde a intenção era formar um projeto multimídia, contanto com artistas que levassem a série para o vídeo, mas também para as páginas dos mangás.

E em Twilight Q, além de artistas do Headgear, Tomomi Mochizuki também aparece como um agradável intruso. A trilha sonora de Kenji Kawai é agradável, com letras e melodia exprimindo bem a temática de cada história apresentada, embora essas melodias da BGM não possuírem variedade alguma. As duas histórias de Twilight Q são bem similares em estruturação, mas a segunda, de Oshii, possui mais ambiguidade, com este não se furtando de colocar em dúvida toda a estrutura montada. 
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Trívia (contém spoilers):
Essa parte serve como um guia para quem não compreendeu muito essa série.

Twilight Q - Episode 1 - A Knot in Time - Reflection

Mas nada disso torna A Knot in Time – Reflection mais fácil para o publico, pois a trama se assemelha a um labirinto, e como tal, ele apresenta caminhos que parecem fáceis a principio, mas que se revelam contraditórios quando se segue adiante por aquele caminho (quando você começa a pensar demais, a história passa a não fazer muito sentido). Afinal, essa história é sobre o quê? Pensei, eu. Viagem no tempo? Paradoxos temporais? Oras, mas Mayumi é encontrada na ultima parte do episódio, desmaiada num laboratório da escola – supõe-se que ela estava tentando revelar o filme da câmera – e após acordar, todas as situações em que viveu, é desmentida por todos. Se era uma viagem no tempo, ela tem que ter começado em algum ponto, que não conseguia identificar qual era.

Então, a questão: o que era falso e o que era verdadeiro? Os eventos a partir dessa revelação, não mais se conectavam, e se Mayumi estava sonhando, é preciso encontrar o ponto em que essas fantasias se iniciam. Talvez eu que seja muito lenta para perceber certos detalhes (apesar de eu não ter achado nenhuma resposta a essa questão na internet), mas precisei “rebobinar” todo o vídeo a procura de algo que tivesse passado despercebido. Foi então que percebi que todas as fantasias de Mayumi têm inicio a partir do momento em que ela segura o filme na mão e olha para o espectador e pergunta se ele também não está curioso em saber o que havia naquele filme, com o anime seguindo por uma narrativa com eventos propositalmente embaralhados:
Esse é o ponto em que tudo que vem a seguir, não passa de fantasia da mente de Mayumi, que de tão curiosa acerca do conteúdo do filme e da história que uma câmera perdida no fundo do oceano tinha para contar, começa a delirar, se colocando no centro dessa possível história. Mas o que complica, é que os eventos não começam exatamente a partir desse ponto, na storytelling da trama. 

Vou montar uma linha do tempo em ordem cronológica para que fique mais claro:

Mês 8 de 1987, Mayumi de férias com Kiwako, encontra uma câmera no fundo do oceano.
Mês 9 de 1987, Mayumi é encontrada desmaiada no laboratório da escola, provavelmente tentando revelar o filme. 
É durante o momento em que está desacordada, que ela alucina que o conteúdo da câmera era uma foto sua com um homem desconhecido. A partir de então, Mayumi passa a saltar para três espaços-tempos diferentes dentro do sonho, até ser acordada. É engenhoso, é muito comum os sonhos em que o mundo vai se desfragmentado sob seus pés e você é levado para diversos mundos diferentes. Sonhos são fragmentos de tudo que você viveu no dia, e também de anseios, que se transformam em metáforas visuais. No sonho de Mayumi, está presente as coisas que ela aprendeu recentemente na escola e provavelmente lhe deu alguma dor de cabeça ao ponto de se tornar marcante e isto se transformasse em metáfora de um sonho, com ela sendo pressionada por seu professor. Além do anseio por uma história romântica ou novo amor, e a curiosidade acerca da história daquela câmera e seu filme, o noticiário que vira ao lado de sua amiga o quarto de hotel; tudo isto se fragmentou em metáforas visuais na mente de Mayumi, lhe proporcionado um sonho curioso!

Um ano depois, mês 8 de 1988, numa excursão, Mayumi encontra um rapaz que se assemelha ao da foto em seu sonho. Ela tem a chance de recriar o cenário que sonhara, agora no mundo real. Dizem que sonhos predizem o futuro, embora eu prefira acreditar na versão cientifica, de que eles nada mais que transformam em imagens, aquilo que ansiamos e que, em algum momento do futuro poderá ocorrer. Dai o porque dizerem que sonhos tem a função de nós preparar para o futuro. Mas a visão romântica sobre isso é bonitinha e não faz mal!
inesperada, a câmera cai no oceano, completando a predição do sonho de Mayumi. Mas note que essa câmera é outra. O rapaz diz que, possivelmente, um dia essa câmera retornará ao Japão, e Mayumi completa, imersa em sentimentos ver que isto tudo ia de encontra àquele velho sonho que tivera: "sim, atravessando o tempo". Bonito, ainda mais se pensarmos no poder de uma fotografia, que de certa forma, realmente atravessa o tempo.

No mês de 10 de 1992, a câmera vai parar na praia.
No mês 9 de 1993, essa mesma câmera vai parar no deposito de lixos, junto com a história que carrega dentro de si. Nada de viagens no tempo. Fim.

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Twilight Q - Episode 2 - Mystery Case - File 538

Uma das principais características de Mamoru Oshii é a forma como ele apresenta os mundos que cria em suas histórias, sempre com um quê de inexplicável e não raramente, in media res. Pra ele, a Ficção Cientifica é um meio [para contar suas histórias], não o fim. A eterna criança, sempre à margem de afeto e comunicação, o conceito de pureza em meio a um mundo tecnológico. O foco é sempre nas questões humanas, independente do tal ser ser humano ou tecnicamente artificial, as alegorias de Oshii nunca conseguem fugir do conflito da identidade, talvez porque seja intrínseco falar de sociedade e refletir no Homem. A cinegrafia de Oshii segue narrativamente em dimensão circular, com ele revistando sempre o mesmo tema, ora de modo mais denso, ora mais destilado. O conflito cristão da inocência frente corrupção da alma provocada pelo conhecimento lhe é uma temática obsessiva. E isto se estende a este segundo episódio. Para se fazer entender, vou colocar abaixo a interpretação do livro Cinema of Mamoru Oshii, de Dani Cavallaro, que aliás: consegue ter alguns momentos fabulosos acerca das obras de Oshii, como estes abaixo.

-Dani diz que, a cena introdutória do avião se transformado em carpa dá o tom fantástico do filme em contraste com o cenário urbanamente realístico, assim como o padrão cartoonesco do character design dos personagens em oposição ao mundo em que se encontram.
-“Ao incorporar tais justaposições, Oshii tenta acentuar a intrusão plausível do fantástico no cotidiano mundo”.

-“As ruínas do apartamento e terreno circundante servem para espelhar a desolação sem rumo que há no interior dos personagens”.
-“Oshii, em uma conversa com Hayao Miyazaki, disse que usa a imagem do Seitaka (goldenrod) para expressar o quanto a humanidade tem parado, embora ele não mencione explicitamente Twilight Q 2. A declaração de Oshii é intrigante porque a Seitaka em torno do apartamento em Twilight Q é um das poucas cenas de ‘natureza’ em qualquer um dos seus filmes. Oshii , nascido e criado em Tóquio, é um homem da cidade , e os seus filmes apresentam uma visão muito urbana, em oposição às próprias obras voltadas para a natureza de Miyazaki. Quando este vislumbre da natureza ocorre, no entanto, é muito breve e é de uma planta que nem mesmo é nativa do Japão. O Seitaka (...) chegou da América do Norte logo após a Segunda Guerra Mundial e é comumente vista como uma erva daninha indesejável. Ela cresce e se desenvolve em campos não utilizados em todo o Japão , como acontece no campo do lado de fora do apartamento em Twilight Q, se mostrando uma planta de desolação”.
-Como o Seitaka, a humanidade está crescendo como uma erva daninha, se espalhando por todo o mundo. Este não é um crescimento direcional, nos dois filmes Patlabor, Oshii lamenta a perda da antiga Tokyo que ele amou uma vez. As construções são demolidas e novos empreendimentos se colocam em seu lugar num ritmo alarmante. Parece que nada mais permanece o mesmo no Japão (...). Mesmo a área em torno do apartamento onde o Seitaka agora cresce está programada para ser parte de um projeto de recuperação [e urbanização]. O Seitaka é um símbolo da natureza, mas é uma natureza irreal, criada pela expansão sem rumo de uma cidade canibal. Esta imagem do Seitaka é espelhada pelo enredo retorcido de Twilight Q e o labirinto no seu centro. O foco principal de Twilight Q 2 é a natureza subjetiva da realidade”.
-Oshii gosta de brincar com diferentes pontos de vista em seus filmes, sutilmente mudando a maneira em que o espectador os lê. Em seus filmes posteriores, Oshii utiliza ângulos incomuns de câmera e lentes para mostrar a alteração do ponto de vista. Neste trabalho, ele realiza isso colocando o espectador em um labirinto de significados (...). O labirinto do filme em si é construído de vários pontos de vista: do detetive, do homem e da criança, ainda mais complicada pelo fato de que eles são apenas parte de uma grande história. Oshii disse: ‘Nós temos apostado demasiadamente em seres humanos, e animação não é a exceção. Mesmo quando duas pessoas estão falando, provavelmente um pássaro está voando sobre suas cabeças, um peixe está em uma lagoa, e um cão está te observando quando você olha para baixo. No meu caso, os olhos de animais estão sempre na minha mente’. O grande homem e a menina são identificados com os animais pelas camisetas que vestem, na dele diz ‘BIRD’ em Inglês, enquanto a dela se lê ‘peixe’. Oshii complica ainda mais a ideia do ponto de vista ilustrando diferentes transformações de homens em peixe. A primeira transformação ocorre na primeira cena, em que um avião cheio de passageiros se transforma em um gigante koi, o segundo é quando o detetive percebe que o peixe no futon costumava ser o homem que ele estava investigando”.
-Este peixe é um tropo visual que Oshii emprega durante todo o filme. Alguns dos simbolismos históricos do peixe já foram mencionados em Angel's Egg. (...) Oshii desenha uma conexão direta entre o peixe e a espiritualidade, descrevendo Deus como uma menina que está obcecada com peixes, levando-a transformar os aviões acima dela em carpas gigantes. No entanto, enquanto o filme mantém a conexão entre os peixes e Deus, é intencionalmente vago sobre as conexões causais. Deus (a menina) transforma os aviões em peixes por um capricho, usando seu extraordinário poder sem propósito real, ela é aparentemente alheia ao mundo em torno dela e aos seres humanos que vivem suas atividades diárias. Embora este ponto de vista de Deus seja apresentado de uma forma alegre e um pouco menos pessimista do que a visão de Oshii da religião em Angel's Egg, os temas básicos permanecem. Mesmo se houver um deus, ele não é um deus em quem se pode confiar. Em ambos os filmes, deus não existe para o benefício da humanidade. Pelo contrário, é um deus que exige constante cuidado e supervisão das pessoas, como podemos ver no final (...). Deus em Twilight Q 2 ainda está crescendo e pode aprender a controlar seus grandes poderes, mas ela ainda requer cuidados constantes de seres humanos”.
-“A utilização do peixe em Twilight Q 2 é também importante como um simbólico gênero alimentício. Muitas das obras de Oshii incorporam ou referenciam o alimento de alguma forma. Em Twilight Q 2, o espectador é apresentado ao homem grande e a menina com eles começando uma refeição de macarrão . Alimentos nos filmes de Oshii servem como um elemento de ligação à terra para os personagens , e serve para humanizá-los aos olhos dos espectadores. A menina, dado sua idade e articulações, é particularmente compreensivo em como ela luta com seu macarrão. É intrigante (...) que em Twilight Q 2, o peixe não é realmente consumido . Em sua carta, o homem grande pede que o detetive coma a sua essência, que se manifestou como um peixe, em vez de mantê-lo em um aquário. No entanto, o grande homem tinha mantido anteriormente um peixe de sua autoria no aquário – presumivelmente a essência de seu predecessor. Pode-se supor que o detetive vai fazer a mesma coisa e não comer a essência do grande homem quando ele assume o papel de pai da menina. No início do OVA, vemos a garota perguntar ao homem sobre os peixes enquanto eles comem macarrão juntos. O homem, que parece acostumado a simplesmente entretê-la, apenas lhe dá mais macarrão enquanto os carros alegóricos de peixes em seu tanque de essência transformadora seguem sem ser molestado pelo homem. O peixe é uma nova interpretação de transubstanciação e, como tal, implica que o peixe deve ser partilhado e consumido. (...) Tivesse o par comido o peixe, a fome do deus curioso e brincalhão poderia ter sido saciada”.
-“A extremidade da película ameaça decepcionar quando é revelado que a história que está sendo contada é apenas isso: uma história de ficção científica sendo lançado por um autor empobrecido. O pronunciamento que os eventos anteriores foram apenas um sonho, não parece ocorrer uma ‘trapaça’, porque permite que um cineasta se furte livremente das limitações que uma história implicaria se caso fosse ‘real’. No entanto, apesar de, inicialmente, parece que Oshii recorreu a tais artifícios, no final, ele traz os espectadores de volta ao reino da fantasia, mostrando um avião de passageiros sendo misteriosamente cortado aberto quando o homem prepara uma grande carpa e lhe atinge com um corte. Esta técnica é um tanto semelhante à empregada no Oshii Urusei Yatsura 2: Beautiful Dreamer , ele reconhece que os eventos anteriores eram de fato um sonho ou uma história, mas ele não permite que tenham sido meramente em vão. Oshii sugere que estes eventos sobrenaturais têm alguma relação com o mundo real, que há alguns deslizes entre os sonhos e a realidade. Assim, ao invés de Oshii estar continuamente preocupado com o que é real e o que é um sonho, ele está mais interessado com a forma como eles se sobrepõem e se influenciam mutuamente. Esses temas foram apresentados em Urusei Yatsura 2 e Angel’s Egg e continuam a aparecer em seus filmes posteriores, mais notavelmente em Ghost in the Shell e Avalon. ‘Para mim, pessoalmente falando, se é um sonho ou realidade não é tão importante’, Oshii disse em uma entrevista recente. ‘Você não pode confiar na memória , de modo que a maneira como você vê a si mesmo em um dado momento é VOCÊ – e como você vê o mundo ao seu redor é o que compõe a sua realidade’. No contexto desta declaração, o final de Twilight Q 2 é mais fácil de conciliar. Quando o avião no final é dividido ao meio enquanto o homem corta o peixe, está acontecendo de verdade, então naquele momento.  É uma fusão da ficção anterior e a atual ‘realidade’. O final também é bastante bem-humorado quando consideramos a reputação de Oshii como cineasta frente a um editor. O editor, com quem ele fala ao telefone, lhe diz que não gosta da história sobre o detetive e a menina. O editor diz que ele não entende o conto e prefere uma história que seja mais ‘normal’. Oshii tem feito uma carreira fora das expectativas e desafiando o senso comum contando histórias que não são normais, incluindo Twilight Q 2. O final acrescenta um toque de humor autodepreciativo; Oshii sabe que seus filmes são vistos como difíceis de entender, mas ele parece ignorar tais críticas e insistir no que lhe interessa”.
[Adoro essa sutileza, como a presente nesta imagem, indicando abandono e ao mesmo tempo, a quantidade de pessoas que já passaram pela vida da garota]
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Nota: 08/10
Direção: Mamoru Oshii, Tomomi Mochizuki
Roteiro: Mamoru Oshii, Kazonori Ito
Trilha Sonora: Kenji Kawaii
Estúdio: DEEN
Tipo: OVA
Episódios: 02
Duração: 30 min. /média
Perfil: MAL, ANN

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