Saber equilibrar os espaços pode te livrar de... muita sujeira. :P
Eles se atraem, mas para não divergirem, necessitam de espaço para que cada um possa se expressar.
Olha só para o fundo vermelho beterraba (invejosos dirão que não é vermelho beterraba) nas laterais do ELBR, sua importância está em equilibrar o espaço positivo criado no corpo do layout com suas imagens e textos. Se só nos atermos ao corpo do layout, entre imagens e textos, notará que o espaço é branco. É o que chamamos de espaço negativo. Ao não incluir imagens decorativas de fundo nem no plano de fundo das laterais nem no corpo do layout, a minha intenção é não distrair a atenção dos olhos do leitor para outra coisa que não seja as imagens e o texto no corpo dos posts (motivo também por preferir cores mais neutras. Nem um vermelho tão vivamente vibrante nas laterais nem um fundo colorido ou transparente ou preto para o corpo, a fim de não cegar/cansar e distrair os olhos de ninguém. Apesar da tentação ser grande em sair espalhando cores e bichinhos por todos os cantos, deixando tudo estilizado, XD). Neste caso, a intenção é essa: equilíbrio, evitando imagens ao fundo repetitivas ou que induzam à psicose, tornando o ato de ler uma ação agradável para quem estiver lendo. Essa é a minha dica para blogueiros administradores, ser mais simples às vezes é ser mais eficaz na sua mensagem, embora eu mesma precise estar me policiando o tempo todo, pois tenho tendência à poluição visual. Heh.
Exemplo retirado deste site. Ambas as páginas apresentam exemplos de positivo e negativo. O espaço em branco é o negativo, e o corpo que preenche este espaço (na cor preta), positivo. Fica claro que tudo que preenche o espaço vazio, se torna espaço positivo. Fica claro também que é importante saber preencher este espaço e usar as melhores proporções para uma melhor fluidez narrativa |
Grande parte das imagens são compostas de espaço positivo e negativo. Nem toda imagem necessita ter espaço negativo, embora seja mais fácil errar sem ele. Se trata
de um conceito presente nos mais diversos ramos artísticos ou mídias. De arquitetos
a músicos, de quadrinistas (mangakas)
a cineastas. Etc. e etc. Basicamente, o espaço positivo é o corpo que ocupa uma imagem e tudo aquilo que se co-relaciona com ele. E o negativo, é o espaço em volta do objeto/corpo.
Página retirada desta página, dando um exemplo do quanto o respeito ao espaço negativo pode beneficiar uma narrativa, se tornando muito mais expressiva. A da esquerda, do famoso mangá do Akira Toriyama, é evidentemente o bom exemplo. |
O que me levou mesmo a escrever um post tão óbvio (mas que de tão obvio passa muitas vezes
despercebido, por integrar ao nosso senso comum e se tornando tão natural como
as aves voando no céu), é que isto me chamou a atenção no último episódio
de Mushi-Shi Zoku Shou. Na verdade, desde a primeira temporada esta técnica vem sendo empregada, mas geralmente de modo mais tímido, com raros episódios em que o personagem fica completamente submerso na brancura da paisagem. Mushi-Shi é uma série de grandes destaques visuais, mas segue num fluxo tão moderado e sem firulas visuais, que quando opta por um plano que apesar da simplicidade, tira os personagens da realidade cinza e joga num campo quase ou literalmente metafisico, não é algo que possa passar despercebido. Os seres
humanos deslizam sem grande expressividade visual em uma suave animação (trejeitos, silhuetas, roupas, cabelos)
através de uma natureza detalhada, que sempre se destacou sobre tudo o mais (incluindo os mushis como parte dessa
natureza multifacetada). O cenário da série é concentradamente
espesso, em tonalidades de acinzentado, verde, marrom. Mesmo o céu é ora azul
com nuvens ora preto com estrelas. Por tudo isso que acabei de dizer, quando o branco puro aparece, sem qualquer integração à outro elemento a não ser o espaço negativo e o corpo do personagem [e tudo que se correlaciona a ele], sempre me causa uma uma certa estranheza. Talvez seja pelo contraste que ocorre por ser normalmente uma narrativa caracteristicamente paisagística. Isso fica ainda mais belo por também ser uma série introspectiva que lida intimamente com o universo metafisico. Se fosse uma série louca, de arroubos visuais, dificilmente este ponto destacado por mim, chamaria atenção especial ou causaria um impacto visual.
Então, o que mudou nesta segunda temporada? Na mentalidade de
seu diretor, Hiroshi Nagahama? Nada, Nagahama apenas está empregando mais espaços
negativos clássicos em sua composição visual (falo mais disso adiante).
Toda imagem conta uma história. Eu acredito nesta sentença. A
razão de ser do espaço negativo não é se opor ao positivo, mas complementá-lo, torna-lo
mais agradável aos olhos. É um efeito visual usado para apresentar para o
espectador/leitor/observador qual é o motivo principal naquele plano. Pode ser
uma pessoa praticando uma ação, um animal, um objeto, uma sensação, pode ser um
ponto abstrato ou estilizado, enfim. Induz o olhar no que é importante naquele
frame.
O espaço negativo limita o objeto (que é o espaço positivo). Saber usá-lo e integrá-lo ao tipo de
narrativa que se quer contar, é como distinguimos se um artista tem ou não domínio técnico.
Há exemplos e exemplos de bom e mal uso de espaços negativos e positivos. Um
exemplo de opostos bom pra exemplificar é Inio Asano e Mitsuru Adachi. Os dois
mangakas são altamente técnicos, mas possuem estilos que divergem um do outro.
O que essa imagem quer dizer? Talvez apenas expressar sua beleza estética? Talvez até a condição psicológica dos personagens, que se sentem perdidos. |
O primeiro tende ao refinamento da sua arte, criando um universo
artisticamente complexo. Tudo é bem definido tecnicamente, mesmo quando usa de
abstração. As pessoas, objetos, fotografia, enfim, seu universo é bem detalhado
a fim de refletir o mundo real, não importa o quão estilizado pode ser o design
de um ou outro personagem. Mesmo um garoto desenhado como um pintinho, não é
capaz de transformar o universo de Asano em um universo da Alta Fantasia. Pelo contrário. Como comentei, toda imagem conta uma
história. Punpun ser representado como um pintinho, só mostra a falta de
sintonia do personagem com aquele universo. Dizem (atenção no “dizem”, ou seja, sem fontes seguras que confirmem. Ou
seja, boatos) que a intenção do autor era representar todos os personagens
como pintinhos, o que dada a forma como são trabalhados, não trairia a ideia
central do mote. No entanto, tiraria do Punpun e de sua família a centralidade
rotacional, o destaque narrativo (imagem
também é narrativa), aquele algo diferenciado que atrai nossa atenção para
a família de Punpun. Logo a família de Punpun que representa a dicotomia do
mote desta história. Imagina, só! Dizem que foi seu editor que o impediu – se isto
aconteceu de verdade, o editor agiu certo, não permitindo que o leitor perdesse
seu ponto referencial, fosse na figura metaforicamente animal de Punpun ou na
humanamente literal Aiko.
Ao contrário da anterior, essa é traz um mundo detalhado, com Aiko e Punpun pequeninos tentando resistir à grandiosidade da força cósmica que os rodeia segurando seus destinos com as próprias mãos. Não só isso, mas é uma imagem que diz pouco sozinha, sem o contexto. |
Já o segundo citado, Adachi, tende a uma narrativa visual
mais singela, com planos mais clean e
quase nunca apelando para densidade visual. Adachi é um autor que faz um amplo
uso do espaço negativo convencional. Ou seja, o espaço negativo vazio, quase sempre
representado pela cor branca, só usando cores ou retículas quando quer dizer
algo específico. Trata-se de um autor altamente visual. Ele revela muito pouco
da história através dos diálogos e mais através das imagens. É um autor que pra
entender que suas histórias são mais complexas do que aparentam pela
simplicidade dos meios usados, é preciso interpretar. Asano também diz muito
pelas imagens, Solanin é um exemplo disto, mas suas histórias são
estruturalmente complexas. Isso já fica evidente ao bater o olho nas imagens. A
leveza e simplicidade se encontram justamente no que fica subtendido, trilhando
assim um curioso caminho inverso ao de Adachi.
São mesmo dois autores tecnicamente incríveis!
São mesmo dois autores tecnicamente incríveis!
No primeiro quadro desta página de Adachi, qual seria o ponto alvo, a minuscula bola ou o céu? Creio que sua intenção era evidenciar a altura que a bola alcançou , se tornando quase um pontinho indiferente em meio às nuvens. Mas também, é uma pagina que diz muito mais e que está interligada a um contexto. |
Talvez, ao comentar as características do Asano, eu tenha
dado a entender que ele não faz uso de espaços negativos, ou que a primeira
temporada de Mushi-Shi é poluída. Não é verdade, o que há é um uso
equilibrando do espaço negativo com o positivo, aproveitando os espaços para contar mais. Na primeira temporada de Mushi-Shi
e nas histórias do Asano, personagens e o mundo estabelecido são intrínsecos,
mas há espaço de descanso para os olhos. Há para onde eles possam correr sem se sentirem sobrecarregados. Espaço negativo não precisa ser todo
branco, ou todo preto, azul, amarelo. E outra, não precisa ser uma área
completamente livre de informação, embora seja este conceito que vem à mente
quando se fala em espaços negativos. Natural, afinal, tudo que se encontra no mesmo
plano focal é considerado espaço positivo. A coexistência pode ser saudável, o fundamental não cair tentação de amontar tudo que vem à mente no espaço, mas apenas inserir o essencial para a narrativa. Por isso que existem técnicas composicionais
como desfoque, contraste, enquadramentos fechados, os mais variados planos, paisagem polarizadas, texturas
e etc. e tal.
Diferentes técnicas, como estas aqui, do anime Isshuukan Friends. |
Portanto, o espaço negativo, mesmo que esteja vazio ou repleto de
informações, sempre quer dizer alguma coisa. O importante é o que o motivo
principal do plano esteja em destaque. Às vezes a intenção pode ser justamente explicitar
a densidade da paisagem, o que geralmente se faz empregando planos abertos. Como
as cidades das obras de Cyberpunk, extremamente poluídas visualmente e com
todos os espaços tomados pela urbanização. Como em Mushi-Shi, onde as pessoas
têm designs simplistas e a paisagem minuciosamente detalhada. Num plano típico de
Mushi-Shi, é natural ver o personagem diminuído quando confrontado com a presença
de um mushi ou amplas florestas ou simplesmente pela pobreza que os assola.
Depende da intenção da proposta, desde que a área de
interesse focal esteja sempre distinguível, não causando conflitos de interesse
(por exemplo, em obras cyberpunk, o
personagem quando confrontado por essa complexidade visual, geralmente se
mostra diminuto, inexpressivo, impotente em termos visuais). Não vou ter
paciência de procurar boas imagens referências, mas o CLAMP é meu exemplo
preferido de artistas que se perdem facilmente muitas vezes por não tornar
claro o motivo referencial numa página, deixando-a extremamente poluída, sem
qualquer ponto de repouso.
Por fim, voltando a Mushi-Shi, é claro que é algo chamativo quando
a série se permite se desprender da paisagem mundana e começam a sobrar espaços completamente vazios entre os
personagens, quase ascendendo à finitude do espírito. O que há de
tão sublime no espaço negativo representado por um espaço vazio completamente
em branco – a despeito de qualquer técnica para chamar a atenção para o motivo
principal na cena – é que não há nada ali para se ver. Logo, sua atenção recai indistintamente
para o espaço positivo, que no plano abaixo, é representado pelo personagem e o
mushi.
Ou no personagem com o seu objeto de trabalho.
O que essas imagens querem dizer? Elas querem chamar atenção
para algo. É como se toda vez que isso acontecesse, as questões internas dos personagens
ganhassem um contorno próprio, em evidência, e pela primeira vez, em destaque
de tudo que os rodeia, não mais indistintamente.
Mas de qualquer forma, toda imagem conta uma história, como
este plano do final do episódio 2. A sequência alude à liberdade e renascimento de Mina,
personagem da trama deste episódio, que até chegar neste desfecho, vivia numa
prisão emocional suplantada pelo seu próprio pai.
Bom, há muitas coisas a serem ditas sobre o tema, diversas variações, prós e contras, mas basicamente é isto.
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