quarta-feira, 16 de abril de 2014

Negativo & Positivo: Os Opostos Se Atraem...Sim!

Saber equilibrar os espaços pode te livrar de... muita sujeira. :P

Eles se atraem, mas para não divergirem, necessitam de espaço para que cada um possa se expressar.

Olha só para o fundo vermelho beterraba (invejosos dirão que não é vermelho beterraba) nas laterais do ELBR, sua importância está em equilibrar o espaço positivo criado no corpo do layout com suas imagens e textos. Se só nos atermos ao corpo do layout, entre imagens e textos, notará que o espaço é branco. É o que chamamos de espaço negativo. Ao não incluir imagens decorativas de fundo nem no plano de fundo das laterais nem no corpo do layout, a minha intenção é não distrair a atenção dos olhos do leitor para outra coisa que não seja as imagens e o texto no corpo dos posts (motivo também por preferir cores mais neutras. Nem um vermelho tão vivamente vibrante nas laterais nem um fundo colorido ou transparente ou preto para o corpo, a fim de não cegar/cansar e distrair os olhos de ninguém. Apesar da tentação ser grande em sair espalhando cores e bichinhos por todos os cantos, deixando tudo estilizado, XD). Neste caso, a intenção é essa: equilíbrio, evitando imagens ao fundo repetitivas ou que induzam à psicose, tornando o ato de ler uma ação agradável para quem estiver lendo. Essa é a minha dica para blogueiros administradores, ser mais simples às vezes é ser mais eficaz na sua mensagem, embora eu mesma precise estar me policiando o tempo todo, pois tenho tendência à poluição visual. Heh.
Exemplo retirado deste site. Ambas as páginas apresentam exemplos de positivo e negativo. O espaço em branco é o negativo, e o corpo que preenche este espaço (na cor preta), positivo. Fica claro que tudo que preenche o espaço vazio, se torna espaço positivo. Fica claro também que é importante saber preencher este espaço e usar as melhores proporções para uma melhor fluidez narrativa
Grande parte das imagens são compostas de espaço positivo e negativo. Nem toda imagem necessita ter espaço negativo, embora seja mais fácil errar sem ele. Se trata de um conceito presente nos mais diversos ramos artísticos ou mídias. De arquitetos a músicos, de quadrinistas (mangakas) a cineastas. Etc. e etc. Basicamente, o espaço positivo é o corpo que ocupa uma imagem e tudo aquilo que se co-relaciona com ele. E o negativo, é o espaço em volta do objeto/corpo.
Página retirada desta página, dando um exemplo do quanto o respeito ao espaço negativo pode beneficiar uma narrativa, se tornando muito mais expressiva. A da esquerda, do famoso mangá do Akira Toriyama, é evidentemente o bom exemplo.
O que me levou mesmo a escrever um post tão óbvio (mas que de tão obvio passa muitas vezes despercebido, por integrar ao nosso senso comum e se tornando tão natural como as aves voando no céu), é que isto me chamou a atenção no último episódio de Mushi-Shi Zoku Shou. Na verdade, desde a primeira temporada esta técnica vem sendo empregada, mas geralmente de modo mais tímido, com raros episódios em que o personagem fica completamente submerso na brancura da paisagem. Mushi-Shi é uma série de grandes destaques visuais, mas segue num fluxo tão moderado e sem firulas visuais, que quando opta por um plano que apesar da simplicidade, tira os personagens da realidade cinza e joga num campo quase ou literalmente metafisico, não é algo que possa passar despercebido. Os seres humanos deslizam sem grande expressividade visual em uma suave animação (trejeitos, silhuetas, roupas, cabelos) através de uma natureza detalhada, que sempre se destacou sobre tudo o mais (incluindo os mushis como parte dessa natureza multifacetada). O cenário da série é concentradamente espesso, em tonalidades de acinzentado, verde, marrom. Mesmo o céu é ora azul com nuvens ora preto com estrelas. Por tudo isso que acabei de dizer, quando o branco puro aparece, sem qualquer integração à outro elemento a não ser o espaço negativo e o corpo do personagem [e tudo que se correlaciona a ele],  sempre me causa uma uma certa estranheza. Talvez seja pelo contraste que ocorre por ser normalmente uma narrativa caracteristicamente paisagística. Isso fica ainda mais belo por também ser uma série introspectiva que lida intimamente com o universo metafisico. Se fosse uma série louca, de arroubos visuais, dificilmente este ponto destacado por mim, chamaria atenção especial ou causaria um impacto visual. 
Então, o que mudou nesta segunda temporada? Na mentalidade de seu diretor, Hiroshi Nagahama? Nada, Nagahama apenas está empregando mais espaços negativos clássicos em sua composição visual (falo mais disso adiante).

Toda imagem conta uma história. Eu acredito nesta sentença. A razão de ser do espaço negativo não é se opor ao positivo, mas complementá-lo, torna-lo mais agradável aos olhos. É um efeito visual usado para apresentar para o espectador/leitor/observador qual é o motivo principal naquele plano. Pode ser uma pessoa praticando uma ação, um animal, um objeto, uma sensação, pode ser um ponto abstrato ou estilizado, enfim. Induz o olhar no que é importante naquele frame.

O espaço negativo limita o objeto (que é o espaço positivo). Saber usá-lo e integrá-lo ao tipo de narrativa que se quer contar, é como distinguimos se um artista tem ou não domínio técnico. Há exemplos e exemplos de bom e mal uso de espaços negativos e positivos. Um exemplo de opostos bom pra exemplificar é Inio Asano e Mitsuru Adachi. Os dois mangakas são altamente técnicos, mas possuem estilos que divergem um do outro.
O que essa imagem quer dizer? Talvez apenas expressar sua beleza estética? Talvez até a condição psicológica dos personagens, que se sentem perdidos.
O primeiro tende ao refinamento da sua arte, criando um universo artisticamente complexo. Tudo é bem definido tecnicamente, mesmo quando usa de abstração. As pessoas, objetos, fotografia, enfim, seu universo é bem detalhado a fim de refletir o mundo real, não importa o quão estilizado pode ser o design de um ou outro personagem. Mesmo um garoto desenhado como um pintinho, não é capaz de transformar o universo de Asano em um universo da Alta Fantasia. Pelo contrário. Como comentei, toda imagem conta uma história. Punpun ser representado como um pintinho, só mostra a falta de sintonia do personagem com aquele universo. Dizem (atenção no “dizem”, ou seja, sem fontes seguras que confirmem. Ou seja, boatos) que a intenção do autor era representar todos os personagens como pintinhos, o que dada a forma como são trabalhados, não trairia a ideia central do mote. No entanto, tiraria do Punpun e de sua família a centralidade rotacional, o destaque narrativo (imagem também é narrativa), aquele algo diferenciado que atrai nossa atenção para a família de Punpun. Logo a família de Punpun que representa a dicotomia do mote desta história. Imagina, só! Dizem que foi seu editor que o impediu – se isto aconteceu de verdade, o editor agiu certo, não permitindo que o leitor perdesse seu ponto referencial, fosse na figura metaforicamente animal de Punpun ou na humanamente literal Aiko.
Ao contrário da anterior, essa é traz um mundo detalhado, com Aiko e Punpun pequeninos tentando resistir à grandiosidade da força cósmica que os rodeia segurando seus destinos com as próprias mãos. Não só isso, mas é uma imagem que diz pouco sozinha, sem o contexto. 
Já o segundo citado, Adachi, tende a uma narrativa visual mais singela, com planos mais clean e quase nunca apelando para densidade visual. Adachi é um autor que faz um amplo uso do espaço negativo convencional. Ou seja, o espaço negativo vazio, quase sempre representado pela cor branca, só usando cores ou retículas quando quer dizer algo específico. Trata-se de um autor altamente visual. Ele revela muito pouco da história através dos diálogos e mais através das imagens. É um autor que pra entender que suas histórias são mais complexas do que aparentam pela simplicidade dos meios usados, é preciso interpretar. Asano também diz muito pelas imagens, Solanin é um exemplo disto, mas suas histórias são estruturalmente complexas. Isso já fica evidente ao bater o olho nas imagens. A leveza e simplicidade se encontram justamente no que fica subtendido, trilhando assim um curioso caminho inverso ao de Adachi.

São mesmo dois autores tecnicamente incríveis!
No primeiro quadro desta página de Adachi, qual seria o ponto alvo, a minuscula bola ou o céu? Creio que sua intenção era evidenciar a altura que a bola alcançou , se tornando quase um pontinho indiferente em meio às nuvens. Mas também, é uma pagina que diz muito mais e que está interligada a um contexto.
Talvez, ao comentar as características do Asano, eu tenha dado a entender que ele não faz uso de espaços negativos, ou que a primeira temporada de Mushi-Shi é poluída. Não é verdade, o que há é um uso equilibrando do espaço negativo com o positivo, aproveitando os espaços para contar mais. Na primeira temporada de Mushi-Shi e nas histórias do Asano, personagens e o mundo estabelecido são intrínsecos, mas há espaço de descanso para os olhos. Há para onde eles possam correr sem se sentirem sobrecarregados. Espaço negativo não precisa ser todo branco, ou todo preto, azul, amarelo. E outra, não precisa ser uma área completamente livre de informação, embora seja este conceito que vem à mente quando se fala em espaços negativos. Natural, afinal, tudo que se encontra no mesmo plano focal é considerado espaço positivo. A coexistência pode ser saudável, o fundamental não cair tentação de amontar tudo que vem à mente no espaço, mas apenas inserir o essencial para a narrativa. Por isso que existem técnicas composicionais como desfoque, contraste, enquadramentos fechados, os mais variados planos, paisagem polarizadas, texturas e etc. e tal.
Diferentes técnicas, como estas aqui, do anime Isshuukan Friends.
Portanto, o espaço negativo, mesmo que esteja vazio ou repleto de informações, sempre quer dizer alguma coisa. O importante é o que o motivo principal do plano esteja em destaque. Às vezes a intenção pode ser justamente explicitar a densidade da paisagem, o que geralmente se faz empregando planos abertos. Como as cidades das obras de Cyberpunk, extremamente poluídas visualmente e com todos os espaços tomados pela urbanização. Como em Mushi-Shi, onde as pessoas têm designs simplistas e a paisagem minuciosamente detalhada. Num plano típico de Mushi-Shi, é natural ver o personagem diminuído quando confrontado com a presença de um mushi ou amplas florestas ou simplesmente pela pobreza que os assola.

Depende da intenção da proposta, desde que a área de interesse focal esteja sempre distinguível, não causando conflitos de interesse (por exemplo, em obras cyberpunk, o personagem quando confrontado por essa complexidade visual, geralmente se mostra diminuto, inexpressivo, impotente em termos visuais). Não vou ter paciência de procurar boas imagens referências, mas o CLAMP é meu exemplo preferido de artistas que se perdem facilmente muitas vezes por não tornar claro o motivo referencial numa página, deixando-a extremamente poluída, sem qualquer ponto de repouso.

Por fim, voltando a Mushi-Shi, é claro que é algo chamativo quando a série se permite se desprender da paisagem mundana e  começam a sobrar espaços completamente vazios entre os personagens, quase ascendendo à finitude do espírito. O que há de tão sublime no espaço negativo representado por um espaço vazio completamente em branco – a despeito de qualquer técnica para chamar a atenção para o motivo principal na cena – é que não há nada ali para se ver. Logo, sua atenção recai indistintamente para o espaço positivo, que no plano abaixo, é representado pelo personagem e o mushi.
Ou no personagem com o seu objeto de trabalho.
O que essas imagens querem dizer? Elas querem chamar atenção para algo. É como se toda vez que isso acontecesse, as questões internas dos personagens ganhassem um contorno próprio, em evidência, e pela primeira vez, em destaque de tudo que os rodeia, não mais indistintamente. 
Mas de qualquer forma, toda imagem conta uma história, como este plano do final do episódio 2. A sequência alude à liberdade e renascimento de Mina, personagem da trama deste episódio, que até chegar neste desfecho, vivia numa prisão emocional suplantada pelo seu próprio pai. 

Bom, há muitas coisas a serem ditas sobre o tema, diversas variações, prós e contras, mas basicamente é isto.

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