Analisarei algumas cenas isoladas desse anime dirigido pelo mestre Satoshi Kon, em que notei o alto nível do
diretor conduzindo-as. E não é pra menos, com uma galeria de filmes invejáveis como a que ele tem. Serão observados elementos da fotografia, da montagem, dos
sons e das cores. Tudo trabalhado em harmonia para ajudar a contar a história
da melhor e mais rica forma possível. E como já sei que alguns preguiçosos de
plantão costumam vir ler só para falar que “vemos coisas onde não tem”, já
deixarei linkado meu texto resposta: A crítica, interpretação, opinião.
Nessa primeira análise, veremos
o personagem Icchi chamando um colega, Shougo, para conversar nos fundos da
escola. O primeiro estava com muita raiva do segundo, se tornando bastante
instável, e seu colega ainda não desconfiava. A cena começa mostrando Shougo ao
longe, banhado pela luz, pois ainda não sabe do que se trata o pedido de
encontro. Enquanto isso, a câmera se encontra nas trevas, e o vemos isolado no
meio do quadro, salientando sua vulnerabilidade.
Passamos a ouvir a voz de
Icchi, calma e controlada, e enfim o vemos surgindo repleto de sombras,
completamente oposto ao colega e caminhando desafiadoramente em sua direção.
Shougo permanece no canto do quadro, pequeno e frágil, e notem como a câmera é
posicionada de maneira a espremê-lo entre uma casinha de madeira e os arbustos.
Assim como anteriormente, na primeira imagem, mesmo estando na luz, ele já
aparecia espremido entre o paredão do colégio e as árvores. Isso causa uma
sensação incômoda de isolamento e angustia.
Enquanto isso, só é possível
ouvir a voz ameaçadora de Icchi. E notem como os sons diegéticos fazem um
trabalho magistral aqui justamente por serem discretos. O som dos pássaros e
grilos buscam salientar ainda mais o ambiente deserto no qual os personagens se
encontram, onde ninguém poderá ajudá-los. Esses sons são a cereja no bolo em
termos de “atmosfera de isolamento” que Satoshi Kon procurou criar aqui. Enfim
Icchi surge no mesmo quadro que Shougo, encurralando-o na parede e surge um
corte brusco na explosão da mão do primeiro próxima do rosto do colega.
A câmera começa a encarar
Icchi de baixo para cima, tornando-o imponente e ameaçador, enquanto Shougo é
visto de cima para baixo, acuado, vulnerável. E finalmente termina com os dois
de frente para o outro em mesmo quadro, na explosão de gritos mais forte até
então. E a cena corta e termina.
Outros exemplos ocorrem nas
cenas de interrogatório dos dois agentes de polícia que acompanhamos ao longo
do anime. Percebam como, inicialmente, a composição delas é com cores mais claras e quentes, e a câmera está mais distante, tanto com a menina quanto com o Shounen Bat. São
os primeiros questionamentos e o clima ainda está relativamente leve e
observador, não há sensação de opressão.
Agora notem a diferença dois
episódios depois, quando os agentes já se encontram desgastados. Já inicia com
um enquadramento da dupla visto de cima relativamente torto, salientando o
mistério que se distorce dentro daqueles homens desgastados.
E a cena de interrogatório é
completamente diferente. Composta exclusivamente por quadros fechados e
opressores, causa uma sensação incômoda o tempo inteiro. Percebam as "molduras" do primeiro quadro, como se a câmera estivesse dentro de uma caixa, espremendo aqueles três homens. Do ponto de vista
simbólico, mostra quão fartos estão todos aqueles personagens naquela sala há
dias. E claro, percebam como as cores diferem completamente naquelas vistas nos
primeiros, agora todos escuros e sombrios. É o mesmo cenário, os mesmo personagens, só mudou a maneira de orquestrar devido aos sentimentos necessários que o autor queria passar.
Em suma, terminarei por aqui
e agora é com vocês treinarem esse olhar crítico nos futuros animes. Notem como
foi importante a base cinematográfica do diretor contribuindo com a linguagem do anime. A junção de trabalhos desde o enquadramento das câmeras, passando
pelo jogo de luz e sombra, da delicadeza dos sons diegéticos. Também gostaria
de destacar isoladamente nesse curto anime, o episódio 8 que parece quase uma
obra isolada, sem relação alguma com o todo, extremamente divertido. Chega a lembrar traços da dinâmica
de Tokyo Godfathers de Satoshi Kon. Aliás,
há inúmeras características durante o anime todo que remetem à Perfect Blue e
Paprika. Espero que tenham gostado desse tipo de análise um pouco diferente da
minha parte e quem sabe eu volto com outras do gênero.
(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
@PedroSEkman