A corrida por empregos, começa já na escola.
Esse episódio se mostrou com um timing melhor que o
anterior, refletindo no humor do episódio, que aqui soa mais solto – inclusive,
Usagi está com uma animação elástica ressaltando suas feições de humor pastelão,
o que lhe garante um ar mais natural e adequado às suas reações extravagantes
[por outro lado, a animação está mais inconstante, resultado da terceirização
promovida por Toei, que veio com muitos animadores, mas em sua grande maioria
de estúdios menores. A tendência é quanto mais mãos mexendo, menos sólido fica].
Mas o episódio também deve muito à presença da Ami. Não acho
que a Usagi da nova versão [ainda] tenha carisma suficiente para segurar um
episódio sozinha, e a sua dinâmica com a Ami consegue despertar tanto empatia
quanto boas situações. Quem nunca teve um amigo como a Ami Mizuno? Até mesmo é
ou foi como Ami. Gentil, tímida, comportada, CDF, leal aos amigos, mas
extremamente insegura na forma como se portar com os demais. Há quem vá dizer
que Ami é tudo o que Usagi não é, e embora haja exagero na afirmação [Usagi
também é leal e sabe ser gentil à sua maneira], é verdade que elas são o
reflexo oposto uma da outra. Nunca parei pra pensar neste paralelismo, mas
enquanto assistia ao episódio fiquei me perguntando o porquê de Ami ser a
primeira Sailor e amiga de Usagi a ser introduzida. Quando você pensa no
assunto, se torna obvio o quanto elas se contrastam de uma forma positiva (a mãe da Usagi diria que é um contraste
negativo, heh).
Ami retrata em como amigos podem transformar completamente a
realidade em nossa volta. Você às vezes quer conversar, criar laços de amizade,
mas não tem traquejo para isto. Pra piorar, as pessoas acabam pré-moldando uma
imagem sua, tirando conclusões precipitadas, o que torna sua tarefa de chegar
nos outros [ou que cheguem até você] ainda mais complicada. Mas então surge esse
amigo simpático, comunicativo e meio bobo, se torna seu amigo e te insere em um
grupo maior de amizade. Afinal, uma pessoa pode ter dificuldade de romper uma
muralha social, mas consegue se soltar plenamente num ambiente seguro de
familiaridade. Usagi nos mostra a importância de uma figura centralizadora em
um grupo de amizade. É aquela pessoa que instintivamente mantém o grupo unido,
que tem um poder natural de atração que faz com que as pessoas se relacionem
fácil e queiram estar em sua companhia, por ser alguém acessível e bem
humorado. Usagi é este sol.
Aliás, o contraste entre as duas se estende muito além. Ami é
o estereotipo de estudante gênio, pessoa que serve de modelo comportamental
para os demais. Seus hábitos compulsivos por estudos e a diversidade de
personagens com diferentes perspectivas escolares refletem diretamente o sistema de educação do Japão da época e que atualmente passa por uma reestruturação. Assunto comentado no livro Warriors of Legend: Reflections of Japan in Sailor Moon, que traz reflexões interessantes sobre o assunto. Vejamos a seguir.
O anime clássico aproveita essa perceptiva captura pela
autora da realidade do sistema de ensino para tecer um comentário social,
exatamente no episódio em que Ami é introduzida como uma nova Sailor.
-Jadeite: Agora, as crianças do Japão são forçadas a estudar dia após dia, e estão sofrendo com isso.
-Beryl: Também ouvi dizer que as mães se preocupam cada vez mais em fazer seus filhos estudarem muito.
-Jadeite: Seus pais estão desesperados para mandar seus filhos para o melhor jardim de infância, a melhor Escola Primaria, o melhor Ginásio, o melhor Colegial, e a melhor faculdade.
-Beryl: E então? O que acontece após serem graduadas na melhor Faculdade? O que elas fazem?
-Jadeite: Não tenho muita certeza...
Alvo de muitas críticas, a educação no Japão é acirradíssima.
Para ingressar nas melhores faculdades, um estudante precisa ter feito parte
das melhores escolas do ensino médio, mas, para conseguir ingressar nestas
escolas eles devem conseguir passar pelos dificílimos exames de admissão (algo muito corriqueiro de ver esses
conflitos atazanando os personagens em animes/mangás escolares). No
primeiro anime de Sailor Moon, vemos as meninas estudando com afinco [menos
Usagi] durante as quatro temporadas. É tanto material, seja pra nível superior,
ensino médio ou colegial, que o aprendizado de tanta demanda está além dos
limites oferecidos pelas disciplinas da educação padrão, o que faz com que seja
necessário recorrer aos famigerados cursinhos.
Como vemos no episódio, Ami está participando de um (Seminário de Cristal), depois do
horário escolar. Como um complementar em que os alunos precisam comparecer
quase ou todos os dias uteis da semana, calcula-se que 60% dos estudantes no
Japão participam destes cursinhos. Também como se vê a certa altura do
episódio, a foto de Ami é estampada nos materiais promocionais do cursinho. Sua
alta classificação e o fato de ser considerada uma garota de alto QI faz com
que ela seja alvo de interesse do referido cursinho, que lhe dá uma bolsa. Seu
perfil interessa diretamente a eles, a fim de explorar a sua imagem. São cursos
caros, com fins lucrativos e altamente competitivos. Umino comenta que Ami é o
tipo de aluno que está na lista de preferidos de um curso do tipo para ganharem
bolsa de estudo, utilizando suas imagens e taxas de aprovação para atrair mais
clientes.
Essa característica, que faz com que estudantes que desejam
ter sucesso acadêmico tenham que fazer parte destes cursos, é um dos principais
alvos de críticas deste velho modelo de educação. Comenta-se que ao invés de
educar, o sistema de ensino japonês se destina unicamente a incutir nos alunos
um ideal de respeito às autoridades (como
por exemplo, a obrigação de se fazer partes de clubes escolares e a
subordinação de novatos – kouhais – a senpais – veteranos), sendo que não
abrangem as matérias que tendem a cair nestes tais exames de admissão.
Em Codename wa Sailor V, Minako (Sailor Vênus) é diretamente afetada por esta politica. Assim como
Ami, ela frequenta um cursinho, mas ao contrário da futura amiga, ela tem que
pagar para assistir as aulas. Ela também não gosta de estudar, mas é forçada
por sua mãe, que não quer que ela acabe em um beco sem saída como ocorrera com
o seu pai. Já Usagi, não participa de cursinhos, mas tem o apoio das amigas,
que montam grupos de estudos e estão sempre pegando no seu pé. Se não fosse
pelas amigas (Ami, Rei, etc), é
altamente improvável que ela tivesse conseguido ingressar numa escola de ensino
médio. Usagi reflete àquelas pessoas que não ingressam nestes cursinhos, e o
seu perfil é o padrão de uma mulher japonesa daquela época. O único objetivo de
Usagi é se casar. Ela quer um príncipe e viver a realidade de um conto de
fadas, logo ela não perde muito tempo em busca de objetivos práticos para seu
futuro. Ao contrário de Ami, que deseja seguir carreira de médica e atender as
expectativas da sua mãe.
Entender o pouco do passado de Ami, também ajuda a
compreender este contexto politico representado na obra. É dito que o pai de
Ami era pintor, e se encontra divorciado de sua mãe, que é independente e segue
a carreira de médica – há meio que uma inversão de papais aqui, já que é
subtendido que o pai é um personagem com talentos artísticos, mas sem recursos,
enquanto a mãe é rica. Ami sonha em seguir os passos da mãe, tanto na carreira
quanto na independência. Enquanto Usagi, no futuro, é retratada como uma mulher
que só escreve em hiragana e katakana (os
dois silabários mais simples da língua japonesa). Sua capacidade de usar
Kanjis (ideogramas chineses, que possuem
um nível maior de complexidade e denotam vocabulários mais robustos e completos,
realçando a capacidade intelectual da outra pessoa) é sempre demonstrada
repetidamente como inexistente. Se Usagi não fosse a princesa da Lua (ops, spoilas!), seu futuro ou seria
muito difícil ou morando com os pais ou seria simplesmente uma dona de casa.
Falando em contrastes, o episódio novamente contrasta a
velha com a nova tecnologia e o resultado é curioso, já que Usagi na velha
versão não sabia usar computador (e a
Luna ainda tira onda com a cara dela) e os alunos do cursinho utilizam
disquetes (!) para estudar. Por
outro lado, o texto acaba prejudicando a logica da ação, que neste episódio soa
ainda mais ingênuo e tolo. Se lá a Ami como Sailor tinha um papel importante na
derrota do monstro da semana, neste ela não demonstra ter função alguma, o que
se justifica na mudança de golpes utilizados. Falando em golpes, a transformação
da Ami em Sailor Mercury, além de uma concepção pouco imaginativa para uma
sequência animada, também revelou um 3DCGI extremamente bisonho. Eu olhava –
absorta – e ficava me perguntando se a intenção deles com aquelas ondas
metalizadas era representar a água. Por um estante cheguei a cogitar não se
tratar a uma referência ao icônico T1000 do O Exterminador do Futuro 2 (Terminator 2: Judgment Day), o que me
soou ofensivo aos bons efeitos especiais do filme. Obviamente, me senti enojada
com o trabalho porco para uma série tão especial do qual guardo tanto carinho.
Tá certo que é apenas um fanservice para, principalmente,
nostálgicos, mas poderiam caprichar mais nos pequenos detalhes. A este passo, Sailor
Moon Crytal não terá muito do que ser relembrado num futuro nada distante,
tendo em vista que apenas o exterior – a casca – se destaca positivamente.
Avaliação: ★ ★ ★ ★ ★
Temas Relacionados:
-Sailor Moon Crystal Act. 1: De Volta às Origens
Avaliação: ★ ★ ★ ★ ★
______________________
Temas Relacionados:
-Sailor Moon Crystal Act. 1: De Volta às Origens
***
Curta o Elfen Lied Brasil no Facebook e nos Siga no Twitter