Okay. Esse último movimento foi desconcertante. Edição,
cortes, roteiro e direção, tudo fluindo em um episódio provocante.
Deixando de lado o equivoco dos animadores 3D ou do responsável
pelo storyboard na representação e jogadas das peças de xadrez, esse episódio
de Zankyou no Terror tratou de subverter toda a estrutura narrativa adotada até
então e, pela primeira vez, não temos um caso episódico nem Sphinx dando as
ordens. Tudo se inverteu de uma forma que, para mim, foi surpreendente e
desconcertante. Isso é conflito, é drama e entrelaçamentos de subtramas. Em
outras palavras, vivacidade e acontecimentos. Ainda não sei dizer se gosto ou
desgosto , se é bom ou ruim (na espera
do próximo), mas certamente injeta um novo gás na trama e nos leva rumo à
convergência final. Além disso, esse episódio trata de evidenciar para o
espectador incauto que as câmeras existem no universo da história (nos anteriores já ficava obvio que Sphinx
manipulava o sistema de vigilância e deixavam a mostra apenas o que lhes
conviam – como Nine infiltrando a bomba num prédio da policia) e que aqui,
o FBI recebeu plenos poderes para fazer o que bem entender, da MPD e alto
escalão do governo – inclusive, liberdade para colocar a vida de cidadãos japoneses
em jogo.
“Mas somos terroristas. Não é estranho que estejamos indo impedir uma
bomba?”
Talvez seja um pouco difícil, para alguns, de aceitar que
uma policia pudesse deixar que a vida de seus cidadãos ficasse em jogo, mas isso
é o que faz universos ficcionais serem o que são. Embora eu não teria tanta
pressa em afirmar que coisas assim não acontecem na realidade. Os bastidores do
poder é uma cortina de fumaça repleta de podridão, logo, você provavelmente não
se surpreendeu quando Nine disse a Twelve que Five pode simplesmente deixar a
bomba explodir e deixa-los assumirem a culpa. Afinal, são terroristas. É o
esperado deles, não? Mas eles são nossos “não-vilões e não-heróis”. São
terroristas do bem. Bons garotos. Só querem expor a verdade. Cumprir sua
jornada.
Devo confessar que, particularmente, não gosto de
antagonistas tão puros e bons numa proposta assim – e é o que me fez fazer bico
e levantar as sobrancelhas quando os vi aceitarem o jogo perigosíssimo da Five
e se exporem daquela forma. Caralhos! O potencial de conflitos numa história
com antagonistas que fossem cinza ou “verdades, azuis lilás” e menos
preto-branco seria altíssimo e realmente criaria uma atmosfera desequilibrada e
altamente nervosa. Mas bem, essa sou eu. E não sou eu quem está escrevendo. A verdade é que Shinichiro Watanabe escolheu o caminho mais
difícil para tecer sua narrativa, uma jogada arriscada, e, portanto ousada. Apesar
disso, eles me convencem não como “bons garotos”, mas como humanos. Consigo me
colocar no lugar deles. Nine pergunta pra Lisa se ela teria coragem de matar
alguém, explodir lugares colocando a vida das pessoas em risco. Apesar de ela
querer fazer parte ver o mundo ir pelos os ares e gostar do cenário caótico, na
hora de fazer é bem mais complicado para quem não foi condicionado para tal (oh bem, tem as exceções de sempre). Qualquer
pessoa nesse mundo é capaz de matar alguém, mas isso é diferente quando você
precisa fazer a sangue frio e nenhum motivo pessoal por trás.
Por isso eu consigo compreender Nine – curiosamente, a
narrativa deixa evidente que Twelve age mais pela vontade do amigo do que por
ele próprio, o que corrobora com a complexidade subjetiva que o personagem
aparenta. Fica a impressão de que ele, por ele próprio, estaria pouco disposto
a se arriscar tanto para tirar as bombas (voltarei
neste tópico mais adiante). Claro que o jogo deles é inconsequente e por
mais que eles tomem todas as precauções e reduzam o risco de erro a um número
próximo a zero, sempre há o acaso. No entanto, o acaso, ao menos por agora, não
tem sido de interesse da proposta narrativa e não há nenhum problema nisto.
Você já parou para questionar o porquê de personagens femininas saírem de
madrugada sozinhas e nada acontecerem a elas, mas em outra história, a
personagem fazer a mesma coisa e lhe acontecer algo terrível? Isso é tudo sobre
propostas narrativas. Em Thelma & Luise, duas mulheres se envolvem em um
monte de confusão, são procuradas pela policia, fogem pela estradada de carro,
roubam e provocam caminhoneiros e só são paradas ao final por um pequeno
equivoco delas. Se fossem reais, pode ser ou não que tivessem sucesso na fuga
por tanto tempo, é possível que até conseguissem fugir e se darem bem, mas cá
entre nós: não tente essas loucuras! O acaso é como jogar apostando tudo o que
você tem. Mas na ficção, escritores são os deuses do acaso e podem gerir a
situação do modo que lhes convier. O destino está em suas mãos.
Twelve, dos dois, é o que se apresenta mais paradoxal. Ele é
capaz de atitudes nobres como acolher a Lisa, mas também se mostra imprevisível
e com as garras ocultadas pelo sorriso infantil, ao ponto de cogitar detonar
essa mesma Lisa. Comparar os dois e toda essa questão de matar ou não matar,
deixa apenas uma dúvida: Nine acusa Twelve de salvar Lisa, a testemunha ocular
de seus crimes. Depois de colocar sua pele e jogo em risco para salvar
inocentes, ele seria mesmo capaz de deixar Lisa para morrer, como sugere a
Twelve? Twelve conhece Nine como ninguém, sabe que no fundo o amigo seria
incapaz e ele apenas mantém uma máscara – minto; Five é outra que conhece muito
bem os pontos fracos do colega e rival de infância, e só por isso consegue
jogar com ele dessa forma, utilizando suas fraquezas para encurrala-lo e o
fazer ir até ela. É o que eu chamaria de uma namorada obstinada. Twelve por
outro lado, cogitou deixar Lisa morrer. Fez, o que para mim, Nine seria incapaz
de fazer: tanto o ato de deixar a bomba em suas mãos como o fato de querer acolhê-la.
É contraditório, alguém disse. De fato.
As emoções humanas são contraditórias. Twelve sabe o que deve fazer, mas algo o
impede. De alguma forma ele se ligou à Lisa.
Como e por que fica mais obvio neste episódio. Numa
sequência de extrema subjetividade, as emoções internas de Twelve ao avistar
Lisa no terraço são representadas visualmente através de penas brancas
[alusivas a pureza, ao mundo espiritual], que ao invés de descerem, sobem. Essa
inversão na ordem natural demonstra que ele vê ou sente algo extraordinário que
quebra o fluxo natural. Ele tem sinestesia, ou seja, sensação subjetiva. “Sim,
mas sabe, eu raramente vejo uma voz com cor”, diz Twelve. O que torna o
caráter surrealista e fora do fluxo dessa sequência um grande acerto. Ver vozes
com cores não é natural, além de ser muito subjetivo e uma confusão de sentidos.
A cor amarela, em voga neste episódio, é atribuída à
Five quando criança. Na simbologia universal das cores como estudo psicológico,
a cor amarela é também atribuída à esperança. Seu brilho é tão intenso quanto à
explosão metafórica de Five. Por isso Twelve diz a Nine que Lisa lembrava a
instituição, numa clara alusão à Five. O passado os persegue. Em especial a
Nine. Mas por quê? Ele diz ficar foi escolha dela, mas esse ponto de história é
ainda um tanto obscuro. O fato é que não são apenas perseguidos literalmente
por Five, mas também subjetivamente. Como se nota, ele tem pesadelos frequentes
com a garota (essa Five é mesmo o
TERROR!). O fantasma do passado os persegue e Twelve vê em Lisa algo que o lembra
deste passado. Não apenas isso, mas também se mostra ligado a ela (de uma forma não romântica, pelo que se
mostra). Seria uma tentativa inconsciente de reparar algum equivoco do
passado ou pelo fato de Lisa lembrar como eles eram naquele instituto? Amarelo
circunstancialmente também pode aludir à traição e descontrole [alguém que vai
além do seu limite, dispersando a energia em torno de si mesmo]. Algo que vai
de encontro àquela metáfora visual.
Seja como for, Twelve se sente intrinsecamente ligado a Lisa
e isto remete ao passado. Ele não ter conseguido abandoná-la 3 vezes (na primeira, quando estava sendo vitima de
bullying. Na segunda, ao estar no lugar errado e na hora errada e na terceira
vez, ao enfim lhe estender as mãos), mostra que suas ações são muito mais
do que pura bondade do pequeno lobo. Está mais para o fato de que ela mexe com
ele, se sente ligado. Naturalmente a fragilidade e a desesperança no olhar vago
de Lisa que se agarra na única coisa que vê à altura das mãos pode lhe remeter também
a identificação. Isso também correlacionado a toda aquela questão do destino,
aludido pelos primeiros episódios. No plano da imagem abaixo, Lisa se apega às
grades, da mesma forma que ele e Nine quando fugiram do instituto – e enquanto
seguravam firmes, olham para trás e veem Five caída. Em algum momento entre o
episódio 1 e 2, Nine diz a Twelve que embora apenas os fortes sobrevivem, em
referência às crianças que não ficaram para trás (isso me faz indagar se eles realmente sabiam onde Five se encontrava
ou como ele se virou nesse meio tempo. Eles parecem aturdidos com a presença
dela).
Em tempo, amarelo também pode significar inteligência, o que
Five tem de sobra, mas Lisa não demonstra ter tanta. Enfim, Zankyou no Terror
revira o tabuleiro e deixa subtendido que há muito mais do que a fixação de Five,
quase sexual, por Nine. Alguém não quer que a verdade venha à tona e, para isso,
conta com interesses comuns do alto escalão politico do Japão. Afinal, não
deixariam os EUA tomar conta e colocar vidas em risco apenas por gentileza. É
uma jogada obvia, mas acentua ações como as vistas nestes dois últimos episódios.
Deixar pessoas inocentes morrerem? Ficar de braços cruzados? A Sphinx precisa
ser parada a qualquer custo, é o que se subtende. Five ri debochadamente da
capacidade policia japonesa, mas o que faz, é exatamente não relevar nenhuma
consequência dos seus atos, afinal, o que lhe importa é desafiar Nine. O
aeroporto é um jogo de tabuleiro, e devo dizer, que para ela deve ser mais
interessante a partida do que a simples captura deles. Seus olhos ao ver que
aceitaram o desafio é de excitação de um jogador quando encontra um adversário
à sua altura. Nossos protagonistas “não–heróis” e “não-vilões” estão
encurralados, mas de alguma forma, peças que não deveriam se mexer sozinhas (Shibasaki e companhia) começaram a
agir por contra própria. O desfecho dessa nova subtrama com tantos
desdobramentos possíveis é imprevisível. Um desastre, serem pegos, saírem ilesos,
Shibasaki descobrir que há algo de pobre na banda do FBI – tudo isso é possível
e desde já na alta expectativa aqui.
Aux. Direção: Kazuya Iwata, Minoru Yamaoka
Direção: Shinichiro Watanabe
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-Awww, os dois são tão bonitinhos juntos. Não consigo vê-los como algo romântico, mas soa um relacionamento fraterno que dá certa leveza ao ambiente.
-Zankyou é uma série que foca bastante na face dos personagens e trejeitos minimalistas, mas esse episódio em especial trouxe alguns enquadramentos fechados nos olhos de personagens chaves, de uma forma que foi difícil não reparar. Cada um com aspecto diferente no olhar.
-Eu ia deixar essa observação lá em cima, mas ia quebrar a fluidez do texto. Acho as implicações de "jogar a culpa nos terroristas" abordado no anime algo que dificilmente teria exito, por envolver uma logística tão complexa quanto aquela. Seria dificílimo que a verdade pudesse se manter oculta por muito tempo, quando um aeroporto inteiro foi pelo ares e tanta gente direta e indiretamente sabe da verdade. Mas né, Five tá pouco se importando pra essas coisas!
-Eu ia deixar essa observação lá em cima, mas ia quebrar a fluidez do texto. Acho as implicações de "jogar a culpa nos terroristas" abordado no anime algo que dificilmente teria exito, por envolver uma logística tão complexa quanto aquela. Seria dificílimo que a verdade pudesse se manter oculta por muito tempo, quando um aeroporto inteiro foi pelo ares e tanta gente direta e indiretamente sabe da verdade. Mas né, Five tá pouco se importando pra essas coisas!
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