segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Comentários: Death Parade #04 – Death Arcade

[Fliperama da morte] Os réus da vez não são um casal, mas uma mãe e um jovem, num contraste inusitado. 
Comentário Anterior; Death Parade #03 – Rolling Ballade

A cena pós-crédito com Decim submerso em incertezas e reflexões sobre seus métodos de julgamento é reveladora, embora silenciosa e apenas focada em um olhar instigante que parece procurar em meio a escuridão um ponto de luz. Como julgar alguém, de acordo com suas ações no jogo, que aprendeu durante a vida a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para sobreviver, depois de ter sido enganado e destroçado diversas vezes? Esse episódio traz mais uma vez a tona um questionamento que tem se tornado cada vez mais ostensivo na série: a imagem que vemos de alguém com base em uma ou outra ação e aquilo que este alguém realmente é. O ser humano é abstrato e muito mais do que ele demonstra em uma ação ou outra. Tachibana Misaki (Yuriko Yamaguchi) tinha muitos pecados, mas demonstrava estar se tornando um ser humano melhor, redescobrindo o valor de sua família e com uma ânsia incrível de viver e estar ao lado deles. 
Como Decim diz a vida não é justa e a morte é intransigente, ela surge sem pedir licença sem se importar com contextos, mas os julgamentos do Quindecim tampouco o são também, a despeito de sua pretensão. Como julgar alguém com base na escuridão que emerge de um ser humano que está lutando por sua vida? Todo ser humano é um animal. Nós evoluímos, é claro, isto foi necessário para que fossemos capazes de conviver em sociedade e pudéssemos “evoluir”. Mas assim como cachorros preservam muito do seu passado primitivo, nós preservamos muito deste aspecto animal, que surge ferozmente – e não raramente inconscientemente – pela necessidade de sobreviver ou quando expostos a alta adrenalina. Tente colocar no pescoço uma corda e então pule, é obvio que você irá se debater numa tentativa desesperada de afrouxar a corda. Parece contraditório, uma vez que você pulou por livre e espontânea vontade, mas apenas é o instinto pela sobrevivência. Situações caóticas, que provocam extremo medo e pavor tendem a suscitar o pior de cada ser humano. Portanto, será que é realmente um bom método de julgamento a forma como as pessoas reagem nestes momentos? 

Misaki não era a melhor pessoa do mundo – assim como a maioria das pessoas não o são, com exceção de um Buda ou Jesus Cristo –, tinha um terrível lado humano e as condições e experiências ruins de vida a tornaram uma mãe questionável em determinado momento, mas demonstrou ter mudado em relação a sua família. Em relação a Tateishi Yousuke (Masakazu Morita), pelo pouco que vislumbramos dá pra ter uma ideia vaga de que ele fora o típico jovem que por causa de uma família disfuncional, acabou tendo seu comportamento perante o mundo e as pessoas totalmente moldado, e na boa, quem nunca passou por situação similar na adolescência? Lidar com a quebra de alguns paradigmas preciosos que cultivamos e acreditamos é complicado, assim como aceitar certas coisas impostas e acontecimentos definitivos. Se rebelar contra tudo e todos e se fechar em seu mundinho é geralmente a fuga de todo adolescente, mas quando crescemos, percebemos (tá, nem sempre) que muitas coisas que nos pareciam certezas eram apenas imaturidade ao lidar com a situação (nem tudo, claro). Yousuke passou tanto tempo fechado em torno de si, se negando a aceitar as mudanças (o fato de ele ser representado como otaku, certamente alude a esta esfera de uma vida estática e atrofiada) ao seu redor, que acabou perdendo a oportunidade de criar novos laços e viver novas experiências. E, sem expectativas e esperanças, comete o maior pecado segundo a maioria das religiões: tira a própria vida. 
Tanto Misaki quanto Yousuke, em termos de pecados, estavam balanceados. Ela certamente era mais vivida e manipulou parte da situação com sua expressividade e personalidade forte, enquanto ele era mais ingênuo e, vulnerável em relação ao sexo feminino, acabou se deixando afeitar não só pea força de Misaki, como também por seu apelo sexual. Num ato desesperado, Misako atinge Yousuke, e embora tenha se arrependido quando voltou a si, seu destino ganhou forma ali. Será justo condená-la ao inferno eterno em meio à escuridão e silêncio por isto? Este me parece ser o grande questionamento que Decim faz a si mesmo ao final, depois de ter influenciado nos resultados do jogo. Como ele mesmo comentou, fazer com que cheguem ao extremo é necessário para extrair-lhes as lembranças, mas pode isto ser utilizado como julgamento?

Death Parade nos brinda com um episódio fantástico em relação às diversas facetas de um ser humano, que pode ser bom e mal ao mesmo tempo, egoísta e caridoso, ardente e frio; dependendo de qual lado se enxergue. Certamente não somos boas pessoas para todas as pessoas e nossas ações nem sempre possuem motivações generosas, mas isso é parte do que é ser humano, e este episódio capta isto com absoluta harmonia. Tornou-se o episódio mais intenso e profundo da série, aquele que conseguiu atingir o aspecto dramático mais humano até então. Não há tanto de suspense ou de elementos thriller, mas há uma quantidade enorme de valores humanos e conflitos complexos onde apenas o “sim” e “não” e “culpado” e “inocente” não são uma resposta que satisfaz plenamente. O que é mais impactante e desconfortável na situação da Misaki não é ela ter sido enviada para o inferno, mas o seu lado materno que surge avidamente e as suas suplicas para que pudesse não ser enviada ao paraíso, mas que lhe fosse permitida voltar para junto dos filhos, seus olhos ardiam verdadeiramente em suplicas. Com Yousuke, o que mais faz remoer os instintos é ele não ter sido capaz de fazer uma coisa tão simples, que estava ao seu alcance, mas que agora era tarde demais para realizar. 
São todas coisas que afetam nossa psique em relação à inconformidade que a morte pode causar, pois ela é definitiva e mesmo em um universo como o de Death Parade, a vida ainda é uma só, mesmo que reencarne, não será mais a mesma. Neste sentido, é interessante observar o quanto Decim tem mudado e parece estar cada vez mais consciência e humanidade, ao ponto de sentir o peso de seu julgamento na palma de sua mão – e bem, mesmo suas decisões são definitivas e não se pode voltar atrás. O que lhe resta é apenas saber lidar com isso e agregar cada experiência em sua formação em um individuo cada vez mais evoluído. O seu abraço fraterno e cheio de calor humano acabou se tornando o clímax do episódio, em ação inesperadamente envolvente e solidária de um ser que até então era frio e impassível. Que momento magnifico! 

Este é um episódio muito agradável em termos de direção, como havia muita tensão e drama em torno dos personagens, a narrativa ao invés de trilhar caminhos de suspense, opta por uma introdução leve e bem humorada [e agradavelmente diversificada no modo como os personagens reagem aquele ambiente, achando que tudo não passava de uma pegadinha], que vai se transformando gradativamente em um cenário hostil e com sentido de urgência. É bom saber que Death Parede ainda pode surpreender sem precisar alterar toda a sua formula para isso. No momento, Decim tem sido o personagem fixo mais instigante, vejamos aonde ele irá chegar.

Avaliação:  ★★★★★
Staff do Episódio
Roteiro: Yuzuru Tachikawa
Storyboard: Keiji Gotoh/Yuzuru Tachikawa
Direção do Episódio: Shin'ichirō Ushijima
Diretor Chefe de Animação: Shinichi Kurita
Diretor de Animação: Kyung Nam Ko
Direção: Yuzuru Tachikawa
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