sábado, 21 de fevereiro de 2015

Sailor Moon Crystal Act. 7: Mamoru Chiba... O Homem das Fantasias de Naoko Takeuchi

Neste episódio, Mamoru. O Homem. A lenda. O puro tesão. Que mela todas as calcinhas. 
Se você pegar este episódio e fizer uma comparação com o mesmo capítulo do mangá que ele adapta, terá uma mini-aula dinâmica a respeito de ritmo narrativo, algo que é tão difícil de definir. Aqui percebemos o quão ruim pode ser a narrativa da tia Naoko Takeuchi em Sailor Moon e, que sim, as pessoas têm razão de desgostar do mangá quando o conhecem hoje – visualmente é algo completamente datado e ruim até para a época. É durante as sequências de ação que isto se torna ainda mais evidente, falta timing e sobra vácuo entre um quadro e outro que deveria ser preenchido com alguma ação, mas que simplesmente inexiste.

Oh bem, não estou aqui para traçar criticamente quadro-a-quadro do mangá, mas eu não pude deixar de ser tragada para esse vórtice contemplativa quando peguei minha edição do mangá aqui e me pus a reler este capítulo. Ainda assim, há coisas ali que eu prefiro no mangá ao anime, coisas triviais que somente um fã se ateria, devido a sua paixão pela obra e seus personagens. Por exemplo, na cena da locadora em que Naru-chan encontra as amigas, no mangá há uma sutil caracterização que torna o dialogo dela mais importante e curioso, do que aquele que vemos no anime. Ela diz que estava em uma locadora escolhendo filmes para assistir, pois a Usagi ultimamente andava muito ausente – em suas palavras; ocupada. No inicio, percebemos que Naru é a amiga mais próxima de Usagi, no entanto, com o despertar como Sailor Moon e sua aproximação às outras garotas, ela parece realmente um pouco mais distante da vida que levava antes. É algo que soma à relação das personagens, embora definitivamente Takeuchi tenha pecado em dar mais substância às outras Sailors, neste inicio.

Consequentemente, sendo uma adaptação o mais próxima possível do original, também peca. Mas não era o desejado, uma adaptação fiel? O anime tem mais técnica narrativa e recursos que Takeuchi não possuía, e no entanto lhe falta um tanto de personalidade, inventividade, enfim... vida. Se eu não fosse uma fã, provavelmente já teria perdido o interesse, mas como uma fã... o anime me dá possibilidades de discutir certas coisas que sempre quis, em pílulas. Tal como em relação à história em si. É impressionante como o imaginário de Takeuchi por vezes é tão imaginativo e brilhante, e em outros aspectos simplista e raso. A ideia de mal no universo desta primeira fase da série é o que me chamou a atenção desta vez, ao me defrontar com Queen Metalia e Queen Beryl. Metalia é uma massa de gás que representa este mal maniqueísta, sem forma, que apenas assombra e traz desolações – bastante adequado, devo dizer. E apesar do potencial do conceito, isto não é algo realmente explorado com criatividade, tudo se resume a busca por um item precioso e inimigos que devem ser abatidos, e assim o enredo é levado adiante.
Falando do que realmente importa, enquanto o episódio anterior apesar de levar o nome de Tuxedo Mask se centrava mais na figura de Usagi/Sailor, como uma contraparte, este se centra em Mamoru... é de certo modo curioso que o título seja “Tuxedo Mask”, acompanhado de três pontinhos, e logo após “Mamoru Chiba”. Soa como uma contraparte à Usagi no episódio anterior. E bem, é desta forma, com episódios conectados, que Takeuchi desenlaça o seu par romântico por um romance idealizado (como ela mesma disse em determinada entrevista, este é um mangá shoujo voltado às garotinhas, então mesmo tendo mais lutas que o normal, ainda haveria romance). Já comentei em posts anteriores o quanto Mamoru/Tuxedo Mask é este príncipe encantando idealizado, e que seu papel é ser o apoio emocional de Usagi (Mamoru Significa “proteger”. Já Chiba é traduzido como “terra” [地chi] e “lugar” [場ba], podendo ser entendido como “protetor da terra”)

Ele corresponde ao arquétipo típico do herói do shoujo mangá de romance; é romântico, um pouco distante, estoico, reservado, chegando a ser frio e sarcástico no primeiro contato mas depois demonstra um desejo ardente de se dedicar completamente à sua escolhida, e claro, este príncipe idealizado ter uma áurea de mistério em torno de si é um dos principais complementos, pois se desnudar o seu passado, é que se encontrará através de uma história triste não apenas a justificava do seu comportamento anterior, como também é um irresistível apelo moe/romântico/protetor que despertará no leitor uma vontade de tê-lo em seus braços. Mamoru não é tão hardcore em suas atitudes iniciais, como tem sido muito em voga atualmente, seu estilo é clássico, sempre cordial com apenas um toque de provocação. Na minha cabeça, Mamoru é o tipo de mocinho galante que está um pouco fora de moda e que faz sucesso principalmente com o publico mais velho, inclusive sua faceta como Tuxedo Mask, em smoking impecável, cartola, e atirando rosas vermelhas, é uma fantasia fetichista que é definitivamente muito anos 80/90.
E bem, a Usagi, de todas as guerreiras, é aquela que mais representa a garota contemporânea da época, passando a maior do tempo suspirando por romances fantasiosos e pensando homens, sonhando em ser uma princesa. Eu imagino que a primeira cena do episódio/mangá, de Usagi acordando na cama de Mamoru, tenha despertado muitos suspiros virginais – eu mesma achei a progressão muito bonitinha, com o ponto alto acontecendo quando ele instintivamente a agarra por trás, no intuito de impedir sua partida, mas logo em seguida recobra a razão e a libera. Esta cena no anime ficou bem mais quente e sexualmente climática, com os dois tomando uma posição que desperta muita libido. Francamente, eu fiquei hot, vocês não? Cof, cof... err... Portanto, os dois personagens são a contraparte um do outro, nasceram do mesmo ideal, são como Utena e Anthy
O mais engraçado é o quanto Mamoru/Tuxedo desempenha em Sailor Moon o papel clássico da donzela em perigo devido a sua importância afetiva para a heroína. Ou seja, o que Takeuchi faz é uma completa inversão de papeis. Falo em inversão completa, porque definitivamente ele é arquétipo clássico deste tipo de personagem. Veja bem, ele não tem poderes importantes (como protetor da terra, apenas psicometria; capacidade de ler sonhos e de curar. Em outras palavras, habilidades tradicionalmente associados ao feminino), seu desenvolvimento não é grande e tampouco tem tanto tempo de tela e quando surge, é sempre pensando ou agindo em prol da heroína, não dá pra dizer que ele tenha uma razão própria, uma motivação particular. O que o move é Usagi e ela é tudo o que ele ambiciona. Ele só existe para ela. Enquanto ela própria possui muitos conflitos e aspirações. O que dá forma a Mamoru são as fantasias femininas, ele não soa como um ser humano, de fato. 
Nas palavras da Takeuchi, ela diz ter projetado Tuxedo Mask como seu próprio ideal de um homem, “forte e silencioso, inabalável, um pouco como o Capitão Harlock” – diz ela revelando suas preferências. Mas, segundo ela, embora ele seja fruto de suas fantasias, seus amigos estavam sempre se queixando sobre o fato de Usagi ter se apaixonado por “um cara tão inútil”. Em uma entrevista de 1996 para a revista Animerica, Takeuchi afirma que a razão de raramente expandir seus personagens masculinos (com exceção de Tuxedo, que recebe um pouco mais de tempo), era porque queria mostrar que a amizade entre as garotas importava mais, assim como sua dinâmica de grupo. Através da amizade, ela demonstra que as garotas são fortes e poderosas, e podem ser independentes e felizes, tenham ou não um namorado, e que suas ambições vão além da imagem de um homem. Levando isso em consideração, fiquei um pouco sobressaltada de ver o Tuxedo do anime reagindo tão fortemente e a possibilidade desta conceitualização original se perder, enquanto no mangá ele se mantém incapaz de agir. No fim das contas, cheguei a conclusão de que não se trata exatamente de uma reação, onde Tuxedo iria se tornar uma figura que salva. Na verdade, é uma ação voltada para o aspecto romântico, que no anime, é melhor ressaltado, com um clímax que, diferentemente do original, o leva a crer que o que ele deseja não é o cristal, e sim Usagi. É uma boa alteração, afinal, no fim das contas ele, apesar da resistência, ainda não é capaz de se equiparar em poder aos vilões e consequentemente, as garotas continuam dependendo apenas delas mesmas. E de certa forma, é um esforço digno em tornar Tuxedo Mask um personagem mais forte, não fisicamente, mas em termos de presença. O importante, é que a ideologia original em relação às garotas permanece fiel. 

P.s.: Mamoru chama Usagi de Usako, utilizando o sufico “ko”, que se traduz como “menina” ou “criança”, usado como complemento de tratamento (como “chan”, “chin”, “tan”). No caso de Usagi, foi apenas um apelido carinho com um apelo mais infantil, que pode se traduzir como “Menina-coelho” (seria difícil achar um equivalente mais adequado em português, mas pode se dizer que o sentido é o mesmo que você chamando sua namorada de “princesinha”. É pra soar fofo e infantil, já que Usagi ali tem em torno de 13 anos). Forma carinhosa e fofa de tratamento, que naquele contexto detona intimidade. Por isso agora, Mamoru, para Usagi, é “Mamo-chan” (que traduzindo, seria algo como “Mamorzinho”, Mamoruzinho”). Estes dois realmente estão alinhados!

Aleatoriedades
-Esse episódio de Crystal marcou pelas referências ao primeiro anime de Sailor Moon. Essa é fácil de se sacar: na expressão de Umino, a mesma fisionomia enigmática do Professor Souichi Tomoe, na terceira temporada do anime. Ainda tem mais uma, mais difícil, que é a cena onde Zoisite saca um enorme cristal para matar Tuxedo Mask [e em seguida, Sailor Moon]. No episódio 34 do anime clássico, o vilão surge com um enorme cristal para matar Sailor Moon, mas atinge Tuxedo Mask, que se atira para protegê-la.
-Narumi Kuroda, funcionária de longa data do estúdio Toei Animation, tendo trabalhado em diversas séries Precures, foi a diretora de episódio e também fez o storyboard. As referências para o Sailor Moon anime clássico, provavelmente partiram dela. E, destaco as imagens acima, para mostrar que ela tem uma ótima visão de cenário e câmerawork. É uma pena a animação de Sailor Moon não ter cenas legais e com diversos cortes durante as lutas e cenas de ação, mas a arte de fundo e coloração continua impecável, e em especial neste episódio, a visão de layout de Kuroda é sensacional em suas tomadas de longa distância. Os tons meio aquarelados, mas com cores frias, durante o flashback também ficou ótimo.
-Fiquei sabendo que houve um erro de continuidade na aparição [fantástica!!!] da Sailor V, em que ela aparece com uniforme comercial de Sailor V, e depois com o de guerra. Como assisti a versão BD, não peguei esse erro, nem outros que porventura tenham surgido.