segunda-feira, 9 de março de 2015

Morre Tatsumi, mas seu legado fica

Mais uma lenda dos mangás se despede.
Yoshihiro Tatsumi, conhecido mundialmente como o pai do Gekiga, morreu no último sábado dia 7 vitima de linfoma maligno. Tatsumi foi um nome muito importante no advento do mangá moderno, se colocando a esquerda do deus do mangá Osamu Tezuka, ao desenvolver um estilo e narrativa completamente diferente daquela que havia se tornado tendência com Tezuka, com uma temática mais adulta e madura – este é o gekiga, como se tornou conhecido, que influenciou até o grande deus Tezuka.

Como a história de Tatsumi evolui e se confunde com a própria história do mangá, vale uma mini-biografia rapidona:

Nascido em Osaka em 1935, Tatsumi foi um apaixonado por quadrinhos desde a tenra idade, tomado conhecimento através do seu irmão mais velho das obras do ainda jovem Osamu Tezuka (1928-1989) – aos 14 anos ele enfim conhece o ídolo, que se torna uma espécie de sensei para ele, mais tarde. Começa a nascer nele o desejo de contar histórias através de desenhos. Em 1952 ele recebeu uma oferta do mangaká Oshiro Noboru (1905-1998), que lhe queria como assistente, mas Tatsumi decide rejeitar a oferta, tendo a oportunidade de apresentar seus trabalhos para a editora Tsuru Shobo em 1954, que publica seu primeiro mangá com o seu nome na capa. 

Depois de terminar o colegial, Tatsumi começou a trabalhar para o mercado dos mangás de aluguel (kashihon'ya), até se tornar o principal autor da Hinomaru Bunko, para o qual ele criou uma série de obras curtas realistas e maduras, quase cinematográficas. Sua popularidade cresceu a tal ponto que se tornou o nome da ponta da “Kage” (Shadow), uma revista especializada em histórias em quadrinhos de mistério e crime. Até então, os seus trabalhos apesar de já despontarem para um estilo próprio, haviam seguido a tendência do momento, mas em 1957, ele produz um conto intitulado Yurei Takushi, através do qual inicia o caminho da libertação do rótulo de mangás com “leituras leves e não graves” e “bem-humorados” e “infantis”. Para descrever o seu novo estilo, ele inventou um novo termo – gekiga – enfatizando a diferença entre os dois gêneros, para ressaltar os acontecimentos dramáticos e violentos narrados. Cria-se então uma espécie de rivalidade com Tezuka. São publicados naqueles anos os títulos que o levaram ao sucesso: Pikadon sensei (1954), 33 no Ashiato (1955), Yami ni warau otoko (1955), Koe Naki mokugekisha (1956), Kaette kita otoko (1956), Kuroi fubuki (1956) e Shikakui Senjo (1962).

Durante os anos sessenta, Tatsumi Yoshihiro continuaria a escrever histórias com o mesmo entusiasmo de sempre. O público não o abandonou naqueles anos, o elegendo como um representante de um importante e controverso estilo de desenho adulto, dramático e introspectivo. Suas histórias foram frequentemente alojadas na clássica e extinta revista Garo, que dedicou várias edições especiais  ele. Nos anos setenta, no entanto, as antologias especializadas em diversos públicos enfim começam a surgir – como a Shounen Jump, que surgiu no por do sol dos anos sessenta e raiar dos anos setenta – e fazer sucesso com seus demográficos, o gênero gekiga não só influencia e naturalmente evolui para as obras do demográfico seinen, como também é engolido por ele – com o lento declínio do gênero gekiga, o trabalho de Tatsumi também começou a cair lentamente no ostracismo ao não cativar o novo publico, que encontravam opções que não existiam antes, com boas histórias e um estilo de arte muito mais comercial que o do gekiga. Incansável, no entanto, o seu nome continuava importante, sendo convidado para algumas das antologias famosas daquele período (Young Comic, Shukan Manga Times, Shukan Manga Sunday), onde ele se esforça para se adaptar à nova realidade e criar histórias longas e detalhadas, muito longe do modelo de “tanpen” (conto) típico presentes no gekiga . Às vezes, trabalhando com o roteiro de outros colegas (Hanato Kobako, 1928-1983), como no caso de Za Gyanbura (The Gambler, 1977), ou explorando novos e desconhecidos territórios para ele, como o da ficção científica (SF Modoki, 1983) e da satirização (Jigoku no gundan, 1982).
Seu nome voltou ao centro das atenções graças a Gekiga Hyōryū (A Drifting Life), dentro do qual traça a sua entrada no mundo dos quadrinhos, relembrando seu passado com um estilo franco e apaixonado, vibrante e metamórfico. Além de oferecer-nos um vislumbre de interesse histórico, Tatsumi nos dá neste trabalho umas das mais intensas e significativas histórias dos quadrinhos japoneses.

Ao receber o prêmio Tezuka Osamu com Gekiga Hyōryū, Tatsumi agradeceu e comentou com estas palavras:Foi um trabalho difícil, mas agradável. Eu percebi que para mim é impossível ficar longe do gekiga”.   

Continuaremos a nos lembrar dele como o pai da gekiga, merecidamente. Drifting Life (publicado nos EUA) é talvez a sua obra conhecida, uma espécie de autobiografia romanceada que atravessa a vida do autor, da infância à vida adulta, centrando-se principalmente nos seus processos criativos e a distinta visão criativa com o irmão acerca do que constitui a essência do mangá gekiga. Ainda apresenta com densidade o desenvolvimento socioeconômico e político do Japão, explorando o crescimento da classe média, dos empregos e dos níveis de educação cada vez mais acessíveis, as relações internacionais interligadas à sua própria história. Enfim, são muitas histórias que definitivamente merecem serem conhecidas, justamente por seu valor histórico-cultural para a indústria. 

Drifting Life ganhou uma adaptação em um documentário biográfico com sequências em animação que contou com uma mãozinha do autor, intitulada “Tatsumi” – que chegou a ser indicado ao Óscar. Ou seja, um autor underground de um período importante para a história da cultura japonesa que conta com mangás publicados no ocidente, traduzidos por scanlators e um documentário é uma oportunidade único de acessibilidade se tratando de um movimento em que a maioria de seus autores e suas obras estão fora do alcance até mesmo no Japão. Só não conhece quem não quer. 

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