-You're strong, Berserker
Supõe-se que uma visual novel seja um meio visual, mas é na verdade 90% de texto, além de contar com regras próprias de estrutura de narrativa. Se é Nasu, com seus conceitos internamente consistentes e narradores não confiáveis, e etc, mover todas essas coisas para um meio de audiovisual para que o publico possa vê-las, ao invés de simplesmente narrar e jogar telas de textos explicativos, obviamente muitas dessas coisas irão se perder, por melhor que seja a adaptação. Um caso interessante aqui é que há 3 rotas em Fate/Stay Night (Fate, UBW e Heaven’s Feel), e a principio elas podem ser encaradas como rotas independentes uma da outra, com inicio; meio; e fim cada uma, mas logo se percebe o equivoco dessa afirmação ao notar a forma como ambas se relacionam, expondo um cenário muito maior do que se imaginava inicialmente, com a evolução dos personagens, suas relações, conflitos e motivações. Ou seja, algo que não é tão trabalhado em uma, recebe um melhor tratamento na seguinte. Shirou é o melhor exemplo que temos, pois cada uma explora uma faceta do moleque (Fate é a mais irritante nesse sentido, claro) com diferentes consequências, mas com um único proposito.
Mas por que toda essa intro em para comentar um episódio aparentemente tão foda como o desta semana? Porque por melhor que seja essa adaptação, ainda podemos notar algumas sequelas intransponíveis em relação ao material de origem, que para sermos justos, seria impossível de ser evitada sem transformar totalmente o conteúdo da série, transformando UBW em uma outra série. Aqui vemos o passado de Illya e passamos a compreender melhor as suas ações, no entanto em UBW ela não possui tanto tempo de tela quanto em Fate e HF [a primeira e última rota], e mesmo com aquela inserção da cena do banho no primeiro cour (primeira parte) do anime, a tendência é que para marinheiros de primeira viagem, tudo isso soe forçado e abruto – quando na verdade, isto tudo é como uma resposta ao que vemos em Fate, que precede UBW; as razões daquela garotinha em agir de modo tão hostil para com Shirou e da razão de odiar Kiritsugu. Para quem acompanhou somente Fate/Zero, certamente o que leva Illya a se tornar o que é permanecia intrigante, no entanto, a falta de uma ponte é visível. Isto acontece porque definitivamente está faltando algo que ligue Illya aos expectadores, que desnude melhor a sua persona no tempo atual.
Oh, claro, tenho consciência de que o publico de UBW é em sua maioria grande conhecedor da história, sendo HF talvez a única rota que reserve um pouco de surpresa para muitos (não sobre Sakura, mas outras coisas). Ainda assim, a ausência é sentida. Bem, os arquitetos do ufotable não conseguiram superar a narrativa histriônica do Nasu nessa batalha épica entre dois heróis antológicos de peso-pesado, mas foi bastante decente devo dizer. Não houve momento em que eu não estivesse completamente absorvida e mesmo já conhecedora dos fatos, emocionada (afinal, dá um aperto no peito ver Illya com aquele corpinho correndo para a porta, para ter o seu sorrido cortado pelo gelo). O encerramento, com Illya e Berserker seguindo seu caminho pelos vales da Winter Forest, com um fade-out substituindo as notas agudas do teclado que doíam na alma por uma ending song com uma imagem ao fundo absolutamente atmosférica e perspicaz. Seria terrível e anticlimático se apenas tivessem cortado para a ending normal. Ao invés disso, optam por uma sensível progressão de dedilhados até se transformar em uma canção que endossa a emoção que as pessoas possivelmente estavam a sentir com o que acabaram de ver.
Mas, devo dizer, que apesar de ter gostado e realmente ter ficado bom, há algumas farpas, que o tornam menos glamoroso do que os anfitriões merecem; que tornam este episódio menor do que ele prometia, , afinal, a aguardada batalha entre Gilgamesh e Hércules já começa com tudo, no mesmo local do banquete dos Reis, em Fate/Zero – é uma adição que valoriza o ritmo visual, já que no original, a batalha nos é mostrada já tendo sido iniciada no interior do Castelo. Porém, o ritmo é interrompido para contar um flashback, tornando o que deveria ser uma batalha alucinante e intensa, em algo que perde seu impacto inicial e quando novamente se recupera, acaba. Para efeitos de curiosidade, no material original o flashback ocorre apenas depois que a batalha acaba e encontra seu desfecho trágico, tornando o que estava por vir extremamente emblemático e emocionalmente devastador, estruturalmente equilibrado narrativamente, com um flashback curto (no contexto da mídia visual novel) e eficaz na sua mensagem. Com isso, eu quero ressaltar que o problema está na forma como a direção dispôs da edição das cenas.
Claro que o flashback por si só é incrível e traz diversos detalhes interessantes da vida de Illya no Castelo. Seus conflitos, medos, rancores. Nele, está a razão de eu gostar tanto da Illya, de sentir indignação por tudo que fizeram pra ela e de esperar tão ansiosamente por uma confrontação direta entre ela e Shirou, para que ambos enfim possam viver em paz. Um castelo tão grande, cercado por neve em um clima gélido, onde se sente ausente o calor humano, trazendo em seu interior um ser tão frágil e pequeno, é sem duvidas uma metáfora mais do que perfeita para retratar a vida de Illya, uma garotinha órfã que nasceu como uma ferramenta, manipulada pelo seu “avó” – por um lado, Kiritsugu que fora obviamente impossibilitado de ver ou viver com sua filha depois da traição aos Einzbern, por outro a lavagem cerebral feita por Acht (Jubstacheit von Einzbern) em Illya, como é sugerido visualmente através das alucinações dela com aquele ser que tinha a mesma aparência que sua mãe (Angra/Iris), mas não era sua mãe. E então, a sua progressiva transformação em uma garota alternadamente sádica/cruel/carente/ingênua.
o homem responsável pelas visões de Ilya |
Illya é na verdade muito mais velha que Shirou, mas sabemos se tratar um artificio narrativo para evitar indisposições, a real é que ela tem o corpo e a mentalidade de uma criança, a sua idade só é a que é, por ser uma personagem constantemente explorada pornograficamente. Por isso, suas oscilações de humor entre uma garotinha doce e ingênua, em uma garota vingativa e cruel, mas ainda ingênua e infantil, é obviamente compreensível. Ela tem a pureza e a malicia de toda criança, e por isso se torna tão assustadora e amável, especialmente quando demonstra toda a sua carência afetiva em atitudes passivo-agressivas para com Shirou. Em uma hora ela quer mata-lo, em outra, ela já não tem tanta certeza deste querer. É uma criança. Vê-la perdida na Winter Forest, sendo obrigada a sobreviver caso não queira se tornar mais uma homúnculo descartável, rodeada pelo perigo – e então completamente indefensa e amedrontada quando se vê rodeada por lobos – é a reafirmação de que sua idade real não significa nada, que na verdade é apenas uma criança carente jogada naquela guerra, com medo de tudo e que usa a uma barreira emocional para proteger, que é então adotada por Berserker, que assume metaforicamente como sua figura paterna. Seu amigo. Seu irmão. Seu companheiro. É incrível como a beleza pode surgir em meio a tragédia, como o desenrolar desta amizade entre uma bela e uma fera.
Com Illya, se torna mais forte essa ideia do fardo herdado por todas essas crianças, que tiveram sua infância tomada pela ambição de seus pais, se tornando ao fim das contas, também ferramentas de seus desejos. Enfim, a sequência da luta entre Gilgamesh e Berserker não consegue evidenciar consistentemente toda a fúria e brutalidade de Berserker, tampouco sua assustadora resistência ante o Rei dos Reis. Para que isso se tornasse evidente, a animação novamente altera a ordem dos acontecimentos, fazendo Berserker investir para cima de Gilgamesh, mesmo depois de tudo acabado, o pegando de surpresa. É eficaz na ideia a ser passada, sem perder a sua essência, mas poderia ser contornado, e assim evidenciar o que há de melhor no desenho original, com um storyboard mais criativo e com melhores movimentações durante a batalha – sim, há alguns frames muito bons (a própria Enkidu é divina, visualmente falando), contudo a batalha se sente na maior parte do tempo engessada e sem muito apelo visual. Berserker é muitas vezes desenhado com uma postura que parece um tanto patética em um árcade de batalha. É incrível, mas é em diversos detalhes assim da parte técnica, que UBW acaba sendo algo menor e pálido. Nesse sentido, a animação do filme da série, pelo estúdio DEEN, é inegavelmente superior, ainda que os valores de produção não sejam. Eu meio que já estou cansada de todos estes CGs e efeitos, makeando animação pobre. Mesmo com seus CGs e sem grandes sequências de animação, Fate/Zero tinha esparsas cenas de ação que eram fortes e visualmente claras, bem desenhadas.
Para concluir, a emblemática cena em que Gilgamesh arranca o coração de Illya é suavizada nesta versão Tv, tirando um aspecto importante do clímax do episódio, fechando a tampa do caixão.
Ufotable acaba sendo prejudicado em sua produção pelos cortes que tem que fazer na versão tv, e porque sua tecnologia perde muito da cor e deslumbre na transmissão televisiva, mas de certo eles deviam estar cientes quando adotaram este modelo de produção. E eu sei que vai parecer que eu odiei o episódio, mas não é verdade, mas é o clássico caso em que mesmo tudo sendo bem feito, não impressiona. As razões pelas quais acredito nisto, formam grande parte deste post.
Nota de rodapé: vai parecer que eu odiei esse episódio! O que não é verdade de forma alguma, no entanto, não pude me desvencilhar do que considero questões pertinentes.
Avaliação: ★★★★★
Staff do episódio:
Diretor do episodio: Takuya Nonaka
Storyboard: Takahiro Miura
Animação: Tetsuto Satou
Direção: Takahiro Miura
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