Nessa nova reimaginação do famoso conto de fadas, Branca de Neve (ou Shirayukihime, como no original) vai parar no calabouço e sofre como uma mocinha de novela mexicana nas mãos da vilanesca madrasta rainha.
Oh, é verdade. Junji Ito alcança o equilíbrio ideal entre seriedade e afetação, imprimindo um humor sutil, onde o segredo jaz na sua obscuridade. Publicada como um capítulo único de apenas 15 páginas na antologia josei Manga Grimm Douwa, edição de Dezembro de 2014, Ito que pela primeira vez publica uma história sua nesta revista, opta por uma interpretação bem autoral para um conto muito reinterpretado e com diversas possibilidades de leitura, mas que possuem poucas variações entre si.
Junji Ito se centra mais na figura da megera do que na mocinha, e como resultado desta maior proximidade, é mais nítida a insegurança que se abate sobre a personagem icônica. Outro aspecto incisivo na versão de Ito é o fato de a madrasta não soar como se fosse inicialmente sempre má, como na versão clássica. Ela segue um padrão de arquétipo que é um traço muito presente nas histórias do Junji Ito, onde o personagem que se torna obsessivo por alguém ou algo; seus personagens são geralmente psico-emocionalmente fracos/instáveis, movidos por seus anseios internos, se tornando vitimas de si mesmos – tanto que apresentam características de insegurança, infantilidade e obsessão, que geralmente os levam a um destino desesperançoso. Ou seja, sua madrasta ganha uma faceta humanizada, enquanto a personagem título desta vez não protagoniza a história, se tornando apenas o MOTIVO.
O espelho, por outro lado, permanece exercendo a função primordial, que é o de ser o reflexo para o arquétipo – o eu interior – da madrasta. Ele era mágico porque o reflexo percebido no espelho refletia o verdadeiro Eu olhando de volta. Ele reflete um estado de insegurança dela, em querer se iludir a fim de manter seu estado interior em harmonia. Nesse sentido, o Rei-pai que cumpre um papel similar a todas as versões de A Branca de Neve; de ser a força masculina hipnotizada e infantilizada pelos atributos de beleza feminina. Ele é quem dá o espelho à rainha e também se torna pivô do arroubo de cólera da Rainha, que novamente se vê inferiorizada. Porém, é interessante que ele não seja a razão verdadeira, e sim ela mesma, que externa isto por meio da competição pela beleza. A beleza que traz força/poder, mas também a insegurança, por ser algo frágil.
Há ainda outras coisas em jogo que ficam mais nítidas ao final da história, em relação à inocência (simbolizada pela brancaura) e despertar/desejo sexual (simbolizado pelo sangue vermelho). Junji Ito deixa vago a natureza da relação sanguínea do Rei com a filha adotada, assim como seus interesses. É bem divertida a parte do “encharcada de vermelho-sangue como seus lábios de cereja que a sua beleza se mostra singular”. O fim da história é típico do Ito, de uma beleza nefasta que reflete o estado interior de cada um.
Se há algo de errado aqui, é não termos mais páginas para saborear esta versão do Ito de um conto de fadas tão popular. Tava demorando para ele fazer algo assim.
Trivia: achei curioso o uso do nome de uma famosa rede de cosméticos (http://www.sk-ii.com/), como fonte do “segredo” desvendado da beleza da Branca de Neve, e nisto gera uma situação engraçadíssima, se considerarmos a natureza daquele humor que zomba um pouco de um dos elementos mais clássicos do conto. Bem, eu não sei se aquilo foi um merchandising ou apenas uma brincadeira, mas quem sabe. Talvez a marca seja um dos anunciantes da Manga Grimm Douwa, que não parece tão grande e sobrevive de diversas versões folclóricas de mitos populares.
Avaliação: ★★★★★
Autor: Junji Ito
Ano: 2014
Demografia: Josei
Revista: Manga Grimm Douwa
Gênero: Terror
Páginas: 15 (oneshot finalizada)
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