Coisas que incomodam pessoas também incomodam fantasmas.
A forma como eu vim a conhecer Phenomeno (Mitsurugi Yoishi wa Kowagaranai) foi um tanto aleatória. Estava eu visualizando “releases” de visual novels em algum site, quando vi a capa promocional com a arte de Yoshitoshi Abe, com a misteriosa e charmosa Mitsurugi Yoshi, que mantém um olhar vago e ao mesmo tempo penetrante, como que te seduzindo a descobrir seus segredos. Eu gosto deste aspecto na arte de Abe – artista responsável pela arte conceitual de obras cultuadas como Serial Experiments Lain; Haibane Renmei; Texhnolyze e Welcome to the N.H.K., seu estilo denota uma certa tonalidade rústica e insondável melancolia, que não se mostra de uma forma tão obvia, e por isso a necessidade de desbravar seus mares para ver o que há além. Bom, claro, tudo isso é só a minha perspectiva.
De qualquer forma, Phenomeno se mostrou muito mais do que eu poderia esperar a principio. Como eu disse, é uma visual novel, e assim como a cultuada Saya no Uta de Gen Urobuchi, seu formato e estrutura é altamente convidativo para leitores de primeira viagem que nunca clicaram em um romance visual em suas vidas, têm curiosidade, mas são casuais demais para entrar em uma jornada infinita rumo ao desconhecido. São apenas duas horas de leitura, e além do modelo estrutural simples o enredo é bastante abrangente. Se trata de uma história clássica de Mistério flertando com o Horror/Suspense, orientada a principio para o publico jovem.
Nesta história, acompanhamos o cotidiano do perturbado Yamada Nagito, rapaz ambicioso que se muda do interior para Tóquio em busca de melhores oportunidades. Como um estudante universitário, sua renda é escassa, e, portanto a fim de economizar dinheiro ele aluga um casarão abandonado praticamente em meio ao mato; se trata de uma casa charmosa e magnificamente bem projetada, mas para estar naquele estado de abandono e valendo o preço de migalhas, Nagito deveria ter desconfiado de que havia alguma coisa errada, como qualquer pessoa sensata admiradora do oculto perceberia. Nagito é destes aficionados por ocultismo, mas quando ele próprio passa a experienciar na pele os efeitos de viver na margem entre os dois mundos, todo o charme do mundo além perde o significado e ele adentra num crescente estado de perda de controle mental. Acontece que a casa aparenta estar viva, ou amaldiçoada, sussurrando em seus ouvidos através de ruídos torturantes e uma inquietante e perturbadora contagem regressiva a partir do número 7... O que acontecerá com ele após o fim desta contagem? Nagito entra em uma fuga desesperada, mas o mundo dos espíritos parece ter o abraçado completamente, não importando para onde fuja.
Lançada em 2012, Phenomeno é uma visual novel produzida pela Nitro+ (da qual Gen Urobuchi faz parte) para promover a light novel homônima de autoria de Hajime Ninomae (o mesmo autor responsável pela adaptação do anime de Madoka Mágica* em light novel), que acabara de receber uma compilação em volume fechado com 3 contos – a visual novel adapta 1 destes contos (com os capítulos flow e fall) – após ser lançada gratuitamente na internet. Acontece que por mais que o conto adaptado seja autoconclusivo, o sentimento desperto em nós de recompensa é tão forte que se torna natural lamentar o fato de só podermos apreciar 1 conto. Há 1 volume completo traduzido na internet, embora a tradução da obra toda esteja incompleta, mas logo perceberão que a experiência de ler a mídia escrita é completamente diferente da audiovisual. E isto traz consigo um arraigado sentimento de perda, que por mais que seja cognitivo, é bastante real ao ponto de se tornar um pouco decepcionante.
Aqui, Phenomeno, a obra como visual novel composta de efeitos de sons e imagens se torna um caso exemplar, percebida através do efeito comparativo, do que há de forte em visual novels como mídias de leitura audiovisual, e como se distancia da literatura tradicional. Ao contrário de visual novels tradicionais que exigem uma interatividade maior com o leitor/jogador, oferecendo escolhas que influenciam o resultado final, o que as torna mídias jogáveis. Já Phenomeno é o que se convencionou chamar, no meio, de Kinect Novel; visual novels de estruturação que não exigem interatividade ou mais de uma rota – além de serem histórias de curta duração.
Para mim o termo que mais faz justiça a Phenomeno é “sound novel”, pois é através dos fundos sonoros, seus efeitos de sons e de edição visual, que a sua boa história ganha um sabor único e absolutamente envolvente. Tanto que, o texto que vemos na tela da visual novel é o texto original contida na light novel. A escrita de Hajime Ninomae é charmosa e encantadora por si só. Tem uma capacidade de descrição bastante da imaginativa, empregando termos e alusões comparativas que causam uma certa sinestesia pela estranheza da linguagem pouco convencional, mas que desperta empatia por sua beleza poética (“...Eu sentia minha razão fazendo sons, como se estivesse se esvaindo...”). A narrativa ser em primeira pessoa, contendo tanta pulsação emocional, também desperta uma maior proximidade e cumplicidade – sendo que a ausência de sprites, ou seja, o fato de não podermos visualizar o protagonista, nos coloca como o personagem central. Suas reações são reações comuns, seus sentimentos de transtorno, conflitos e desespero, assim como de esperança em relação ao futuro, simplesmente refletem a angustia e o medo interior do jovem na faixa dos 18~25 anos. É quando Phenomeno consegue surpreender em apresentar camadas para o conflito sobrenatural, dando-lhe tonalidades que podem ser vistas por uma ótica mundana e plausível, tanto quanto puramente fantasmagórica.
Como eu dizia, o texto é bom e gostoso de ler. No entanto a história é comum, revela uma estruturação clássica ao gênero, onde qualquer um que possui certa intimidade com esse tipo de história, consegue vislumbrar facilmente seu desfecho; e claro, é bem executada e belamente escrita, o que não torna isto em demérito. É a forma de se contar uma história e não quantas vezes ela foi contada. Ainda assim, a visual novel consegue ir além ao despertar uma experiência sensorial de magnífica imersão naquela atmosfera aterradora, com sua sonoridade inquietante, quadros minimalistas, fotografias repletas de filtros de coloração que provocam o seus sentidos, e até mesmo os efeitos de CGs tornam a simplicidade da produção em algo enriquecedor. É uma experiência muito boa e divertida. Eu ia comentar sobre os personagens, mas vou entrar no clima de suspense e indefinição que ronda em torno da deslumbrante Yoshi, e deixar isto inconclusivo, de modo a despertar qualquer sentimento de curiosidade. Só não recomendo ler enquanto estiver comendo algo... vai por mim!
“(...) mesmo assim – Yoshi não demonstrou nenhum sinal de medo.
Se havia algo, ela estava num estado de êxtase. Sua expressão era perigosa. (...) eu lambi a sua pele. Segurei seus seios através de suas roupas. Eu desejava seu corpo suave com a ponta dos meus dedos. Eu tirei sua saia longa, exibindo suas coxas brancas. Os seus olhos mal estavam abertos. Seus lábios estavam entreabertos, eu podia ver seus dentes brancos. Pare. Pare. Pare. Eu gritei de dentro do meu corpo, mas eu não pude conter meu extremo desejo anormal.”
Recomenda-se desfrutar durante a noite/madrugada, para melhor absorção!
Nota: a visual novel é de distribuição gratuita na internet, bastando fazer o download no site oficial (depois é só ir atrás de um patch de tradução); http://www.nitroplus.co.jp/game/phenomeno/
Nota: 08/10
Conteúdo: adaptado
Produtora: Nitroplus
Duração: 2 horas/média
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