Este
ano estou revendo todo Dragon Ball Z junto de um amigo que só via pedaços
aleatórios quando criança e mal lembrava do básico, portanto, é praticamente
tudo novo para ele. Caso alguém tenha dúvidas de suas credenciais, o mesmo já
viu e adorou alguns dos melhores animes dos últimos anos, como Death Note e
Shiki. Ou seja, mau gosto é o caralho. E ao chegar na saga do Freeza, que já
falei inúmeras vezes ser a melhor, percebi que meu amigo estava tendo reações
ainda mais eficientes justamente em função da idade, com elementos que não
poderiam ser compreendidos quando mais novo. Tive o privilégio de lhe
acompanhar odiando o Vegeta, e logo depois odiar estar torcendo por ele, para
então lacrimejar imensamente na sua morte. Pude vê-lo se impressionar com a contagem
de poder de luta dos scouters através de toda saga (e a reação ao descobrir que
Freeza passava de um milhão foi genuinamente bela e desesperadora). Tranquilizou-se
com a calmaria pós Genki-Dama e acreditou realmente que tudo havia terminado.
Por fim, o vi se impressionar com a batalha final do Super Saiyajin contra o
Super Freeza em 100%, superando a gigantesca expectativa que o anime criava
desde que chegaram a Namekusei.
Desta forma, pude analisar melhor a
saga desde o meu texto anterior, até porque, desde então, já reli Freeza no
mangá inúmeras vezes, o que ajudou muito. A confirmação definitiva de que a
qualidade de Dragon Ball Z, de “nostalgia” não tem absolutamente nada.
O objetivo desse artigo é fazer uma
análise um pouco mais abrangente que o texto que publiquei pela primeira vez,
que acompanhava a saga do início ao fim em ordem. Agora, discutirei alguns
pontos que ficaram mais claros e analisar porque estes funcionam.
Em
primeiro lugar, como já acontecia na saga do Saiyajins, aqui toda ajuda é
fundamental. Kuririn, Gohan pequeno e Vegeta do mal (e uma pequena ajuda de
Bulma) são os protagonistas na maior parte do tempo. O velho discípulo de
Mestre Kame é extremamente carismático e participa de todas as batalhas
importantes: contra Dodoria, as Tropas Ginyuu e o próprio Freeza (além de
encarar Vegeta inúmeras vezes). Gohan continua com o ar de que é mais forte do
que aparenta e forma uma eficiente dupla com Kuririn em toda saga.
E,
finalmente, Vegeta que já comentei fartamente em meu texto anterior e sugiro
que leiam. O fato de nos identificarmos com ele, aliás, não reside simplesmente
em se mostrar o mais inteligente e gerador de reação de todos os personagens.
Vai muito além disso. Descobrimos suas origens trágicas e a vida dura que levava
com Freeza. Além de admitir facilmente sua inferioridade perante o vilão.
Vegeta podia ser o mais forte da temporada anterior, mas aqui não deixa de ser
derrotado física e estrategicamente. É vencido por Zarbon, pelas Tropas Ginyuu,
superado por Kakarotto, e claro, Freeza. Foi passado para trás por Kuririn e
Gohan por localizarem o Ki melhor que ele e por possuírem o radar do dragão. Embora
não só de opressão venha a nossa identificação com o príncipe. Também tem o
fato de ter poupado os terráqueos e, mais tarde, proposto uma aliança, mesmo
que em benefício próprio, salvando a vida dos heróis no decorrer.
Basicamente
esse processo de identificação por opressão ocorreu outras vezes em Dragon Ball
Z, como ao torcermos pelos terríveis androides quando Cell fica cada vez mais
forte; a própria trajetória do Piccolo é muito parecida; o Boo gordo
enfrentando sua parte má e sua relação com o mr. Satan. Enfim, nossos sentimentos
não são manipulados ao acaso.
[A
saga de] Freeza também conta com a vantagem de iniciar com os mais fracos. Assim,
temos uma temporada que está sempre crescente em sua magnitude. Enquanto
passamos pela emocionante caçada às esferas do dragão com três grupos distintos
(Freeza, Vegeta e terráqueos), os combates são leves e pontuais, praticamente
dispensáveis. O vilão começa com 5 delas, Vegeta encontra uma e esconde em um
lago, e Kuririn consegue a sétima e última com o Patriarca. Em uma fantástica
manobra, Vegeta engana Freeza e Zarbon e rouba as 5 em plena base do inimigo. Nisso,
sente o ki de Kuririn e rouba a esfera deles, achando que só falta aquela que
ele jogou no lago. É importante salientar a estratégia de Vegeta de sempre voar
carregando pelo menos uma esfera consigo, assim caso alguém encontre às que
deixou pra trás, ficará faltando a que ele carrega. Porém, Gohan estava com o
radar do dragão e roubou a escondida no lago, impedindo Vegeta de reunir as 7. O
príncipe procura em vão e os terráqueos voltam a ter uma vantagem. Aí surgem as
Tropas Ginyuu e roubam as esferas de todos e Freeza reúne as 7. Enfim. Isso foi
um resumo, mas só para provar como as lutas foram o que menos importou no cerne
da saga.
Os Super Saiyajins (Goku, Vegeta, Trunks, Gohan, Gotenks) ganham muito mais importância nas sagas seguintes, e estão ativos desde o início, lutando já no auge. Em Freeza, por ser gradual, só nos resta acreditar nos esforços dos personagens mais insignificantes possíveis, porém inteligentes e cautelosos. Até mesmo Vegeta se enquadra aí, pois só se fortalece com o tempo (ser mais forte somente que Kuririn e Gohan pequeno não é nada). Assim, as lutas mais sérias ganham uma atenção especial e tensão absoluta, como contra os membros das Tropas Ginyuu (sem e com Goku) e, claro, Freeza (idem).
O
que nos leva ao próximo item de acertos para Freeza: não possui regeneração. Isto
é, se a luta começou tem que acabar. De um jeito ou de outro. Por isso eles só
enfrentam o vilão uma única vez, ganhando um peso abismal e tendo que superar as
expectativas de toda uma saga sem vê-lo em ação. Não há Templo de Karin, Casa
do Kame, Salão do Templo, Corporação Cápsula, ou o que for para se esconder,
buscar ajuda, nada. As sementes dos deuses são usadas uma única vez e não há
como conseguir mais. O fato de estarem presos em Namekusei torna tudo mais
urgente. Uma única luta séria pode ser mortal, por isso o cuidado absoluto de
Akira Toriyama que conduz a saga somente na base das estratégias entre os
diferentes núcleos.
Cell
e Boo tem dezenas de encontros e desencontros. Os androides Nº 17 e 18 foram de
carro lentamente até a casa de Goku. Cell em sua forma perfeita chegou a ter
pena de Trunks e Vegeta e os deixou ir. A luta final dele teve dia e hora
marcada! Boo e Babidi ficavam zanzando pela Terra destruindo cidades. Percebam
como a urgência diminui com essas possibilidades mais lentas e vilões piedosos
que podem ser encontrados e reencontrados. O clímax de Freeza é absoluto e
sublime, nós sabemos genuinamente que não haverá uma segunda chance. Gohan
pequeno, Kuririn e Vegeta do mal terão que se virar e pronto. Só nos resta
acompanhar o filme de terror.


Aliás,
já que estou comparando com as outras sagas, é preciso salientar o massacre de
Vegeta. Novamente, claro, porque com Freeza jamais teve essa de deixar fugir e
se reencontrar. O mais forte venceria e o fraco morreria. Em Cell, logo que
atinge a forma perfeita, o príncipe tinha a ajuda de Trunks (e a piedade do
vilão). Na batalha final de Boo, bem, tinha Goku com uma Genki-Dama e a versão
gorda no local. Já em Namekusei, o máximo que temos nos arredores é Piccolo que
só conseguia enfrentar até a primeira transformação do vilão. Percebam a
diferença gritante das situações e contemplem porque o príncipe dos Saiyajins
caiu aos prantos duas vezes em seus últimos instantes (uma antes do massacre e
outra quando já estava morrendo). Aliás, a morte de Vegeta é muito mais
emocionante se pensarmos que não havia motivo nenhum para que fosse
ressuscitado. Por isso ele não hesitou em se agarrar ao Kakarotto e depositar
nele seus últimos desejos mais profundos. E foi um mero acaso ele voltar à
vida, pois o desejo que o fez foi “reviva todos aqueles mortos por Freeza”,
ninguém estava pensando nele realmente, e sim no planeta inteiro de namekuseijins.


Finalmente,
vamos falar um pouco sobre o grand finale. Justamente por não haver semente dos
deuses e nenhuma opção de fugir e deixar pra depois, o cansaço de uma batalha
tão longa reflete no espectador. À medida que Goku utiliza suas técnicas em ordem
de importância (o Kaio-Ken aumentado 10 vezes, em seguida aumenta para 20 vezes
e lança o 3º Kame-hame-há do anime em 91 episódios, e a Genki-Dama), Toriyama
acerta ao evidenciar cada vez mais o seu desgaste. Em nenhum outro vilão Goku
será jogado de um lado para o outro com tamanha facilidade devido ao cansaço. Há
momentos em que o herói simplesmente não consegue mais lutar e só se esforça
para ficar de pé enquanto é golpeado. Quando que um massacre desses acontece
com Goku em Cell ou Majin Boo? No mangá, sua exaustão e preocupação se refletem
nos olhos brancos de desesperança (e, repito, não haverá nenhum outro momento
em que Goku irá esboçar essas expressões. Nenhum mesmo, é exclusivo de Freeza).
A própria Genki-Dama, nesta saga, não é um momento bonito de levantar as mãos e
ajudar, mas a angústia do último recurso possível na mentalidade daqueles que
sequer sonhavam com um Super Saiyajin. E a lentidão dela torna-se uma
verdadeira tortura.

Namekusei,
aliás, é cenário de alguns dos momentos mais cruéis da série Dragon Ball e Z,
muito mais explícitos que Majin Boo transformando pessoas em doces e
devorando-as. Trata-se, claro, da aniquilação dos namekuseijins, envolvendo
amputações, tortura, mortes de crianças e entes queridos (por isso a reação de
Gohan ao salvar Dende é perfeitamente aceitável para o público, mesmo correndo
tanto risco). Além de inúmeras cenas com os protagonistas tendo seus corpos
fatalmente atravessados e mutilados.





E é
bacana notar como Akira Toriyama lembrou perfeitamente da série anterior,
Dragon Ball, ao orquestrar a morte de Kuririn. Afinal, quando garotos, ele já
havia sido morto e provocado a maior fúria de Goku até então, que abandonara os
outros companheiros em busca de vingança. Isso torna a transformação lendária
uma consequência, uma reação a alguma coisa, não uma técnica secreta guardada
por oito portões e proibida por Athena que estava lá o tempo todo. Sem o trágico
estopim, jamais despertaria. E não vou nem comentar a diferença gritante desta
construção cuidadosa para com o Super Saiyajin Deus da nova série, em míseros 9
capítulos e pronto, sem expectativa alguma ou contexto. É só um vácuo total
inventado da noite para o dia.
Deste
modo, quando os dois guerreiros no auge de suas forças se encontram sozinhos em
um planeta prestes a explodir, o cenário não poderia estar mais deslumbrante.
Cinematográfico é apelido para a reta final da luta. Com inúmeras panorâmicas
do apocalíptico desfecho, erupções de lava, trovões, enchentes. Episódios
inteiros de pura testosterona se degladiando no ar e em terra, é um absurdo
aqueles que dizem que eles conversam demais. Os diálogos soam repetitivos, sim
(“Poder máximo”, “inseto”, “você vai morrer”), mas a batalha é longa suficiente
e desgastante, sendo praticamente impossível julgar quem está no controle. Até
mesmo o primeiro Kame-hame-há do Super Saiyajin (o 4º de todo anime, mais de
100 episódios) diminui de peso, tamanho poder que Freeza demonstra no contra
ataque. Mesmo com Goku transformado, Freeza jamais deixa de ser um adversário a
altura.


Em
suma, considero essa temporada de Dragon Ball Z perfeita. Genuinamente
perfeita. Dizer que é pura nostalgia, risquinhos no ar e diálogos infinitos, é
atestado de não ter visto a saga maduro suficiente para compreender seu
brilhantismo narrativo, bem como sua temática complexa que envolve tantos
personagens-chave para que tudo se amarre com perfeição.
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Twitter: @PedroSEkman