domingo, 13 de setembro de 2015

Freeza: um estudo de caso

Saudações do Crítico Nippon!

Este ano estou revendo todo Dragon Ball Z junto de um amigo que só via pedaços aleatórios quando criança e mal lembrava do básico, portanto, é praticamente tudo novo para ele. Caso alguém tenha dúvidas de suas credenciais, o mesmo já viu e adorou alguns dos melhores animes dos últimos anos, como Death Note e Shiki. Ou seja, mau gosto é o caralho. E ao chegar na saga do Freeza, que já falei inúmeras vezes ser a melhor, percebi que meu amigo estava tendo reações ainda mais eficientes justamente em função da idade, com elementos que não poderiam ser compreendidos quando mais novo. Tive o privilégio de lhe acompanhar odiando o Vegeta, e logo depois odiar estar torcendo por ele, para então lacrimejar imensamente na sua morte. Pude vê-lo se impressionar com a contagem de poder de luta dos scouters através de toda saga (e a reação ao descobrir que Freeza passava de um milhão foi genuinamente bela e desesperadora). Tranquilizou-se com a calmaria pós Genki-Dama e acreditou realmente que tudo havia terminado. Por fim, o vi se impressionar com a batalha final do Super Saiyajin contra o Super Freeza em 100%, superando a gigantesca expectativa que o anime criava desde que chegaram a Namekusei.
            Desta forma, pude analisar melhor a saga desde o meu texto anterior, até porque, desde então, já reli Freeza no mangá inúmeras vezes, o que ajudou muito. A confirmação definitiva de que a qualidade de Dragon Ball Z, de “nostalgia” não tem absolutamente nada.

            O objetivo desse artigo é fazer uma análise um pouco mais abrangente que o texto que publiquei pela primeira vez, que acompanhava a saga do início ao fim em ordem. Agora, discutirei alguns pontos que ficaram mais claros e analisar porque estes funcionam. 


Em primeiro lugar, como já acontecia na saga do Saiyajins, aqui toda ajuda é fundamental. Kuririn, Gohan pequeno e Vegeta do mal (e uma pequena ajuda de Bulma) são os protagonistas na maior parte do tempo. O velho discípulo de Mestre Kame é extremamente carismático e participa de todas as batalhas importantes: contra Dodoria, as Tropas Ginyuu e o próprio Freeza (além de encarar Vegeta inúmeras vezes). Gohan continua com o ar de que é mais forte do que aparenta e forma uma eficiente dupla com Kuririn em toda saga.

E, finalmente, Vegeta que já comentei fartamente em meu texto anterior e sugiro que leiam. O fato de nos identificarmos com ele, aliás, não reside simplesmente em se mostrar o mais inteligente e gerador de reação de todos os personagens. Vai muito além disso. Descobrimos suas origens trágicas e a vida dura que levava com Freeza. Além de admitir facilmente sua inferioridade perante o vilão. Vegeta podia ser o mais forte da temporada anterior, mas aqui não deixa de ser derrotado física e estrategicamente. É vencido por Zarbon, pelas Tropas Ginyuu, superado por Kakarotto, e claro, Freeza. Foi passado para trás por Kuririn e Gohan por localizarem o Ki melhor que ele e por possuírem o radar do dragão. Embora não só de opressão venha a nossa identificação com o príncipe. Também tem o fato de ter poupado os terráqueos e, mais tarde, proposto uma aliança, mesmo que em benefício próprio, salvando a vida dos heróis no decorrer.

Basicamente esse processo de identificação por opressão ocorreu outras vezes em Dragon Ball Z, como ao torcermos pelos terríveis androides quando Cell fica cada vez mais forte; a própria trajetória do Piccolo é muito parecida; o Boo gordo enfrentando sua parte má e sua relação com o mr. Satan. Enfim, nossos sentimentos não são manipulados ao acaso.


[A saga de] Freeza também conta com a vantagem de iniciar com os mais fracos. Assim, temos uma temporada que está sempre crescente em sua magnitude. Enquanto passamos pela emocionante caçada às esferas do dragão com três grupos distintos (Freeza, Vegeta e terráqueos), os combates são leves e pontuais, praticamente dispensáveis. O vilão começa com 5 delas, Vegeta encontra uma e esconde em um lago, e Kuririn consegue a sétima e última com o Patriarca. Em uma fantástica manobra, Vegeta engana Freeza e Zarbon e rouba as 5 em plena base do inimigo. Nisso, sente o ki de Kuririn e rouba a esfera deles, achando que só falta aquela que ele jogou no lago. É importante salientar a estratégia de Vegeta de sempre voar carregando pelo menos uma esfera consigo, assim caso alguém encontre às que deixou pra trás, ficará faltando a que ele carrega. Porém, Gohan estava com o radar do dragão e roubou a escondida no lago, impedindo Vegeta de reunir as 7. O príncipe procura em vão e os terráqueos voltam a ter uma vantagem. Aí surgem as Tropas Ginyuu e roubam as esferas de todos e Freeza reúne as 7. Enfim. Isso foi um resumo, mas só para provar como as lutas foram o que menos importou no cerne da saga.

Os Super Saiyajins (Goku, Vegeta, Trunks, Gohan, Gotenks) ganham muito mais importância nas sagas seguintes, e estão ativos desde o início, lutando já no auge. Em Freeza, por ser gradual, só nos resta acreditar nos esforços dos personagens mais insignificantes possíveis, porém inteligentes e cautelosos. Até mesmo Vegeta se enquadra aí, pois só se fortalece com o tempo (ser mais forte somente que Kuririn e Gohan pequeno não é nada). Assim, as lutas mais sérias ganham uma atenção especial e tensão absoluta, como contra os membros das Tropas Ginyuu (sem e com Goku) e, claro, Freeza (idem).


O que nos leva ao próximo item de acertos para Freeza: não possui regeneração. Isto é, se a luta começou tem que acabar. De um jeito ou de outro. Por isso eles só enfrentam o vilão uma única vez, ganhando um peso abismal e tendo que superar as expectativas de toda uma saga sem vê-lo em ação. Não há Templo de Karin, Casa do Kame, Salão do Templo, Corporação Cápsula, ou o que for para se esconder, buscar ajuda, nada. As sementes dos deuses são usadas uma única vez e não há como conseguir mais. O fato de estarem presos em Namekusei torna tudo mais urgente. Uma única luta séria pode ser mortal, por isso o cuidado absoluto de Akira Toriyama que conduz a saga somente na base das estratégias entre os diferentes núcleos.

Cell e Boo tem dezenas de encontros e desencontros. Os androides Nº 17 e 18 foram de carro lentamente até a casa de Goku. Cell em sua forma perfeita chegou a ter pena de Trunks e Vegeta e os deixou ir. A luta final dele teve dia e hora marcada! Boo e Babidi ficavam zanzando pela Terra destruindo cidades. Percebam como a urgência diminui com essas possibilidades mais lentas e vilões piedosos que podem ser encontrados e reencontrados. O clímax de Freeza é absoluto e sublime, nós sabemos genuinamente que não haverá uma segunda chance. Gohan pequeno, Kuririn e Vegeta do mal terão que se virar e pronto. Só nos resta acompanhar o filme de terror.











Aliás, já que estou comparando com as outras sagas, é preciso salientar o massacre de Vegeta. Novamente, claro, porque com Freeza jamais teve essa de deixar fugir e se reencontrar. O mais forte venceria e o fraco morreria. Em Cell, logo que atinge a forma perfeita, o príncipe tinha a ajuda de Trunks (e a piedade do vilão). Na batalha final de Boo, bem, tinha Goku com uma Genki-Dama e a versão gorda no local. Já em Namekusei, o máximo que temos nos arredores é Piccolo que só conseguia enfrentar até a primeira transformação do vilão. Percebam a diferença gritante das situações e contemplem porque o príncipe dos Saiyajins caiu aos prantos duas vezes em seus últimos instantes (uma antes do massacre e outra quando já estava morrendo). Aliás, a morte de Vegeta é muito mais emocionante se pensarmos que não havia motivo nenhum para que fosse ressuscitado. Por isso ele não hesitou em se agarrar ao Kakarotto e depositar nele seus últimos desejos mais profundos. E foi um mero acaso ele voltar à vida, pois o desejo que o fez foi “reviva todos aqueles mortos por Freeza”, ninguém estava pensando nele realmente, e sim no planeta inteiro de namekuseijins.





Finalmente, vamos falar um pouco sobre o grand finale. Justamente por não haver semente dos deuses e nenhuma opção de fugir e deixar pra depois, o cansaço de uma batalha tão longa reflete no espectador. À medida que Goku utiliza suas técnicas em ordem de importância (o Kaio-Ken aumentado 10 vezes, em seguida aumenta para 20 vezes e lança o 3º Kame-hame-há do anime em 91 episódios, e a Genki-Dama), Toriyama acerta ao evidenciar cada vez mais o seu desgaste. Em nenhum outro vilão Goku será jogado de um lado para o outro com tamanha facilidade devido ao cansaço. Há momentos em que o herói simplesmente não consegue mais lutar e só se esforça para ficar de pé enquanto é golpeado. Quando que um massacre desses acontece com Goku em Cell ou Majin Boo? No mangá, sua exaustão e preocupação se refletem nos olhos brancos de desesperança (e, repito, não haverá nenhum outro momento em que Goku irá esboçar essas expressões. Nenhum mesmo, é exclusivo de Freeza). A própria Genki-Dama, nesta saga, não é um momento bonito de levantar as mãos e ajudar, mas a angústia do último recurso possível na mentalidade daqueles que sequer sonhavam com um Super Saiyajin. E a lentidão dela torna-se uma verdadeira tortura.



















Namekusei, aliás, é cenário de alguns dos momentos mais cruéis da série Dragon Ball e Z, muito mais explícitos que Majin Boo transformando pessoas em doces e devorando-as. Trata-se, claro, da aniquilação dos namekuseijins, envolvendo amputações, tortura, mortes de crianças e entes queridos (por isso a reação de Gohan ao salvar Dende é perfeitamente aceitável para o público, mesmo correndo tanto risco). Além de inúmeras cenas com os protagonistas tendo seus corpos fatalmente atravessados e mutilados.

















E é bacana notar como Akira Toriyama lembrou perfeitamente da série anterior, Dragon Ball, ao orquestrar a morte de Kuririn. Afinal, quando garotos, ele já havia sido morto e provocado a maior fúria de Goku até então, que abandonara os outros companheiros em busca de vingança. Isso torna a transformação lendária uma consequência, uma reação a alguma coisa, não uma técnica secreta guardada por oito portões e proibida por Athena que estava lá o tempo todo. Sem o trágico estopim, jamais despertaria. E não vou nem comentar a diferença gritante desta construção cuidadosa para com o Super Saiyajin Deus da nova série, em míseros 9 capítulos e pronto, sem expectativa alguma ou contexto. É só um vácuo total inventado da noite para o dia. 


Deste modo, quando os dois guerreiros no auge de suas forças se encontram sozinhos em um planeta prestes a explodir, o cenário não poderia estar mais deslumbrante. Cinematográfico é apelido para a reta final da luta. Com inúmeras panorâmicas do apocalíptico desfecho, erupções de lava, trovões, enchentes. Episódios inteiros de pura testosterona se degladiando no ar e em terra, é um absurdo aqueles que dizem que eles conversam demais. Os diálogos soam repetitivos, sim (“Poder máximo”, “inseto”, “você vai morrer”), mas a batalha é longa suficiente e desgastante, sendo praticamente impossível julgar quem está no controle. Até mesmo o primeiro Kame-hame-há do Super Saiyajin (o 4º de todo anime, mais de 100 episódios) diminui de peso, tamanho poder que Freeza demonstra no contra ataque. Mesmo com Goku transformado, Freeza jamais deixa de ser um adversário a altura.












Em suma, considero essa temporada de Dragon Ball Z perfeita. Genuinamente perfeita. Dizer que é pura nostalgia, risquinhos no ar e diálogos infinitos, é atestado de não ter visto a saga maduro suficiente para compreender seu brilhantismo narrativo, bem como sua temática complexa que envolve tantos personagens-chave para que tudo se amarre com perfeição. 

(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)


Twitter: @PedroSEkman 

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