quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Guest Post: Sobre Steins;Gate

Okarin e seus aliados voltam à berlinda. 
Seu blog cor de beterraba com mais uma edição de "Guest Post", desta vez com participação especial de um leitor, comentando a sua visão em relação ao anime Steins;Gate, grande sucesso do ano de 2011, e um dos animes mais queridos pelos leitores do blog. É sempre uma honra publicar opiniões de convidados no blog, e mais legal ainda quando se trata de leitores que não fazem parte do circulo de amizades de algum dos redatores. O texto abaixo será publicado sob o pseudônimo de "Paulista", a pedido do próprio autor, que se diz um antigo usuário de fóruns sobre animes, sendo este um nick utilizado de longa data. Obrigada ao Paulista pelo artigo e bora lá ler o que ele tem a dizer!
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Por Paulista
Eu primeiro quero chamar a atenção para uma fala da personagem “Kurisu” (uma forma ajaponesada de falar “Chris”). É sobre o nome do anime. “Steins Gate”, nas palavras dela, é uma composição com uma palavra inglesa e outra alemã. São duas traduções possíveis Portal de Pedras ou Portal da Pedra. Mas isso é só uma curiosidade sem importância.

Sobre a história, ela vai realmente até o cap24. O cap25 não passa de filler! Para ser mais exato, a história tem uma solução de continuidade que vai até o cap22: quando a Suzuha chega na máquina do tempo e fala da 3ª Guerra Mundial. Ali, com a exigência da ressurreição da Kurisu, o autor jogou seu trabalho no lixo. A trama toda se sustentava exatamente pela questão das linhas do tempo, que eram “linhas de desfecho da trama”. Poderia ter acontecido qualquer coisa, porque as linhas eram virtualmente infinitas. Mas, na verdade “precisava” acontecer a morte da Kurisu. Isso era “necessário”, primeiro porque ela, estando morta, não ajudaria a SERN a dominar o mundo; e segundo porque a trama começou, justamente, com a morte dela. Desfazer a morte dela foi desfazer a linha da trama (original) e, assim, jogar a história no lixo.

É claro que a ressurreição da Kurisu foi fanservive mesmo, véio! Estava sério demais, aquela história e sei lá se não agradou muito o público. Não sei. Mas, apagar a morte dela, foi apagar tudo o que aconteceu na história. Foi como tirar o “valor” de tudo. Principalmente dos sentimentos das personagens. Já falo dos sentimentos.

Antes, é necessário falar do básico: personagens. O Okabe, com certeza, não é o melhor protagonista que eu vi até hoje. Mas, foi interessante. Na verdade, as personagens não estavam tão boas. Faltou profundidade psicológica. Mas, isso é uma consequência óbvia do enredo. Pois, como a memória e os fatos se confundem e – pior – ambos são reversíveis, acaba acontecendo uma objetivação dos pensamentos das personagens. Fato que altera a maneira como a gente encara o psiquismo das pessoas. Claro! A reversibilidade ferra tudo, porque as pessoas viram tipo um pen-drive: é só esvaziar e encher, a qualquer momento que está beleza.
Mesmo com todas essas limitações do enredo, o Okabe e a Kurisu foram personagens bacanas; e eu gostei da Feiris também. Não sei explicar! Esse casal, logicamente, passaria por uma situação de amor correspondido etc. Sendo que o rompimento deles, quando o destino se cumpre e a Kurisu morre, seria o final perfeito. Final perfeito para uma tragédia: esse gênero que, segundo Aristóteles dizia, era o gênero literário mais elevado. Mas, infelizmente, como eu já disse, a Kurisu foi “des-matada” e a tragédia virou farsa... Vou citar outro cara fodão. O Marx dizia que a história sempre se repete, só que na segunda vez ela vem como uma farsa. Kkkk. Definição perfeita: a ressurreição da Kurisu soou como uma farsa. 

Sobre os personagens ainda, é notório um aspecto que eu já percebi em outras histórias de ficção nipônicas. Estou me referindo às máscaras. Digo isso, porque todo mundo em Steins Gate estava sempre fingindo ser alguma coisa (alguma outra coisa que não “si mesmo”). O Kyouma fingia ser “cientista louco” (e quando a água bateu no pescoço, ele começou a chorar e disse para a Kurisu que aquilo de cientista louco era fingimento). A Kurisu fingia ser a “Mente Brilhante” (e na verdade era uma menininha assustada, que nunca teve o colo do papai). O Urushibara... esse nem precisa dizer. A Moeka fingia que “fazia parte de alguma coisa”, que era uma pessoa necessária para um determinado grupo, para que isso “desse sentido” na vida dela (e na verdade ela era solitária e vazia por dentro). O Mr. Braun fingia ser um pacato comerciante (mas era um gângster. Kkk). O Daru fingia que era um Ero-sennin, mas era só um nerd punheteiro. Enfim a Suzuha fingia que era funcionária (soldado) do Mr. Braun, mas era mais gângster do que ele. Ah! Claro! Como eu ia me esquecendo da Mayushii?! Ela e a Feiris-Nyan fingiam ser a porra de um gato! O pior. Kkkkk

Mas, essas máscaras que eles vestiam – como eu já disse – é uma coisa típica da literatura-pop (contemporânea) japonesa. Talvez tenha alguma relação com uma “cultura do espetáculo” ou pode ser uma decorrência da perda de identidade que eles experimentaram, depois da ocidentalização. Sei lá! Quem quiser entender melhor esse lance (traumático) da ocidentalização, deve ler “Grito Silencioso”. Recomendo muito! Eu li um pouco depois que o Kenzaburo Oe (o autor desse romance) ganhou o prêmio Nobel.
Uma última coisa: os sentimentos. O enredo traz à tona um dilema muito interessante. Com uma citação do Heidegger (que a Kurisu fez), dá para falar desse dilema melhor. A ideia citação, segundo a Kurisu, dizia que o ser humano era feito de tempo (não lembro exatamente como ela falou). A verdadeira ideia do Heidegger (e peço que não leiam esse canalha porque ele era um nazista filho-da-puta) era de que o “ser é tempo”. Esse é quase o título do livro dele Sein und Zeit (“ser e tempo”). Pois bem! A ideia explica o dilema do enredo, da seguinte maneira: se as coisas que as pessoas vivem ficam registradas na memória e moldam as pessoas (porque as pessoas se fazem com tempo), o que aconteceria com elas se o tempo fosse revertido, ou alterado? A resposta do Steins Gate é direta: mesmo que o tempo seja arrancado da vida das pessoas, a memória continua existindo (e vira sonho).

Cara! É uma resposta típica, para a cultura (tradicional) japonesa. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando diziam que a superioridade bélica americana era esmagadora, os líderes japoneses respondiam: “E daí?” Ou então: “Se a gente fosse se preocupar com o arsenal deles, nunca iríamos entrar nessa guerra!” Porque, segundo pensavam eles, a guerra não se travava só no campo da matéria (nesse caso, os armamentos), mas também no campo do espírito. E, para os japoneses, quando o assunto era “ter espírito de luta”, ninguém podia vencê-los. Houve um acontecimento transmitido na rádio japonesa, na época da Segunda Guerra que ilustra bem esse lance. Vou transcrever pra vocês:

“Terminados os combates, os aviões japoneses regressaram à sua base em pequenas formações de três ou quatro. Num dos primeiros aparelhos achava-se um capitão. Apeando-se, examinou o céu por meio de um binóculo. Enquanto seus homens retornavam, ele contava. Parecia bastante pálido, porém muito firme. Após o regresso do último avião, dirigiu-se ao Quartel General, onde fez um relatório encaminhando-o a seguir ao Oficial Comandante. Logo em seguida, tombou de súbito no solo. Os oficiais no local acorreram-lhe em auxílio, mas ele se achava morto. Examinando-lhe o corpo, descobriu-se que já estava frio, com um ferimento à bala. É impossível encontrar-se frio, o corpo de uma pessoa recentemente morta. Entretanto, o corpo do capitão morto estava frio como o gelo. Há muito que ele estava morto, mas foi seu espírito quem fez o relatório.”

Fantástico, né!! Tirei isso do livro clássico da antropóloga Ruth Benedict (“O Crisântemo e a Espada: padrões da cultura japonesa”). Quem quiser ler, faz um bom negócio. Mas, a moral da história é essa. As pessoas vivem verdadeiramente como espírito e acima do tempo.