sábado, 23 de abril de 2016

The Boy and the Beast (2016)

Saudações do Crítico Nippon!

Mamoru Hosoda fascinava por seus filmes com premissas simples que ganhavam um desenvolvimento muito mais profundo do que poderíamos esperar. Foi esse o caso das crianças lobos e da colegial que viajava no tempo. Infelizmente, não é esse o caso de The Boy and the Beast, que conta com uma segunda metade pavorosa que não condiz com a simplicidade da primeira. Me lembrou muito Hoshi Wo Ou Kodomo, de Makoto Shinkai, que também foi o único grande erro da carreira deste diretor. E Hosoda enfim fez o seu.



O filme nos apresenta ao mundo dos monstros, Juutengai, comandado pelo Grande Mestre que irá se “aposentar” em breve transcendendo para a forma de um deus. Ele busca um substituto entre os monstros, e os maiores concorrentes são Iouzen e Kumatetsu. Eles precisarão lutar um dia pelo título de Grande Mestre. O primeiro possui aprendizes, o segundo não. É quando o monstro Kumatetsu encontra o menino do título, Ren, órfão de mãe, abandonado pelo pai, e o convida para ser seu aprendiz. E assim começa a história.

Contando com o apuro técnico deslumbrante de seus filmes anteriores, somos presenteados com uma fotografia inspirada. Em especial no treinamento de Kumatetsu e Kyuuta (novo nome que o Ren ganha do monstro), com a câmara em posições inteligentes e divertidas. Acompanhamos o garoto imitando o mestre sem que ele perceba, de inúmeras maneiras. E conforme o treino se desenvolve, a câmera opta por planos mais diretos, realçando a grandeza e crescimento deles.


O filme ainda conta com a perspectiva costumeira de tirar o fôlego de Hosoda, seja nas multidões gigantescas do Japão, nas bicicletas estacionadas (planos bem semelhantes foram usados em Wolf Children), ou fazendo a câmera girar 360º acompanhando a visão de Ren/Kyuuta.










E os elogios irão parar por aí, infelizmente. Assim como ocorria no já citado filme do Shinkai, Ren/Kyuuta se surpreende muito pouco ao entrar no Beco Diagonal (pois é) e passar a viver com monstros. Chihiro definitivamente reagia como uma pessoa normal. E a personalidade do garoto é muito difícil e explosiva, embalada por um melodrama de flashback que dura 2 minutos sobre os parentes que ficaram com sua guarda. Pior ainda são as visões que tem de sua mãe morta. Acontece duas ou três vezes e não chega a lugar nenhum, é só jogado ao acaso.


Chegamos, enfim, a fera Kumatetsu e sua personalidade... exatamente igual a do menino. Não sabendo criar a dinâmica do mestre-e-aprendiz-que-brigam-mas-se-amam, fartamente usada em Naruto e Jiraya, Piccolo e Gohan e outros, os dois são extremamente aborrecidos. E sempre que parece que haverá a construção de um sentimento mais bonito e calmo entre ambos, voltam a gritar um com o outro e correr pela rua. Pode até soar engraçadinho na primeira vez, mas depois da sétima já é insuportável.


O arco dramático deles, aliás, é inexistente. Eles se conhecem brigando, passam o filme brigando e terminam o filme brigados (exceto nos últimos vinte minutos). Não parece haver um crescimento ou amadurecimento nem por parte do adulto da relação. A única mudança é Ren ficando um pouco mais sério adolescente, óbvio. Mas deveria ser igualmente óbvio constarmos a diferença na relação deles 9 anos depois (!!!). E simplesmente não há.

Pior que o “desenvolvimento” dos personagens principais, só o dos secundários, na segunda metade do filme. Jogando ás pressas Kaede, namorada do protagonista, ela é completamente apagada. E já começam se conhecendo no clichê do mocinho salvando a mocinha. E depois segurando a mão dela e correndo (ninguém viu o novo Star Wars, não?). Meu deus. Atropelando em meio a isso, Ren/Kyuuta decide ir atrás de seu pai biológico, que obviamente não ganha um pingo de desenvolvimento, e de uma cena pra outra já estão brigando. Idem com a namorada. Tudo acontece de forma abrupta demais, intercalando entre moça e pai que jamais deveriam ter sido introduzidos aí, pois atrapalharam completamente a relação do mestre a aprendiz.


Aliás, já dava pra notar algo muito errado na direção de Mamoru Hosoda quando mestre e aprendiz vão visitar outros mestres no mundo dos monstros. E o salto de um mestre para outro é tão súbito e confuso, houve momentos que eu pensei até que era um sonho de alguém. Esse tour, entretanto, não leva a lugar nenhum, nem planta qualquer semente que poderia ser usada futuramente. É um gigantesco filler ali no meio.


Porém, os problemas da direção não param por aí. Se em Wolf Children o diretor conseguiu um travelling horizontal fabuloso para mostrar o desenvolvimento das crianças na escola e a passagem dos anos, aqui eles são pobres e desinteressantes. Uma vez para salvar a mocinha, com a ação ocorrendo fora da tela; e outra quando encontra seu pai pela primeira vez e fica uma confusão de personagens fora da tela idem. Travellings horizontais são bem difíceis de se utilizar de forma eficiente, e Hosoda simplesmente não foi bem sucedido em suas tentativas aqui.









E o que dizer da visão subjetiva das câmeras de segurança na rua? Utilizadas primeiramente no início do filme, sugerindo um possível observador e/ou ameaça, só aparecem de novo ao final do filme. E não trazem recompensa nenhuma, só uma maneira que Hosoda pensou em enquadrar e que só causa distração sem propósito narrativo algum.


Mas voltando aos problemas de roteiro. Por que o monge porco se juntou a eles para sempre? No início, Ren e ele pareciam ter se encontrado na rua completamente ao acaso, sem ligação com Kumatetsu. E o macaco amigo da fera, quem é? A primeira vista, ele quem parecia um aprendiz. Seu desenvolvimento é nulo, como o do monge. São completamente desperdiçados. E o Beco Diagonal entre o mundo dos monstros e humanos estava sempre aberto? E Ren só decidiu espiar o outro lado depois de... 9 anos?!


O mundo dos monstros, aliás, é extremamente mal desenvolvido (mas tinham que dar espaço pra namorada, pai adotivo, e aquela aberração de vilão no final). E deveria justamente ser a parte mais interessante. Não conhecemos direito Iouzen, nem o Grande Mestre. Não entendo se o macaco ou o monge precisam trabalhar. Ou o Kumatetsu. Como funcionam as coisas, o cotidiano, os trabalhos, aquele bairro, cidade, enfim. É igual o dos humanos? Não tem como saber. Eles prezam bastante a dinâmica de mestre e aprendiz, mas numa trama em que viram deuses, é estranho demais só lutarem com socos. As lutas não ganham maior peso e sequer soam importantes. É surreal que o destino do mundo Juutengai seja decidido de forma tão burocrática e pobre.


Com um final absolutamente pavoroso em seu vilão que tira todo o foco e desenvolvimento dos personagens títulos, foi um ato desesperado da produção do filme. Talvez querendo traçar paralelos pobres com Moby Dick (“O capitão estava lutando contra si mesmo!”... mas não é bem assim, é a luta do Homem contra a Natureza, não deturpem essa obra-prima que eu sou apaixonado!). Assim, Ren estaria também lutando contra si mesmo naquele vilão? Ou Ren contra a fera do título é que se encaixam na frase? Ou Kumatetsu e Iouzen quem estão lutando contra si mesmos para serem o Grande Mestre? É difícil estabelecer uma lógica para essas ideias bagunçadas atiradas de qualquer jeito na trama.


De qualquer modo, assim como Shinkai voltou aos trilhos no filme seguinte com Kotonoha no Niwa, tenho total confiança de que Mamoru Hosoda se recupere no próximo. Os seus trabalhos anteriores são maravilhosos demais para serem apagados por uma ovelha negra dessas.

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