segunda-feira, 6 de junho de 2016

CLIPANIMATION: Burn The Witch (Radiohead)

O bonito trailer da instigante Burn The Witch (Queime a Bruxa), recente single da banda inglesa Radiohead feito completamente em stop-motion, ressoa ecos de terror através de uma atmosfera bucólica e caráter inocente e pacifico do ambiente, onde trabalhadoras rurais executam suas atividades rotineiras – o clipe começa com um passarinho cantando alegremente e fecha da mesma forma com o passarinho indiferente à reviravolta sinistra que culmina no clímax da narrativa. 
Antes de continuarem, confiram o clipe:
A ideia de contar uma história que denuncia atos aterrorizantes camuflados em atividades pacíficas encontra sua máxima expressão através de bonecos animados artesanalmente pela técnica do stop-motion – afinal, é um tipo de arte que sempre esteve interligado à ideia de castidade e inocência pura, uma vez que o ambiente e personagens ganham vida a partir de massas de modelar, que está inerentemente em conexão com atividades infantis. É como a produção de Madoka Mágica se aproveitou dos trejeitos inocentes do character design e da concepção de garotas mágicas para ludibriar seu público e transmitir uma atmosfera desconfortável entre forma e conteúdo. 

Apesar do ambiente idílico no clipe de Chris Hopewell, a atmosfera logo se torna alarmante e obscurecida à medida que notamos a divergência entre forma e conteúdo na narrativa. Há algo profundamente errado com esse povo aparentemente feliz. Os camponeses estão tentando dar a impressão de que tudo está em conformidade na vila para um inspetor – um agente federal – vindo de fora, e enquanto o líder da comunidade guia seu julgamento à medida que adentramos na comunidade, se torna notável a inépcia da tentativa trôpega de mascarar a realidade imutável das coisas como elas são. 
"Vilarejo Modelo", essa cena demonstra a tentativa de simulacro
Suponhamos que o homem de terno é um agente do governo federal atribuído de avaliar as condições de um município ou distrito rural afastado e longe das vistas do governo. Esta comunidade é regida por um líder de uma seita que tenta passar a ideia de que a aldeia é bastante agradável e em conformidade com o que as pessoas de fora esperam. A tentativa trôpega de omissão é notável em inúmeros momentos; como quando eles colocam flores na forca, a fim de embelezá-la e dissipar o pensamento de sua real natureza. A baixa escolaridade/analfabetismo é outro tópico que vem à tona em um erro de ortografia aos 2:33 quando se lê a palavra “Jobes” escrita erroneamente.

Aos 0:48 se lê “The Speared Boar” é uma referência ao Senhor das Moscas, onde um javali é perfurado por Jack e seus seguidores, e depois, eles colocam a cabeça do javali em um jogo. Implica à selvageria na aldeia apesar de sua aparência pacifista. Todo o plano é executado com a cumplicidade dos moradores – ou pelo menos a sua classe dominante. Em 01:40 minutos é notável o fato de que a mulher tenta fazer com que a refeição com um cervo massacrado se pareça com uma torta, embora o sangue escorra denunciando a intenção real. 
Um trabalhador pode ser visto pintando um X vermelho em uma porta, um sinal comum no período das Caça às Bruxas, evidenciando uma residência que não está em conformidade com o grupo dominante naquela sociedade; mascarados, homens portadores de espada executam uma dança inquietante em torno de uma mulher amarrada a uma árvore, enquanto crianças tocam instrumentos musicais em uma apresentação pública ao lado. Alguns dos moradores bebem álcool em plena luz do dia, em público, e também enquanto eles estão trabalhando. 

No chocante plotwist final, o inspetor é sacrificado em um ritual comum na idade média – e que perseverou em comunidades afastadas até mesmo em meados do Século XX (de 1901 a 2000), em especial países asiáticos. O sacrifico aos deuses pagãos traz o falso simulacro de absolvição e tranquilidade à consciência culpada. Assim, os aldeões induzem o forasteiro a uma figura gigante ameaçadora (que poderia ser interpretado como o estado; as pessoas de fora que não podem compreender seus costumes folclóricos) reproduzida por pedaços de paus, e simbolicamente lhe viram às costas – como se fechando os olhos para seus atos bárbaros – lhe deixam arder em vida. 
Em Burn The Witch, o nativismo e seus perigos é o que está em voga. Ao fim, o homem de alguma forma acaba conseguindo escapar e sobrevive, indicando que os camponeses continuarão sendo pressionados e que sua cultura obsoleta está perto do fim. 

A peça é um brilhante jogo alegórico que encontra ecos na própria letra sarcástica e irônica do compositor Thom Yorke, denotando sua ambiguidade. É uma letra intrigante e quase insolúvel que faz rima a comportamentos atuais, que no entanto se ancora no reflexo histórico – normalmente quando a História é revisitada criticamente, é por uma perspectiva inquisitiva do presente. Ressoando um terror ressurgido das sombras. Enfim, a melodia consegue alcançar os limites de uma música de filme de terror, em que a otimista e enérgica orquestra com cordas em staccato ganha características graves e perturbadora em seu clímax, o que é belamente refletido na narrativa do vídeo. É um trabalho fantástico.
Equipamento clássico de tortura no período de Caças as Bruxas, transformado em brinquedo para as crianças
Em tempo, o clipe parece encontrar inspiração no filme de terror O Homem de Palha (The Wicker Man, 1973), que possui um mote similar, e na animação fictícia Trumptonshire Trilogy – que apresenta um modelo de sociedade perfeita. E em uma nota lateral, não posso deixar de dizer que o "Caça as bruxas" foi um período de perseguição e totalitarismo à qualquer pessoa que exprimisse uma opinião ou comportamento dissonante àquela imposta pelo patriarcado, através do carácter fundamentalista. Ou seja, não era necessário ser bruxa para ser considerado uma, ou possuído por seus poderes malignos.

Diretor: Chris Hopewell
Edição: Ben Foley
DOP: Jon Davey
Diretor de Arte & Designer: Chris Hopewell
Animadores chave: Virpi Kettu, Louie Mc Namara, Oli Putland
Animadores: Aaron Hopewell, Andrew Stuart, Rosie Lea Brind, Chris Hopewell
Estúdio: Jacknife

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