sábado, 4 de junho de 2016

Entrevista: Keiichi Hara Fala do Processo de Criação em Miss Hokusai

Entrevista concedida pelo talentoso cineasta Keiichi Hara (Colorful) como como promoção para o lançamento do seu mais recente filme, Miss Hokusai, no Reino Unido, ainda em 2015 – ano de lançamento do filme em solo japonês. É uma entrevista bastante interessante e esclarecedora, recomendado. 
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Este filme é baseado no mangá original Sarusuberi  de Hinako Sugiura. Você poderia descrever quais aspectos da história original foram mais atraente para você?

Keiichi Hara: Na realidade, eu amo todas as obras de Sugiura, e Sarusuberi em particular. Quando eu estava trabalhando em Summer Days with Coo, havia uma cena com um enorme dragão voando no céu da noite perto da Torre de Tóquio. Lembro-me de levar para a equipe uma página de Sarusuberi, e dizendo-lhes: é assim que eu quero que isto seja feito! É por isso que este filme é um sonho para mim. Era muita pressão, também, já que eu realmente amei este manga: ele retrata a realidade, mas é visionário, ele toca vários aspectos da vida, ainda que o sobrenatural esteja sempre à espreita por trás do fino véu da realidade. Com esse material maravilhoso, senti que eu poderia torna-lo um filme visualmente divertido. Dramas de época tendem a ser excessivamente elegantes, e Sugiura sem dúvidas consegue entregar com êxito tanto uma representação histórica realista quanto personagens convincentes. Este filme é uma história sobre pessoas, em vez de um filme biográfico. Nós fizemos a nossa investigação, e devo confessar que certamente não sou um especialista no período Edo, mas Miss Hokusai é basicamente uma adaptação dos quadrinhos e visão de mundo de Sugiura.
O que você manteve, e o que você adicionou em relação ao mangá original?

O mangá de Sugiura é uma coleção de histórias curtas, sem qualquer conexão real entre si. Além disso, cada história pode se concentrar em um personagem diferente. O título “Sarusuberi” (NOTA: em japonês, refere-se à ao gênero de flor Lagerstroemia mais conhecida como “crape myrtle” ou “crepe myrtle”, muito comum no sudeste da Asia) é uma referência a Hokusai, mas não há verdadeiro protagonista, mesmo Zenjiro está em lugar de destaque, e O-Ei [filha de Hokusai] torna-se mais importante a medida que a série progride. Então eu decidi focar em O-Ei, que é sem dúvida avatar de Sugiura dentro da história, e eu desenvolvi a personagem de sua irmã mais nova, O-Nao, que no mangá aparece apenas em uma história, sendo um dos mais belos toques [da autora], e, na verdade, o núcleo em torno do qual eu construí este filme. Eu usei a “família” como um agente de coesão para criar um filme que poderia se manter sólido. Em colaboração com o roteirista Miho Maruo, nós também adicionamos um episódio inteiramente original, a sequência de neve no meio do filme. O final é original, também.

Existe alguma grande diferença entre os filmes que você já dirigiu até agora e Miss Hokusai?

Acho que é a primeira vez em anos eu fiz um filme onde ninguém chora! Mais uma vez, creio que esta é uma das peculiaridades da narrativa de Sugiura. Nunca melodramática, nunca exagerada. Eu diria que é essencial. Ainda assim, suas histórias transmitem grandes emoções. Isto é o que eu admiro em seu estilo e estou tentando emular. Se você acreditar que ela fez isso quando tinha apenas 24 anos, você só pode chamá-la de gênio. 
Hokusai e O-Ei: qual entre estes dois foi mais fácil para processar? E quem é o seu personagem favorito no filme?

O-Ei era mais fácil de trabalhar, é claro. Apesar de ser um personagem histórico, ao contrário de seu pai nós realmente não sabemos muito sobre ela, e isso me deu uma alavanca para desenvolver sua personalidade, embora eu deva muito ao material de origem. O-Ei sente-se em rivalidade com o pai, que também passa a ser seu mestre como artista. Ela é orgulhosa, de temperamento forte e grande teimosia e, em geral uma pessoa bastante segura de si mesma. Ainda assim, ela é terrivelmente tímida e desajeitada quando se trata de seu interesse romântico tácito. E ela é tão doce e protetora como uma mãe para sua irmã mais nova, O-Nao. Então eu pensei que eu poderia oferecer um retrato completo desta mulher incrivelmente intrigante, mostrando os muitos lados de sua personalidade, e fazer um uso eficaz de mudança das estações para contar uma história ao longo de um período de um ano. Quanto ao meu personagem favorito... Eu diria que Zenjiro. Ele é o mais humano de todo o grupo.

A trilha sonora deste filme é bastante interessante e inesperada.

Eu tive o privilégio de trabalhar com Narumi Fuuki, que já tinha composto a música para o meu filme anterior, Dawn of a Filmmaker (NOTA: Hajimari no michi no original, de 2013). Eu também descobrir a partir do irmão de Sugiura que ela tinha o hábito de desenhar enquanto ouvia música de rock. De fato, é uma associação muito pouco convencional, e eu decidi prestar homenagem a este processo criativo único, então eu coloquei O-Ei andando pelas ruas de 1814 da Era Edo ao som de guitarras elétricas. Se me permitem dizê-lo, O-Ei rocker!
Que imagem você tem de Hokusai?

Hoje ele é celebrado como um dos maiores artistas do Japão, e, provavelmente, também é considerado a nível mundial. No entanto, quando ele estava vivo, ele foi sim um artesão talentoso, um plebeu entre plebeus. Impressões de Ukiyo-e requeria a cooperação entre os artesãos especializados, e, nessa medida, é muito semelhante à animação hoje. Eu gosto de me considerar como um artesão, que colabora com muitas outras pessoas que possuem diferentes habilidades, a fim de alcançar o resultado final.

Foi O-Ei uma mulher à frente de seu tempo? Você considera a Miss Hokusai um filme com uma mensagem feminista?

Eu acredito que O-Ei estava à frente de seu tempo, especialmente a partir de um ponto de vista artístico. A partir dos muito poucos relatos que temos, aparentemente, ela também teve o privilégio de viver uma vida em que ela fez o que ela queria. No entanto, eu não tenho certeza se podemos descrever esse filme – ou mesmo o mangá – de Sugiura como “feminista”. Tudo depende de que significado você dá a esta palavra. Estou com a impressão, e eu suspeito que esta também era a visão de Sugiura, que as mulheres no período Edo – não da classe samurai, mas as pessoas – comuns estavam menos propícios a aderir a modelos específicos de comportamento social, uma situação que de alguma forma foi alterada após a Restauração Meiji de 1868, quando muitos conceitos ocidentais foram introduzidos no país. Acredito que Sugiura sentiu que plebeus do período Edo, enquanto no nível mais baixo da pirâmide social, desfrutaram de suas vidas com a consciência de viver em um “mundo flutuante” com um grau surpreendente de liberdade.

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