domingo, 31 de julho de 2016

Produtor Toshio Suzuki Conta Como Está a Situação no Studio Ghibli e Com Miyazaki

Após 3 anos da aposentadoria de Hayao Miyazaki e o Ghibli parado de fazer filmes, o produtor e co-fundador Toshio Suzuki conta como está a situação. 
Já se passaram quase três anos desde que, em 2013, o diretor Hayao Miyazaki, autor de obras emblemáticas como Nausicaä do Vale do Vento (1984), Princesa Mononoke (1997) e a Viagem de Chihiro (2003) anunciou sua aposentadoria do mundo das animações de longa-metragem com seu último filme Vidas ao Vento (Kaze Tachinu, 2013).

A Receita do Ghibli girava principalmente em torno de seu principal maestro, Miyazaki, e a partir do momento que se retirou, a situação se tornou realmente insustentável com o não retorno dos investimentos em As Memórias de Marnie (Omoide no Marnie) e O Conto da Princesa Kaguya (Kaguya-hime no Monogatari) – até então, a dobradinha Miyazaki e Isao Takahata havia funcionado, porque mesmo quando este último não dava um retorno financeiro com seu filme, o primeiro segurava as pontas. Vários grandes estúdios já passaram perto da forca com sua sobrevivência ou falência dependendo do retorno de uma nova produção, e parece que bancar três grandes projetos cinematográficos simultâneos, e apenas um conseguir se vender, foi demais para o Ghibli

Uma resposta não positiva para a ousadia. Mas, seguindo novos rumos menos grandiosos, um curta-metragem intitulado Kemushi no Boro (A lagarta Boro) dirigido por Miyazaki, a primeira produção do estúdio completamente em 3DCG, está sendo produzida. Faz parte do projeto pessoal do diretor, de se dedicar apenas a curtas-metragens e desenhos – ele está basicamente vivendo seus dias curtindo seus hobbies. E em breve, também estreia La Tortue Rouge (A Tartaruga Vermelha), primeira coprodução do Ghibli com um estúdio estrangeiro, dirigida por Michael Dudok de Wit. É uma história gestada durante uma década que recebeu recentemente um prêmio especial no festival de Cannes, Um Certain Regard. 

O que está ocorrendo das portas pra dentro do estúdio? Toshio Suzuki é quem responde direto de sua oficina no município Tokiota de Koganei. Suzuki é também um dos cofundadores do Ghibli ao lado de Takahata e Miyazaki e foi o produtor e presidente do estúdio por todos estes anos até que resolveu se retirar juntamente ao lado do velho amigo Miya. Hoje é diretor representante do estúdio (um cargo único nas empresas japonesas).

>Um curta-metragem em CG para Miyazaki é uma mudança de cenário

Atualmente Suzuki alterna diariamente suas visitas à sua oficina em Ebisu – Tóquio, e ao estúdio Ghibli. “Não sei por que, mas eu tinha muito mais tempo livre quando fazia filmes”, disse. 

“Há muitos motivos pela razão de eu ter deixado de fazer filmes no Japão. Um deles foi o fato de que Miyazaki havia deixado de fazer longas-metragens. Takahata também tem mais de 80 anos. Não conseguia me convencer da ideia de dedicar-me a educar os jovens para a produção de filmes e não pensar em mais nada. Pensei que necessitava de um tempo para mim mesmo, para me organizar e estudar”

Suzuki conta que há muitas pessoas que querem vê-lo agora que acredita que ele dispõe de tempo livre. Então ele concentra essas visitas em Ebisu, e deixa as viagens ao Ghibli para os momentos em que necessita trabalhar. 

“Quando vejo Miya-san é terrível. Se vou à empresa todos os dias passo mais de três horas por dia conversando com ele. A viagem de ida e volta ao Ghibli são duas horas, e se fico duas horas a mais conversando com ele já se vão quatro horas que me escapam do meu escasso tempo, e não consigo completar o meu trabalho. Essa é uma das maiores razões para não visitar o Ghibli diariamente”

Além do mais, ri Suzuki, também está ajudando no fato de que Miyazaki está mais um pouco calmo para dedicar-se à produção de sua primeira obra em CG. 

“Eu o animei dizendo-lhe que seria uma boa para ele essa mudança de ares. Também teria sido bom se fosse uma animação 2D, mas pensei que se trocássemos a forma de produzi-la ele experimentaria algo diferente”

>“Miya-san” quería fazer Kemushi no Boro 

Kemushi no Boro é um filme curta-metragem que Miyazaki queria realizar há tempos. A ideia surgiu na época em que começaram a planejar Princesa Mononoke. 

“Quando Miya-san disse que queria fazer Kemushi no Boro, eu me opus”, disse Suzuki. “É difícil realizar um longa-metragem de 80 a 100 minutos com uma história que não aparece nenhum ser humano. Pensei que era melhor que esperasse ficar mais velho para fazer Boro. Em contrapartida, Princesa Mononoke é um filme de ação, e naquele momento o diretor tinha cinquenta e tantos anos, então recomendei que o fizesse. Meu julgamento se mostrou mais realista”

Mais tarde, porém, Miyazaki se aposentou, mas compreendia muito bem que o diretor não podia deixar de querer dirigir alguma obra, então um dia o produtor se aproximou dele: “Já que você tem tempo livre, o que acha de filmar um curta-metragem? E se assim for, por que não Kemushi no Boro?”

“Ele ficou com raiva. ‘Que história é essa de me propor algo que eu já estava pensando há muito tempo?’. Eu já sabia. Nos conhecemos de há muito tempo”

Foi assim que Miyazaki decidiu realizar pela primeira vez um curta-metragem utilizando CG; Suzuki lhe propôs duas opções: trabalhar com o pessoal da Pixar – que estava sob o comando de John Lasseter, diretor com quem Ghibli já tinha uma relação próxima por longos anos – ou produzir a obra com uma equipe japonesa jovem de computação gráfica. Miyazaki respondeu que preferia uma equipe japonesa. “O pessoal da Pixar só falam em inglês”

Pelo visto ainda faltam muitos anos para que Kemushi no Boro estreie no Museu Ghibli em Mitaka, Tóquio. 

>Vou trabalhar “até o final” com Takahata e Miyazaki

Em muitas ocasiões Miyazaki mudou radicalmente os rumos dos seus projetos ao aceitar os conselhos de Suzuki, o que também foi o caso com seu último longa-metragem, Vidas ao Vento. O diretor queria dirigir a continuação de Ponyo - Uma Amizade que Veio do Mar (Gake no ue no Ponyo, 2008), mas Suzuki argumentou que lhe parecia mais interessante ver como Miyazaki retrataria a guerra; o produtor sugeriu que ele adaptasse um mangá sobre Horikoshi Jiro, o engenheiro que desenhou o lendário avião de caça Zero, um mangá o próprio Miyazaki estava publicando em uma revista de modelismo. O diretor parecia não estar interessado neste trabalho, mas finalmente respeitou a opinião de Suzuki. “Ele queria fazer Ponyo 2, mas eu não queria vê-lo. Foi simplesmente isso”

Suzuki disse na ocasião que tanto Vidas ao Vento (lançado em julho de 2013) como O Conto da Princesa Kaguya (lançado em novembro de 2013) foram um “pagamento extra de aposentadoria” para Miyazaki e Takahata, respectivamente, mas também brinca dizendo “para ver se eles morrem em breve”

“Conheci a ambos em 1978, ou seja, a nossa relação já tem 38 anos. Já que chegamos até aqui, não me resta outra coisa senão seguir com eles até o final. A única pergunta agora é de que modo vamos deixar este mundo”. 

“Após as estreias de Vidas ao Vento e O Conto da Princesa Kaguya nós três tivemos uma conversa, e eu disse brincando que era uma pena que ambos [os filmes] não puderam estrear no mesmo dia. Que, no futuro, seria melhor que morressem no mesmo dia e houvesse apenas um funeral, para evitar problemas. Takahata riu, mas Miya-san parecia descrente”

Takahata e Miyazaki compartilharam 50 anos de rivalidade, respeito e também amizade; ambos possuem fortes personalidades, e isso se reflete em suas obras. Suzuki ganhou o respeito de ambos os mestres, por isso se há alguém que pode fazer este tipo de brincadeira, é ele. 

>O desafio de um primeiro longa-metragem em colaboração com o Ghibli.

Michael Dudok de Wit, o diretor de A Tartaruga Vermelha, que estreia em Setembro no circuito comercial (já está sendo exibido em festivais pelo mundo), é oriundo da Holanda, e desde então tem dirigido animações na Inglaterra. Seu curta-metragem Father and Daughter (Pai e Filha, 2000) recebeu o Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação em 2001. Enamorado da obra, Suzuki propôs diretamente ao diretor há dez anos realizar um longa-metragem em parceria com o Ghibli. 

“Ele me disse que, já que só havia dirigido obras de oito ou dez minutos, gostaria sim de contar com a colaboração do Ghibli, que gostaria de dirigir um longa-metragem. Depois perguntei ao Takahata se ele gostaria de colaborar, e recebi também uma resposta favorável”

“Nas primeiras fases de escritura do roteiro trabalhamos à distância entre Inglaterra e Japão, mais assim não estava avançando os trabalhos. Então propus a Michael que viesse ao Japão. Quase oito anos atrás; ele alugou um apartamento para vir ao estúdio trabalhar com Takahata por um mês, e desse modo puderam reforçar as bases do projeto; o roteiro, os esboços e assim por diante”

Suzuki também teve que investigar formas de assegurar os recursos para produzir o filme, e finalmente se estabeleceu que o Ghibli participaria como coprodutora com a empresa francesa Wild Bunch, e o gerenciamento do projeto seria feito principalmente na França. 

>A produção de filmes sem fronteiras tem se tornado cada vez mais interessante 

A Tartaruga Vermelha viu a luz através das mãos de um diretor holandês e uma equipe formada por gente de todas as partes da Europa. “Deveriamos fazer uma obra reunindo não só as pessoas da Europa, mas dos Estados Unidos, da Asia, inclusive da África. Esse é o tempo em que vivemos”, disse Suzuki. 

60 ou 70% dos filmes de animação japonesas são produzidas no Sudeste Asiático (Tailândia, Filipinas, Vietnã, Singapura, Indonésia, entre outros), e a animação estadunidense chegou a uma situação similar. “Talvez seja o tempo dos diretores e produtores japoneses irem para o Sudeste Asiático para trabalhar com as pessoas de lá”.  

“Acredito que estamos vivendo uma época em que os japoneses precisam aprender muitos outros idiomas – o chinês, o tailandês – ou não poderemos fazer bem nosso trabalho. Os gostos irão mudar, mas isso também será algo interessante. Me parece que será divertido comprovar que tipo de obras vem à tona em uma época sem fronteiras”

A indústria de animação está passando por grandes mudanças: do desenho a mãos para o digital, coproduções entre diferentes países, Existem fortes tendências de transferir a publicidade de jornais, televisão e revistas para a internet e seus sites, vlogs, blogs e redes sociais. Suzuki reconhece que já não pode se manter no ritmo. As pessoas que ele considera que se pode confiar são gente como o presidente da Dwango (empresa de comunicações), Kawakami Nobuo, que foi um dia seu discípulo no Ghibli. “Não se trata apenas de produzir animação, mas também de digitaliza-la para poder mostra-la ao mundo. Já não faz parte da minha época...”

Está certo que acabou uma era, mas as recordações de obras tão primorosas deixadas em nossa memória é como as suas obras de uma época analógica do estúdio expostas em exposições em seu museu, não é algo que irá se apagar tão facilmente.